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domingo, 23 de janeiro de 2011

Notas do meu rodápé: Uma eleição com vencedores vencidos e derrotados vencedores e o canto do cisne de Manuel Alegre



O grande vencedor das eleições presidenciais não foi Cavaco Silva. O grande vencedor foi Mário Soares, que conseguiu roer o miolo da candidatura de Manuel Alegre, levando muitos militantes e eleitores socialistas a absterem-se ou a votar no candidato que ele próprio inspirou, Fernando Nobre. Sócrates ajudou à festa da suprema humilhação de Manuel Alegre, ao não empenhar-se muito na sua candidatura, que não lhe interessava nada para a sua estratégia de poder. Com Cavaco em Belém, Sócrates poderá sempre dramatizar qualquer gesto de animosidade, que venha daquela banda, recorrendo à manobra da vitimização. Ele poderá sempre dizer que o Presidente da República está a fazer o jogo do PSD.
Manuel Alegre, tal como já afirmei aqui, deu um tiro no pé, ao abdicar da plataforma apartidária e autónoma das eleições presidenciais de 2006, em que alcançou um resultado histórico, ao mesmo tempo que infligiu uma humilhante derrota ao então candidato do PS, Mário Soares.
Pelo contrário, as eleições de hoje são para Alegre o canto do cisne. Mário Soares não lhe perdoou a afronta e vingou-se, com o cinismo de um Richelieu. Ao colocar-se a jeito para que José Sócrates lhe desse o apoio oficial do partido, baixando a fasquia da sua anterior agressividade em relação à desastrosa política do governo, desiludiu muita gente que o tinha entusiasticamente apoiado há cinco anos. Acabou por perder margem de manobra para poder seduzir o universo dos descontentes e daqueles que estão a sofrer na pele as consequências de uma crise económica, de que não são responsáveis. As afirmações genéricas que foi debitando sobre a manutenção do Estado Social não convenceram ninguém. Ficou refém de José Sócrates e, José Sócrates, que não foi nada inocente ao dar o apoio do PS à sua candidatura, libertou-se assim da única voz de peso, que ousou, em tempos, criticá-lo em público. Nesta perspectiva, Sócrates também foi um vencedor, embora o descontentamento larvar contra a sua política constituísse o pano de fundo deste acto eleitoral, ao ponto de se poder dizer, como eu já disse aqui, que estas eleições serviram mais para penalizar o governo do que para escolher um presidente.
Cavaco Silva, embora atingisse o objectivo de continuar a sentar o cu no cadeirão presidencial de Belém, também não ganhou. A sua maioria absoluta por curta margem, muito inferior em número de votos à alcançada para o primeiro mandato, e ainda por cima com uma abstenção elevada, vai limitar-lhe qualquer intenção de desencadear acções obstrutivas ao governo. Sócrates, perante a sua fragilidade, que o desenvolvimento da sua ligação aos seus amigos do BPN irá acentuar, até é bem capaz de provocar intencionalmente um incidente, para o obrigar a antecipar eleições legislativas, assim aproveitando, para alcançar a vitória, a fraqueza do PSD, que não tem ainda um líder carismático.
Vencedores houve, mas que não obtiveram as contrapartidas da vitória. Em primeiro lugar a abstenção. E, em segundo lugar, as candidaturas de Fernando Nobre e, numa outra escala de apreciação, a de José M. Coelho.
A candidatura de Francisco Lopes atingiu os objectivos a que o PCP se propunha, o de marcar uma posição no acto eleitoral e de aproveitar a campanha para desmontar as gravosas políticas do governo de José Sócrates. No entanto, não conseguiu evitar a eleição de Cavaco Silva, logo na primeira volta, que era outro dos seus objectivos.

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