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terça-feira, 18 de dezembro de 2018

LOUVOR


Centro Oncológico Dra. Natália Chaves - Carnaxide

LOUVOR

A crítica fundamentada e objectiva envolve ou o protesto indignado ou o elogio rasgado. E, neste caso, é o autêntico elogio que o subscritor pretende expressar neste pequeno apontamento.

A primeira impressão positiva a registar, para quem cruza este espaço, o Centro Oncológico Dra. Natália Chaves, remete para a concepção arquitectónica do edifício, a marcar a sua modernidade, através do estilo sóbrio das suas linhas rectilíneas e da nobreza, ajustadamente simples e desnudada, dos materiais utilizados, quer no seu exterior, onde se consegue uma harmonia com a paisagem ajardinada envolvente, quer, principalmente, no seu interior, onde, num cruzamento de uma combinação feliz, se descobre uma estética, despojada de inúteis maneirismos, e, ao mesmo tempo, se consegue obter a respectiva funcionalidade, para o fim em vista.

Uma outra observação positiva, a registar, e esta, talvez, a mais importante e a mais significativa, já que se trata da humanização deste espaço, vai dirigida directamente para os funcionários da instituição, com quem o subscritor mais lidou, ao longo destes dois meses do seu tratamento. Embora não se encontre credenciado para proceder a uma qualquer avaliação sobre as respectivas competências técnicas, o subscritor, de uma forma indirecta e sumária, pode anotar, com toda a segurança, o bom desempenho profissional desses funcionários, que se detecta pela forma expedita e segura como cumprem os rigorosos protocolos instituídos, para cada função a desempenhar. E tudo isto só é possível, porque a direcção da instituição soube assumir uma gestão criteriosa e rigorosa dos procedimentos a aplicar para todas as funcionalidades inerentes à sua missão. Assim se explica a ausência de confusões e, a cada momento, o surgimento de uma grande aglomeração de doentes, ao mesmo tempo que se proporciona e o seu atendimento atempado.

E, tal como uma cereja em cima de bolo, é de registar a enorme e espontânea simpatia, sem ser compulsivamente forçada, com que todos funcionários da instituição envolvem os doentes. E aqui, embora não pretenda discriminar ninguém, e, talvez, porque o acaso determinou uma maior frequência de contactos no processo de atendimento, é de toda a justiça destacar a simpatia e o aprumo profissional da recepcionista, D. Sónia Canelas.

E é, principalmente, pelo ângulo desta perspectiva humanizante, que o subscritor regista, com agrado, o seu agradecimento aos profissionais de enfermagem e aos técnicos de radioterapia, bem diferenciados tecnicamente, às recepcionistas, diligentes e simpáticas, no atendimento, aos funcionários administrativos e aos imprescindíveis funcionários auxiliares, e isto sem esquecer a valiosa prestação da médica, Dra. Rosário Vicente, assim como a oportuna intervenção avulsa da senhora enfermeira Paula Dias, a quem o subscritor apelidou amavelmente de a sua querida torturadora. 

Alexandre Lopes de Castro
Jornalista
Lisboa,17 de Dezembro de 2018

domingo, 2 de dezembro de 2018

A França sempre nos habituou a ser a aurora das revoluções.



A França sempre nos habituou a ser a aurora das revoluções. E, agora, já não são os estudantes românticos do Maio 68 a manifestar-se, nem os operários a fazer greves, uns e outros já domesticados pelo sistema. Agora, são todos aqueles franceses da França profunda e "do fim do mês difícil", que apoiam este movimento dos coletes amarelos, um movimento que poderá vir a ser capturado pela extrema - direita, se é que o referido movimento – sem liderança visível e que se apresenta como uma estrutura inorgânica e horizontal – não nasceu por uma sua secreta inspiração.
De qualquer maneira, vem-nos à cabeça o Maio 68.

Alexandre de Castro

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

No Brasil, ganhou o fascismo...



No Brasil, ganhou o fascismo...
                                
O fascista Bolsonaro ganhou. Perdeu a democracia e perdeu o Brasil. E, possivelmente, vão perder muitos países, na América Latina e na Europa, onde os partidos radicais de extrema-direita, já instalados, vão ganhar, por contágio, um novo alento, para tentarem a fascização do poder político, inspirando-se no exemplo de Hitler, que também ganhou o poder, através de eleições, explorando com astúcia a fraqueza dos partidos democráticos tradicionais, que se esgotavam nas suas contradições.

O Brasil é um país democraticamente fraco, muito dividido etnicamente e socialmente, escandalosamente desigual na distribuição da riqueza e com uma incultura política elevada, a tal ponto que acabou por eleger um presidente que prometeu recorrer, implicitamente, ao assassinato das minorias. Hitler também também prometeu assassinar os judeus, e cumpriu.

Não pretendo fazer futurologia, mas vaticino que as coisas, no Brasil, vão correr muito mal.

Alexandre de Castro
2018 10 29

sábado, 27 de outubro de 2018

O Brasil a caminho do seu labirinto...


O Brasil a caminho do seu labirinto

Eu já não tenho dúvidas de que estas eleições, no Brasil, foram milimetricamente preparadas para desencadear um movimento insurreccional generalizado, que justifique a institucionalização de um regime autoritário e repressivo, que restrinja as liberdades e que dissemine o medo e o terror.

Quando agentes do Estado, em vésperas de uma eleição, de uma importância crucial, invadem as universidades para intimidar professores e alunos, suspeitos de ideologias de esquerda (ver aqui), é porque existe uma oculta intenção de apagar as pegadas da democracia brasileira e de iniciar um novo ciclo, o das "ditaduras democráticas" ou das "democracias musculadas".

Amanhã, quando Bolsonaro começar a fazer as razias étnicas e políticas, que prometeu, os que nele votarem não poderão vir dizer que não sabiam, nem se poderão queixar, no caso de vierem a ser vítimas da sua fúria e da sua crueldade fascista.

Alexandre de Castro
2018 10 27

domingo, 21 de outubro de 2018

Considerações sobre o dilema da democracia


Considerações sobre o dilema da democracia

Alexandre Guerra escreveu, no jornal PÚBLICO, de 30 de Setembro último, um artigo muito didáctico e muito bem estruturado, sob o título “O dilema da democracia", em que, no fundo, pretendia encontrar uma explicação para o sucesso das democracias ditas (i)leberais (Rússia e Turquia e outros países), em que, segundo ele, os eleitores, paradoxalmente, e em plena liberdade, têm escolhido normalmente um líder autoritário, uma ocorrência que ele estranha.

Isto acontece, porque o autor, implicitamente, parte do errado princípio de que as democracias liberais dos países ocidentais enquadram o sistema político mais perfeito, o que, para mim, não é verdade. E não é verdade, porque nas chamadas democracias liberais, como as instituídas na Europa e nos EUA, o sistema encontra-se viciado, uma vez que tudo foi concebido, no pós-guerra, para que aos eleitores fossem apresentados dois fortes partidos políticos, um retintamente liberal e o outro ornamentado com uma cosmética socializante, e que apenas divergiriam nos pormenores da governação, sendo, contudo, obrigatoriamente iguais, nos aspectos verdadeiramente estruturantes do poder político e na obstinada aceitação do modelo económico liberal único, anti-socialista e anticomunista.

Assim, através deste enganador processo, os actuais regimes políticos liberais garantem aos detentores do grande capital o controlo indirecto e remoto de toda uma política que os favoreça. E isto não é imediatamente percebido, pela maioria dos eleitores.
Alexandre de Castro.
2018 10 06

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Saúde: a gestão pública, a gestão privada e a parasitação dos dinheiros públicos - Mário Jorge Neves



Saúde: a gestão pública, a gestão privada e a parasitação dos dinheiros públicos

Durante largos anos a máquina de propaganda político-ideológica dos sectores privados e dos quadrantes partidários à direita, insistiram na cassete da superioridade da gestão privada em relação à gestão pública.

À medida que a dura realidade dos factos foi mostrando as sucessivas e catastróficas falências de grandes impérios multinacionais essa cassete perdeu vitalidade e foi procurando encontrar novas formas de propaganda mais ou menos dissimulada contra os serviços públicos de saúde sempre envoltas em abundante terminologia tecnocrática.

Aliás, estes mesmos sectores surgiram há meia dúzia de anos atrás, em plena crise económica, a apelar à nacionalização dos bancos falidos.

A última versão desta propaganda surgiu com a apresentação pública do documento estratégico para a Saúde da actual direcção do PSD ao afirmar expressamente que “... para a população nada muda, sendo indiferente para os utentes se a unidade é gerida pela iniciativa privada, pública ou social”.

Indiferente? Mas que embuste monumental !!!

Para os utentes não é indiferente porque a sua carga fiscal serviria para financiar empresas privadas parasitárias dos dinheiros públicos e assistiríamos, como noutros países, como é o caso mais gritante dos Estados Unidos, à selecção adversa dos doentes e à mera procura do lucro que iria beneficiar os accionistas das empresas a quem a gestão privada fosse entregue.

Por outro lado, a gestão pública e a gestão privada têm objectivos distintos e não misturáveis. Não se tratam de modelos assépticos nos planos político e ideológico.

A campanha política que tem envolvido maiores investimentos “publicitários” dos detractores do SNS é, como já referi, a da suposta superioridade natural da gestão privada relativamente à gestão pública.

Segundo os arautos desta campanha, a gestão pública seria sempre ruinosa, conduzia a graves desperdícios, e traduzia-se por baixos níveis de eficiência. Além disso, o Estado era sempre um mau gestor, não demonstrando capacidade para rentabilizar os recursos existentes, conduzindo a uma permanente insatisfação dos cidadãos.

Quanto à gestão privada, a sua própria natureza seria, desde logo, uma garantia de êxito e possibilitaria obter resultados muito superiores a nível do funcionamento dos serviços de saúde e da própria satisfação dos utentes. De acordo com a experiência existente em diversos países e com múltiplos estudos efectuados, mesmo no plano específico da saúde, não se verifica qualquer evidência acerca desta apregoada
superioridade.

Uma das operações teóricas e políticas mais bem sucedidas do neoliberalismo foi instaurar os debates em torno da oposição estatal / privado.

A deslocação do debate para este eixo traduz-se numa situação de favorecimento das teses neoliberais, em que o estatal é caracterizado como ineficiente, aquele que cobra impostos e desenvolve maus serviços à população, como burocrático, como corrupto, como opressor, enquanto que o privado é promovido como espaço de liberdade individual, de criação, de imaginação, de dinamismo.

Como refere o Prof. Emir Sader, a oposição estatal / privado reduz o debate a dois termos que, na realidade, não são necessariamente contraditórios, porque o estatal não é um pólo, mas um campo de disputa que, nos nossos tempos, é hegemonizado pelos interesses privados.

Quanto ao privado, ele não constitui a esfera dos indivíduos, mas representa os interesses mercantis, como se verifica nos processos de privatização, que não se traduziram em processos de desestatização em favor dos indivíduos e beneficiaram as grandes corporações privadas, as que dominam o mercado.

Dentro do próprio Estado desenvolve-se, de forma surda ou aberta, o conflito e a luta entre os que defendem os interesses públicos e os interesses mercantis, entre o que Pierre Bourdieu chamou de braços esquerdo e direito do Estado. Nesse sentido, a polarização essencial não se verifica entre o estatal e o privado, mas entre o público e o mercantil ( Emir Sader;Público Versus mercantile).

Em meados da década de 1980, o Banco Mundial (BM) publicou um documento intitulado “O financiamento dos serviços de saúde dos países em desenvolvimento: Uma agenda para a reforma”. (Frenk, J.. El financiamento como instrumento de política pública. Bol. Of. Sanit. Panam., 103(6), 1987.) Este documento colocava, entre outras, as seguintes concepções orientadoras:

Os serviços curativos só produzem benefícios privados, ou seja, benefícios ao consumidor directo do serviço e não à sociedade no seu conjunto.

Existência de um sector dominante de serviços curativos localizados no sector privado, e de um sector governamental paralelo de prevenção e tratamento básico para os pobres.

Defesa de um modelo fragmentado de prestação de cuidados.

Cobrança de taxas aos utentes dos serviços de saúde.
Desenvolvimento de seguros de saúde.

Emprego eficiente dos recursos não governamentais, (numa clara perspectiva de rápido desenvolvimento da iniciativa privada).

Apologia extrema da suposta superioridade total dos serviços privados.

Descentralização dos serviços governamentais de saúde, acompanhada da forte diminuição do volume de serviços da responsabilidade do Estado.

A doutrina ideológica neoliberal deriva deste tipo de documentos oriundos de entidades multinacionais como o BM, representando a sua designação, por si só, uma tentativa de denegrir o liberalismo e o seu significado de progresso social e político.

Enquanto nos séculos XVIII E XIX o liberalismo foi a expressão do próprio desenvolvimento do capitalismo empenhado em liquidar as excessivas tutelas e os entraves feudais, o neoliberalismo traduz-se, agora, numa acção oposta ao desenvolvimento e progresso das sociedades.

A palavra neoliberalismo passou a ser uma forma elegante de chamar aos mais conservadores o que antes era designado por retrógrado ou reaccionário e uma etiqueta com que se encobre a moderna economia de mercado.

Analisando os factos no seu respectivo contexto histórico, importa ter em conta que no século XIX o liberalismo significou a consolidação dos conceitos de liberdade e democracia, encarnando os esforços de progresso, de avanço científico e de desenvolvimento das nações.

O liberalismo opôs-se ao dirigismo do Estado, enfrentou o despotismo, foi ideário da tolerância e da fraternidade humana.

Os graves resultados económicos e sociais a que tem conduzido a “economia de casino” do neoliberalismo só poderá prosseguir com regimes políticos cada vez mais autoritários e repressivos.

São estes resultados que têm determinado, em grande medida, a emergência da extrema-direita em diversos países europeus e latino-americanos.

Defender a gestão por privados nos serviços públicos é o mesmo que querer misturar azeite e água.

A gestão pública e a gestão privada têm finalidades diferentes.

A gestão pública tem como foco fundamental o bem comum da sociedade e a sua evolução civilizacional, a gestão privada está vocacionada para o lucro, o consumo e o negócio.

A gestão pública existe para atingir uma missão que é considerada socialmente valiosa, a gestão privada existe para maximizar o património dos accionistas, tendo com critério de bom desempenho o resultado financeiro.

A gestão pública visa a criação de valor público e a gestão privada visa ganhar dinheiro para os seus acccionistas e proprietários mediante a produção de bens e serviços vendidos com lucro.

As organizações públicas têm um controle político do Estado por meio de eleições. Já nas empresas privadas, o controle é exercido pelo mercado por meio da concorrência entre as companhias e pelos accionistas.

É possível assegurar o bem comum com a gestão privada de serviços públicos?

É possível conciliar bem comum e desenvolvimento social com a maximização dos lucros dos accionistas?

Uma das cassetes propagandísticas desses sectores partidários e comerciais foi a de que sendo uma gestão privada saberiam gerir melhor.

Mas o que é escandaloso é estes sectores insistirem no seu fundamentalismo com a burka neoliberal, quando há poucos anos atrás assistimos à derrocada de diversas multinacionais e grandes consórcios bancários, reveladores do fracasso da gestão privada. É igualmente escandaloso que virem os seus apetites para os serviços públicos de saúde quando o nosso SNS está entre os melhores sistemas de saúde a nível mundial e quando é o próprio director –geral da OMS a afirmá-lo de forma eloquente.

Apesar das insuficiências e limitações do nosso SNS, que se tornam mais perceptíveis porque se trata de um serviço público que presta serviços todas as horas de cada dia e todos os dias de cada ano, aquilo que está em causa é sua redinamização e adequação às novas exigências, defendendo-o de quem quer apropriar-se dos dinheiros públicos para aumentar os lucros dos seus accionistas.

Perante a dimensão da ofensiva contra o SNS, importa agregar amplos apoios e vontades que impeçam a destruição da maior conquista política, social e humana da nossa Democracia.

Mário Jorge Neves, médico, dirigente sindical
13/10/2018

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Morreu o Capitão de Abril, Coronel Diamantino Gertrudes



Morreu o Capitão de Abril,
Coronel Diamantino Gertrudes
  
Morreu o meu grande amigo Diamantino Gertrudes, um dos valorosos capitães de Abril.

Sublinho aqui as suas grandes qualidades morais e a sua nobreza e integridade de carácter, assim como a amizade que nos uniu, desde os tempos do liceu de Lamego e do liceu de Viseu, além de destacar as virtualidades da sua obra literária, que, como romancista, evidenciou.

Nos tempos actuais, uniu-nos também a cumplicidade da mesma identidade ideológica.

Vou recordá-lo sempre com muita saudade.

O então capitão Diamantino Gertrudes, que comandou, na redentora madrugada de 25 de Abril de 1974, uma coluna militar, e que partiu do quartel de Viseu (RI14) com destino a Lisboa. libertou, pelo caminho, os presos políticos do Forte de Peniche, ao mesmo tempo que encarcerou os respectivos guardas prisionais.
Alexandre de Castro
2018 10 12

***«»***
Deixo também aqui o texto necrológio do amigo comum, Joaquim Pereira Silva, em cujo site li a dolorosa notícia e de onde retirei o vídeo com a entrevista do Diamantino (coronel de Infantaria reformado):

"Para que a memória se não apague.
Faleceu hoje o meu grande amigo, Coronel Diamantino Gertrudes da Silva, capitão de Abril.
Pela sua verticalidade, coerência e honestidade intelectual, merece toda a minha gratidão.
Sinto-me honrado pela amizade que sempre me dedicou".

domingo, 7 de outubro de 2018

A mancha especulativa no arrendamento de habitação alastra em Lisboa



A mancha especulativa no arrendamento de habitação alastra em Lisboa

Os agentes das grandes agências imobiliárias, nacionais e estrangeiras, descobriram um lucrativo nicho no mercado da habitação, e querem (a bem da Nação) transformar Lisboa numa cidade internacional, habitada por reformados ricos de outras nacionalidades. Os predadores iniciaram a sua acção, há uns seis anos atrás, mediando a compre e venda dos palacetes históricos, depois, assaltaram de surpresa, sem dó nem piedade, os bairros históricos da cidade, provocando, com os despejos ocorridos, uma autêntica razia entre a população idosa e pobre, que foi varrida do mapa, com indemnizações miseráveis. E, agora, já começaram a espalhar a mancha especulativa pela avenida Almirante Reis, Areeiro e bairro de Alvalade, o que já está a inflacionar os valores das rendas, valores esses impossíveis de suportar pela classe média.

Este é o resultado da legislação da Assunção Cristas, do governo da "troika", que, na sua acção legislativa, eliminou direitos, que protegiam os arrendatários idosos, e que, só agora, o governo PS, empurrado pelo PCP e BE, minorou em parte, pois ainda ficaram algumas pontas soltas na nova legislação, às quais os especuladores vão agarrar-se, para continuar a sua acção predadora e desumana.  

Alexandre de Castro
2018 10 07

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Rastos do Tempo / Traces of the time


Este é o mundo daquela parte do Portugal Desconhecido. Mas que ainda existe para nos agredir a memória…
Alexandre de Castro

Fotos de Armando Jorge
Música e edição de Chico Gouveia

Ver aqui

terça-feira, 11 de setembro de 2018

A nova direcção do PSD assume como eixo programático a destruição do SNS - por Mário Jorge Neves (médico)


A nova direcção do PSD assume como eixo programático a destruição do SNS


A divulgação, em meados do passado mês de Agosto, de uma notícia em diversos órgãos de comunicação social sobre a elaboração de um documento relativo à política da saúde para o nosso país, a nível do Partido Social Democrata (PSD), por um designado “ Conselho Estratégico Nacional” , veio tornar claro que o sector existente nesta organização partidária que sempre se assumiu como inimigo do direito constitucional à saúde e do seu instrumento operacional, o Serviço Nacional de Saúde  (SNS), voltou a dispor da supremacia político- ideológica, assumindo como objectivo inequívoco a privatização e desintegração deste nuclear serviço público.
Essas notícias não divulgaram o conteúdo desse documento, mas as referências expressas aos seus princípios orientadores não podem deixar lugar a dúvidas quanto à sua perspectiva de proceder à liquidação do SNS e à parasitação dos dinheiros públicos.
Quando é afirmado que um desses princípios é “a liberdade de escolha entre o público e o privado”, é sempre escamoteado quem paga.
A liberdade de escolha serve para ser o Estado a pagar às entidades privadas.
Vejamos o que está a acontecer com a ADSE e os seus pagamentos a várias entidades privadas!!!
Em todos os países que sofreram amplos processos de privatização com a consequente destruição progressiva dos serviços públicos de saúde, essa liberdade de escolha foi repetida à exaustão.
Os casos dos Estados Unidos e da Inglaterra são exemplos muito elucidativos desses processos privatizadores.
Esta clara incompatibilidade desses sectores do PSD com o SNS já se tinha manifestado  quando da votação na Assembleia da República, em 1979, da Lei do SNS.

A direita votou em bloco contra esta Lei: os deputados do PSD, do CDS/PP e do grupo de deputados social-democratas independentes resultante de uma cisão partidária.

Mal a obra do SNS tinha começado e já estava confrontada com tentativas de a embargar.

Em 1982, um governo presidido por Pinto Balsemão desencadeou a primeira tentativa de destruição do SNS através do DL nº 254/82.
A pretexto de transformar as administrações distritais de saúde em administrações regionais de saúde, esse decreto-lei revogou 46 artigos da Lei de Bases do SNS.


Em 1984, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão nº 39/84, declarou inconstitucional o DL nº 254/82.

Com o actual documento do referido conselho estratégico do PSD, basta ter em conta quem é a pessoa nomeada pela actual direcção partidária para a coordenação da política de saúde: Luís Filipe Pereira.

Este cidadão, trabalhando para um grupo económico privado que tem negócios com o Estado a nível do sector da saúde, foi nomeado ministro da saúde dos governos presididos por Durão Barroso e Santana Lopes.

Toda a sua acção ministerial mostrou um ódio encarniçado ao SNS e ao direito constitucional à saúde .

Criou os Hospitais SA (sociedades anónimas) numa medida descarada para determinar, logo de seguida, a privatização dos hospitais públicos, publicou um decreto-lei que visava a integral privatização dos Centros de Saúde e estabeleceu medidas de implementação das actuais Parcerias Público- Privadas.

É um currículo esclarecedor !!!

Ao longo dos anos, o PSD dispôs de diversas figuras que mostraram ter um claro entendimento da importância social e humana do SNS, nomeadamente o Dr Albino Aroso e o Dr Paulo Mendo que desenvolveram um importante trabalho ministerial na estruturação dos serviços públicos de saúde.

Mas o sector que, pelos vistos, volta a emergir na actual direcção do PSD, assume como objectivo central a liquidação do SNS.

Quem tem dinheiro paga, quem não tem fica abandonado à evolução natural da doença.

É esta a lógica de tais filosofias privatizadoras

Apesar dos múltiplos problemas e de expectativas pessoais não satisfeitas, mas que são inevitáveis em serviços públicos tão delicados e sensíveis com a Saúde, o nosso SNS tem sido objecto de amplo reconhecimento internacional que o colocam entre os melhores desempenhos.

Desde a Organização Mundial de Saúde (OMS) à OCDE, todos têm elogiado os indicadores de desempenho do nosso SNS.

Ainda em meados do ano passado, uma revista americana que se publica simultaneamente em vários países dos diferentes continentes, a “The International Business Times”, dedicou ao nosso país vários artigos devido ao SNS, considerando-o um dos 5 principais países com alta qualidade dos seus cuidados de saúde e destacando o actual indicador da mortalidade infantil como um dado de enorme relevância.
Por outro lado, esses artigos referiam que o nosso SNS nos colocava como o 9º melhor sistema de saúde da Europa e o 12º a nível mundial.

Ora, é este serviço público que alguns se preparam para liquidar !!
Mário Jorge Neves
                 Médico
7 /9 /2018
Ver aqui

domingo, 9 de setembro de 2018



O pastor de lobos

Homo homini lupus [O homem é
o lobo do homem – locução latina]


A história de Bento XVI só pode ser compreendida quando se analisam os papéis desempenhados pelos personagens que estiveram ao lado dele, como o arcebispo alemão Georg Gänswein, o “bello Georg”, prefeito da Casa Pontifícia, o mordomo Paolleto Gabriele, o monsenhor Carlo Maria Viganò, ex-governador do Vaticano, e o cardeal Tarcísio Bertone, secretário de Estado do Vaticano. O pastor de Cristo alimentou com as próprias mãos os lobos que o cercavam e viu-se, ao final, devorado por seus próprios lobos.
A análise é de Francisco Carlos Teixeira, da UFRJ

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O mundo foi apanhado de surpresa com o anúncio, em latim, da renúncia de Joseph Ratzinger, Bento XVI, ao pontificado, no último dia 11/02/2013. Alguns ditos especialistas, logo chamados de “vaticanólogos”, apoiados por bispos e cardeais – inclusive aqui no Brasil – correram a declarar que “sinais” – uma expressão bem apocalíptica – já vinham sido dados por Bento XVI. Tratava-se de salvar a face ante um fato de arbítrio absoluto e sem consulta ao corpo da Igreja, inédito desde o final da Idade Média. Ocorre que o “L´Osservatore Romano” – o órgão oficial da Igreja Católica –, na sua edição dedicada à renúncia papal, declarou-se “surpreendido” e o ato papal foi considerado pelo jornal oficial como “desconcertante”. Pouco antes o mesmo jornal declarara – em razão dos escândalos oriundos do Vaticano –, de forma compungida, que o Papa estava cercado de lobos. Quem eram os lobos?

Um passado ardente

A eleição de Bento XVI em 2005 criou, desde logo, uma grande polémica, em especial pela veiculação mundial das fotos de Ratzinger em uniforme da Juventude Hitleriana (Hitlerjugen/HJ), durante o Terceiro Reich. A própria Igreja, e a sua ala conservadora, apressaram-se em justificar a “adesão nazi” do Papa através de dois argumentos de peso. Em primeiro lugar, Ratzinger tinha, então, 14 anos de idade. Acusar alguém, 60 anos depois, de uma escolha feita aos catorze anos é ilógico e, no limite, cruel. Muitos homens de direita, mesmo fascistas, arrependeram-se e foram, daí em diante, homens dignos. No Brasil mesmo, o vanguardista Dom Hélder Câmara foi um militante integralista na sua juventude, antes de assumir, de coração fraterno, a Teologia da Libertação. Logo, condenar o adolescente “Joseph” para atingir o Papa Ratzinger não seria justo. Outro argumento reside na obrigatoriedade de todos os jovens, entre 14 e 18 anos, de pertencerem a Juventude Hitleriana – “Hitlerjugend”.

De fato, em 1936, Hitler ordenou a integração de todas as organizações juvenis, incluindo as “juventudes” católicas e evangélicas, ao “Hitlerjugendbund”. Houve reação e muitos jovens se recusaram, com grande risco pessoal. Daí a publicação de um novo decreto – o “Jugenddienstpflicht” ou Serviço Obrigatório dos Jovens, em 1939 –, já em clima de pré-guerra. Ratzinger pertenceu a “Hitlerjugend” desde 1941, passando para a Wehrmacht, as forças armadas, em 1943. Havia opção? A resposta não é absoluta. Isso depende, é pessoal e julgar é difícil e pode ocorrer grave injustiça. Cerca de 10% dos jovens alemães recusaram aderir a HJ, apresentando razões morais, religiosas ou mesmo físicas. Na Baviera, onde Ratzinger vivia, este número chegou a 20% dos jovens – muitos católicos não aceitaram o “catolicismo Ariano” (ou Positivo) proposto por Hitler.

Em especial na Baviera, profundamente católica, a oposição passiva de católicos foi bastante grande. A ordem de assassinato de doentes mentais – considerados um “peso morto” para a raça ariana – provocou, em especial, protestos explícitos do clero católico. A “Aktion T4”, como era chamada o programa de eliminação de doentes mentais e de deficientes físicos, chegou até a família Ratzinger quando um primo de Joseph, portador da Síndrome de Down – um entre as 70 mil vítimas -, foi morto por ordem do Estado nazi. Mesmo assim a família Ratzinger calou-se. O bispo de Munster, Clemens Von Galen, no entanto, protestou corajosamente contra os assassinatos, inclusive lendo homilias que denunciavam o horror do regime nazi (Von Galen foi, significativamente, beatificado por Bento XVI em 2006). A partir de 1941 vários mosteiros foram atacados e destruídos por nazis. Era a acção “Klosterstum”, ordenada por Heinrich Himmler, líder das SS – foi o mesmo ano que Joseph ingressou na Juventude Hitleriana. Foi neste mesma Baviera que jovens, muitos jovens, organizaram uma ampla rede de resistência denominada “A Rosa Branca” - Die Weisse Rose” -, que culminaria na decapitação Sophie (1921-1943) e Hans Scholl (1918-1943), irmãos, cristãos e resistentes por ordem de um tribunal nazi.

Muitos outros mantiveram uma postura discreta, mas sempre que possível sabotavam, descumpriam ou ignoravam as ordens do regime, inclusive acolhendo e protegendo judeus e outras vítimas do regime. Mas, estas são opções de fórum íntimo, pertencem a cada um. A maioria dos jovens aceitava a convocação para a Wehrmacht, posto que a recusa fosse crime de deserção, mas recusaram a HJ e a SS, procurando na Wehrmacht uma saída “nacional” e não partidária. A Wehrmacht, que também cometeu terríveis atrocidades, era a força militar nacional; já a HJ e as SS (e antes as SA) representavam o regime e o seu terror. Ratzinger aceitou a ordem de adesão a HJ. Aqueles que recusam perdiam o direito a estudar, frequentar clubes ou associações esportivas ou culturais e eram, frequentemente, hostilizados na escola. Ratzinger conseguiu a sua matrícula e prosseguiu em seus estudos, mesmo num tempo de martirização da Igreja. Que Hitler era incompatível com a fraternidade cristã é óbvio.

Cristãos como Martin Niemöller, e centenas de padres franceses e holandeses foram exterminados em KZ por protegerem judeus e até comunistas. Outros pagaram com a vida e a liberdade a denúncia do nazismo como inumano como o Padre Bernhard Lichtenberg, preso em 1941 e morto em Dachau neste mesmo ano de 1943. Mas, “Joseph” tinha, então, 14 anos! Estamos frente uma questão difícil e não creio que possamos, aqui, fazer juízos de valor sem viver sob as mesmas condições que informaram as decisões de Joseph. Nós, no Brasil, vivemos uma ditadura recente. Como vivemos então? Quantos fizeram serviço militar? Quantos fingiram não ver o que se passava... Quantos aplaudiram o “Milagre Econômico”? Quantos políticos e ministros da Ditadura – que não eram adolescentes de 14 anos! - estão hoje no Congresso Nacional?

Julgando ações e palavras

Podemos, contudo, fazer um juízo, claro e inequívoco, sobre o Papa Ratzinger, suas ações e suas palavras. Claro que é um conservador, contrário a adoção, por exemplo, de medidas singularmente importantes, como o uso da chamada “camisinha” em áreas devastadas pela AIDS da África. Mas Dom Eugênio Salles, ou Winston Churchill, também eram conservadores e foram grandes democratas. A questão central sobre o Papa, mais uma vez, é outra: quais suas simpatias políticas e como encarou o Regime Hitleriano? Do jovem Joseph não temos material, cartas ou testemunhos, para afirmar com certeza suas simpatias ou antipatias. Contudo, quando o Papa Ratzinger visitou o Campo de Extermínio de Auschwitz, em 2006, insistiu, de público, numa tese amplamente desacredita pela moderna historiografia sobre o nazismo. Na ocasião, o Papa proclamou, em face de sobreviventes, que o Holocausto “... foi resultado da acção de um grupo de criminosos que abusaram do povo alemão para se servir dele...”

Essa versão da História é inaceitável, em especial para um homem com a formação intelectual de Ratzinger. Os alemães apoiaram, votaram, participaram, foram para as ruas e delataram em massa seus concidadãos judeus ou não, oponentes políticos, ciganos, gays e cristãos, como as Testemunhas de Jeová (que se recusaram a dizer “Heil, Hitler!” – “heil”, salve em alemão, só poderia ser usado para com Deus). Igualar os alemães como as suas vítimas é uma ofensa e talvez encubra o próprio desejo de se autodesculpar. Ratzinger foi além: declarou que os alemães foram, eles também, vítimas de Hitler. Assim, tornava-se fácil lançar toda a culpa num pequeno punhado de homens e desculpar as multidões que apoiaram e lucraram com o nazismo e a perseguição dos judeus.

Em especial Ratzinger ofendeu milhões de vítimas do Holocausto ao afirmar que a freira Edith Stein foi uma vítima cristã e alemã dos nazis. Ora, Edith Stein era uma judia, nascida na Alemanha, convertida ao cristianismo e que, entretanto, mesmo sendo freira, foi morta pelos nazis. Posto está que a “irmã” Edith não foi morta por ter nascido na Alemanha ou por ser uma religiosa cristã: ela foi morta, em 1942, no campo de Auschwitz, por ser judia! Ao enfatizar a sua escolha “cristã”.

A irrelevância do Holocausto para Bento XVI tornar-se-ia obvio três anos mais tarde, em 2009, quando, por decisão pessoal, o papa alemão suspendeu a excomunhão do bispo inglês Richard Williamson, que defendeu publicamente a inexistência da matança em massa de judeus e oponentes do Terceiro Reich. João Paulo II – um polonês que sofreu a ocupação alemã –, em face do escândalo mundial da negação do Holocausto e das afirmações do bispo sobre a veracidade dos chamados “Protocolos dos Sábios de Sião”, excomungou o bispo, impedindo a sua pregação, mas Bento XVI o perdoou-o e reintegrou-o na Santa Madre Igreja. É sobre este Ratzinger, e não sobre o menino “Joseph”, que cabem julgamentos morais. Neste caso, Ratzinger trouxe os lobos para o seu convívio.

De teólogo a senhor dos dogmas

Joseph Ratzinger foi, ou é (não se sabe bem se ele continuará a usar o titulo papal ou apenas o tratamento de bispo emérito), o sétimo papa de origem alemã (há alguma controvérsia aqui) e o primeiro Papa, depois de séculos, a ter a sua origem na Sagrada Congregação Para a Fé – a antiga “Santa Inquisição” –, o organismo da Igreja Católica responsável pela manutenção da ortodoxia dos dogmas do catolicismo e, nos séculos XVI e XVII, por milhares de condenações cruéis de dissidentes cristãos e de judeus, mortos em milhares de fogueiras.

A função central da Congregação é a defesa intransigente dos dogmas da Igreja. A maior parte destes tem a sua origem na luta contra o Protestantismo – considerado como heresia – conforme o Concílio de Trento (entre 1545 e 1563). Mais tarde, no século XIX, quando a Igreja foi confrontada com a ascensão do Liberalismo e dos Socialismos, e mais importante de tudo, com a luta contra a emergência do Estado Nacional Italiano (que expropriou as terras da Igreja e reduziu os territórios do papa à cidade-estado do Vaticano), em 1870.

A resposta do Vaticano foi, então, cabal, com a proclamação, durante o Concílio Vaticano I, em 1870, da Constituição Papal “Pastor Aeternus”, o dogma da “Infalibilidade” papal. Tratava-se de colocar, em questões de fé e de moral, a palavra do papa como verdade absoluta, inquestionável. Da mesma forma, como as palavras sacramentais se realizam pela força da sua verdade mística.

Ratzinger, na direção da Sagrada Congregação Para a Fé, foi um defensor ferrenho de tais dogmas, em especial do conceito de verdade como a própria natureza dos sacramentos, como o batismo, que realiza por si só, o que as palavras pronunciadas pelo sacerdote prometem. Vários teólogos, como Leonardo Boff, por sua vez, asseguram que todas as palavras ditas com amor e fraternidade – inclusive “eu te amo” – possuem o mesmo valor sacramental daquelas pronunciadas por ofício sacerdotal. Neste caso, o amor e a fraternidade possuiriam a força do sacramento. Leonardo Boff, ex-aluno de Ratzinger, foi condenado, então, pelo seu ex-professor ao silêncio “obsequioso” – um basta ao debate no seio da Igreja!

 A carreira como guardião do conservadorismo

Desde 1981 até à sua eleição, em 2005, Ratzinger exerceu com vigor, e grande conservadorismo, a direção da Sagrada Congregação Para a Fé, de onde desenvolveu, por exemplo, uma acção constante e consistente contra os representantes da Teologia da Libertação e o clero progressista, ou simplesmente humanista e preocupado com as condições imperiosas de homens e mulheres “viverem também no mundo”. Temas como a “fuga” de sacerdotes e de fiéis, o papel dos leigos e das mulheres na condução da Igreja, o celibato dos sacerdotes, as relações com os avanços da ciência e, em especial, o surto de pedofilia que abalou os católicos foram tratados com menor atenção ou, mesmo, desprezo.

Na sua acção como condutor da Congregação Para a Fé, o cardeal Ratzinger voltou-se contra nomes renomados do “aggiornamento” da Igreja, teólogos que procuravam – ante os desafios que afligem a Igreja pós-conciliar (Concílio Vaticano II, 1962-65) – como o Padre Ernesto Cardenal (1925), da Nicarágua, Hans Kung (1928), teólogo alemão que criticava duramente o dogma da Infalibilidade Papal e o monopólio da Cúria Romana sobre o conjunto da Igreja Católica e, ainda, Leonardo Boff (1938), teólogo brasileiro, defensor de uma intensa abertura da Igreja para que fiéis, laicos ou consagrados assumam maiores responsabilidades na condução da Igreja. Em todos estes casos, coube a Ratzinger – mesmo a duríssima e pública advertência de João Paulo II contra o Padre Cardenal na Nicarágua – a condução dos dossiês de condenação.

Cabe destacar que uma das acusações básicas da Sagrada Congregação da Fé contra os teólogos progressistas era imiscuir-se com a política, com a gestão do Reino deste mundo, abandonando ou prejudicando a Igreja e a sua dimensão mística. Ora, Ratzinger, impelindo João Paulo II, condenava de forma acerba a acção política de religiosos, como do Padre Cardenal em 1983 (suspenso “Ad Divinis” em 1985). Mas Ratzinger e Woityla calaram-se, agindo no silêncio e colaborando com o governo de Ronald Reagan nas suas ações clandestinas destinadas a desestabilizar os regimes comunistas na Europa Oriental, em especial na Polônia. Ou, ainda, paralisar o apoio das comunidades eclesiais de base aos movimentos antiditatoriais na América Latina, onde milhares de pessoas eram presas e torturadas, inclusive religiosos.

 A cegueira em face dos direitos humanos

Na verdade, a Igreja de Ratzinger calou-se sobre a brutal ditadura argentina, sobre a tortura, os sequestros de bebés e os voos da morte – o que explica o desprezo de Cristina Kirchner para com o clero do seu país. O mesmo Vaticano não só se calou no massacre de opositores durante a ditadura Pinochet, como ainda – em 05/04/1999 – o Cardeal Jorge Medina (1926), chileno, amigo de Ratzinger, pediu, em sigilo, ao governo britânico, em nome do Vaticano, a libertação, por “motivos humanitários”, de Augusto Pinochet, então preso em Londres. Coube a Medina, Prefeito da Congregação do Culto Divino no Vaticano, anunciar em 2005 o “Habemus Papa” que entronizava Ratzinger como Bento XVI. Medina foi, ainda, o reitor da PUC de Santiago por pedido pessoal de Pinochet, que o considerava mais adequado para controlar o movimento estudantil chileno. Tratava-se de substituir no cargo, de forma excêntrica, o cardeal Raul Silva Henriquez, considerado pelo almirante Jorge Sweet Madge como defensor dos Direitos Humanos. Desta forma, Medina ascendeu na hierarquia chilena, tornou-se amigo de Ratzinger e foi o seu principal eleitor em 2005.

Em suma, a Sagrada Congregação Para a Fé mostrou-se, sob o domínio de Ratzinger, cega do “olho esquerdo”, participando e dirigindo ativamente toda acção contra a Teologia Progressista e mesmo contra os movimentos sociais no mundo. Outro amigo e correligionário de Ratzinger, e que faz rápida carreira no Vaticano, é o cardeal de Lima, Juan Luis Cipriani (1943), figura chave na eleição do papa alemão. Cipriani, bispo de Ayacucho no Peru, foi acusado, por inúmeras organizações de direitos humanos, de negar auxílio às vítimas da guerra contra o Sendero Luminoso. Mesmo figuras moderadas, como Mario Vargas Llosa, acusaram Cipriani, duramente, de ocultar os crimes da Era Fujimori e de acusar os parentes das vítimas do Massacre de La Cantuta de “traição à fraternidade” por exigirem a punição dos militares responsáveis pela morte de um professor e nove estudantes universitários em 1992.

Cipriani, que jamais falou sobre os escândalos de pedofilia na Igreja, impediu a organização de um grupo de estudantes gays da Universidade Pontifícia Católica e, por fim, declarou as organizações de luta pelos direitos humanos como “esa cojudez [essa loucura]”, numa linguagem muito pouco canónica. Foi neste ambiente, povoado de lobos em hábitos negros, no interior da burocracia do Vaticano, que Ratzinger construiu o seu caminho para o papado.

Um papa traído?

Os média internacionais, principalmente aqueles que são informados pela hierarquia católica, procurou, após a perplexidade inicial, atribuir ao estado de saúde debilitado de Ratzinger as razões da renúncia. Ora, tal motivação deu origem, de imediato, a dois questionamentos: de um lado, Ratzinger sempre se declarou contrário ao instituto da renúncia de membros da hierarquia. Assim, aconselhou João Paulo II a não aceitar a renúncia do chamado Papa Negro, Peter Hans Kelvebach, superior da Ordem dos Jesuítas, reafirmando, mesmo no severo e doloroso estado de saúde do jesuíta, que o cargo era uma “prova divina” (Kelvebach ficou no cargo até à sua inaptidão em 2008). Da mesma forma, Ratzinger se opôs a incorporação do instituto da renúncia nas Ordenações Jesuíticas (datada de 1540). Ele mesmo insistiu que João Paulo II, dolorosamente enfermo, se mantivesse no cargo. Tudo isso gerou o comentário ácido – “não desce nunca da Cruz” – do cardeal Stanislaw Dziwiz, secretário de João Paulo II.

Por outro lado, constatou-se, em especial depois da última missa do Papa, celebrada em 14/02/2013, que Ratzinger não aludiu à sua saúde como causa básica da renúncia. Bem ao contrário, fez um sermão político, inédito e duro: criticou os “hipócritas” na Igreja, as cisões internas e “aqueles que desfiguram o rosto da Igreja”. Frente a tantos desafios, o papa mostrou-se incapaz de controlar e varrer, nas suas próprias palavras, “o lixo” que se acumula na Sede Santa. Ora, quem são os “hipócritas” e qual é o lixo?

Como Ratzinger (até o momento, final de fevereiro de 2013) não nomeou os seus traidores, o clero externo aos meandros e nichos recônditos do Vaticano, bem como os milhões de fiéis, ficaram sem saber a quem o papa condenava. Claro, os média, ainda uma vez, voltou para o amplo escândalo, que em 2012 abalou o Vaticano.

 O VatiLeaks

O escândalo, iniciado pela publicação do livro do jornalista Gianluigi Nuzzi - “Sua Santidade, as cartas secretas”, 2012 - mostrava, à luz do dia, uma intensa e mortal luta pelo poder no interior do Vaticano. O Papa, considerado um “intelectual”, absorto em seus estudos e na sua música (é um amante apaixonado de Mozart), conservador e antimodernista, deveria ficar isolado, longe da administração e da política cotidiano da Igreja. Estas “atribuições” ficariam centralizadas nas mãos do poderoso cardeal Tarcísio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, um produto típico da burocracia romana. As grandes questões, como as nomeações para a hierarquia, as finanças e a previsível e próxima sucessão deveriam estar longe do gabinete do Papa. É neste contexto que surgem duas questões: de um lado, Nuzzi utilizou-se de documentos verdadeiros, autênticos e, sem dúvida, sigilosos. Como tais documentos chegaram ao jornalista? De outro lado, qual a razão do vazamento?

Desde logo o gabinete do Papa, a sua falada “Família Pontificial”, estava no centro do vazamento. Havia traição. Esta “família” reunia, e ainda reúne, uma gama heterogênea e estranha de pessoas. Estranha até para a tradição do Vaticano. Dois homens eram o núcleo central das relações do Papa com o mundo: de um lado, Paolo Gabriele, mordomo do Papa, com acesso direto a todos os aposentos e documentos do Papa. Paolo, ou “Paoletto”, mesmo depois de preso (a partir de maio de 2012) sempre protestou lealdade e amizade, e mesmo carinho filial, ao Papa. O outro homem forte, desde os tempos que Ratzinger era cardeal de Munique, era o alemão Georg Gänswein, ordenado padre em 1984, depois de ser cozinheiro e professor de ski nos Alpes, com uma vida amorosa pré-hábito conhecida. Gänswein tornou-se, entretanto, o braço direito do Papa. Jovem (nascido em 1956) entre anciões, é chamado, na Cúria, de “Il bello George” e foi a inspiração de Donattela Versace para a sua coleção de moda de 2007.

A estes se uniam quatro irmãs e leigas, consagradas, que cuidam dos serviços pessoais do Papa. Gabriele e Gänswein eram amigos e conviviam diariamente com o Papa. Gänswein vivia – e acompanhará o Papa para o seu retiro depois de 28/02/2013 – no Vaticano, enquanto Gabriele residia na Via Porta Angelica, no próprio Vaticano, a uma caminhada dos aposentos do Papa.

Um ‘palheiro insondável de escândalos’

Ora, por que Gabriele traiu? E, o que é fundamental, o que foi a traição? Durante o julgamento do mordomo papal, este insistiu, e de forma desconcertante, de que não traiu. De fato copiou cartas e relatórios secretos desde 2010, mas o fez para proteger o próprio Papa. Na verdade, em acordo com Gänswein, teriam entendido que o papa estava isolado das decisões e do “lixo” que inundava o Vaticano. A burocracia comandada por Tarcisio Bertone, o cardeal secretário de Estado do Vaticano, conseguira criar uma muralha burocrática capaz de esconder uma gestão, desde há muito tempo, absolutamente corrupta.

Os pontos principais, o conteúdo dos documentos, não foram questionados no tribunal, e nem o próprio Gabriele quis falar. O julgamento centrou-se no conceito de “roubo” e “invasão de privacidade”, e o conteúdo dos documentos, por isso mesmo, não seria revelado. Contudo, na casa da Via Porta Angelica foram encontradas 82 caixas de documentos pessoais do Papa – além de uma pepita de ouro, uma edição histórica e valiosa da “Eneida”, de 1581, e um cheque de 100 mil euros dados ao Papa pela Universidad Catolica de Santo Antonio de Murcia (Espanha), em Cuba. Não só Paolo Gabriele roubou os documentos, como também quis garantias de ter meios financeiros para sobreviver a uma crise no Vaticano.

Gabriele foi o único acusado; a “Família Pontificial”, e em especial o “bello Georg Gänswein”, com as suas quatro leigas consagradas, foi poupado. O mordomo manteve-se em silêncio, pediu perdão e reafirmou a lealdade ao Papa. Enquanto isso, Tarcisio Bertone, numa declaração insólita, declarou-se atento para que o réu, a promotoria e o próprio tribunal não “criassem condições lesivas ao vaticano” (El País, 09/06/2012). Soava como uma ameaça. Era uma ameaça negociada – logo após a condenação Paolo Gabriele foi perdoado pelo Papa e colocado em liberdade. Manteve o seu silêncio. No início de janeiro de 2013, já tomada a decisão da renúncia, o Papa nomeou Georg Gänswein arcebispo e secretário prefeito da Casa Pontifícia. Tratava-se, agora, de blindar o “bello Georg” contra qualquer vingança da Cúria, em especial após a sua renúncia.

O “lixo” do Vaticano

Paolleto Gabriele, o mordomo, um leigo – sem a proteção dos títulos eclesiástico e o único condenado – causou lágrimas ao Papa. Ambos eram verdadeiramente amigos. Por que então traiu o Papa? Ou não foi traição... O vazamento, feito através do livro de Nuzzi, teria sido a última cartada da “Família Pontificial” para romper o bloqueio em torno do Papa e criar dificuldades contra o todo-poderoso Tarcisio Bertone e os demais cardeais da Cúria. O papa, com certeza, não sabia da conspiração elaborada ao seu favor, que provocaria a ira dos cardeais da Cúria e a exigência de punição da “Família”. Ratzinger pode salvar Gänswein, mas entregou Paolleto, como antes entregara um outro amigo: o chamado “banqueiro do Papa”.

Qual o conteúdo, tão terrível, dos arquivos de Paolo Gabriele e que poderiam abalar o poder da burocracia da Cúria? Os dossiês, que o próprio Papa chamou de “lixo do Vaticano”, derramavam-se sobre temas obscuros e, mesmo, assustadores. Em primeiro lugar uma terrível história, velha de 30 anos: o desaparecimento da menina Emanuela Orlandi, de 15 anos, em 1983. Emanuela, uma bela adolescente, era filha de um funcionário da Casa Pontifícia. A menina desapareceu no próprio Vaticano e o seu pai teria tido acesso, pouco antes, a documentos que comprovavam que o chefe da máfia, Enrico de Pedis, possuía contas e fazia lavagem de dinheiro através do Banco Ambrosiano, que cuidava das finanças do Vaticano. Contudo, há outras versões, ainda mais apavorantes. Uma grande “coincidência”, além de Gänswein ter assumido a Casa Pontifícia, com acesso aos seus arquivos, é o fato de que o mordomo Gabriele residia, até à sua prisão, na mesma casa da Via Porta Angelica onde residira a família de Emanuela Orlandi. O mafioso De Pedis foi enterrado, com missa solene, na Basílica de Santo Ambrosio, ao lado de papas e cardeais.

 As finanças do Vaticano

Em 2012, monsenhor Carlo Maria Viganò, nomeado em 2009 como Governador do Vaticano, por decisão pessoal de Bento XVI foi encarregado de fazer uma “limpeza” nas finanças do Papado. Tratava-se de moralizar licitações, compras, o destino de alugueis e de rendas devidas à Igreja. Aos poucos Viganò viu-se num emaranhado de interesses e de ocultamentos que invariavelmente levavam a Tarcisio Bertone e alguns dos cardiais controladores da Cúria, que acusaram Viganò de incompetência e, mesmo, de corrupção. O Papa acaba por ceder às pressões da Cúria e, em 2011, “exila” Vinganò, nomeando-o núncio apostólico em Washington, o que o priva de qualquer ingerência nos negócios papais. Duas cartas do Monsenhor são publicadas, confirmando as acusações de corrupção.

O caso Viganò abre caminho para um escândalo ainda mais grave, agora envolvendo Ettore Gotti Tedeschi, um ex-presidente do Santander Comsumer Bank e católico praticante, membro da ultraconservadora Opus Dei, nomeado, como homem de confiança do papa, como presidente do IOR/Instituto de Obras Religiosas, o nome do Banco do Vaticano. No esforço de colocar em dia as finanças do Vaticano – pressionado pela Lei 231/2007, da Itália, obrigando à observação das regras da União Europeia contra lavagem de dinheiro – faz com que o banqueiro exija das autoridades da Cúria a revelação dos titulares de centenas de contas secretas, numeradas, que se serviam do banco do Vaticano para entrar no sistema bancário internacional. A descoberta de Tedeschi é assustadora: um número relevante de contas pertencia a Máfia italiana, incluindo aí Matteo Messina Denara, o chefe da Cosa Nostra na Sicília. Outras contas eram de políticos italianos – cujos nomes não foram revelados – e de celebridades que procuravam fugir aos impostos. Algumas eram de religiosos, que não podiam, com certeza, explicar a origem dos recursos postos em suas contas.

Mais uma vez Tarcisio Bertone estava por trás da oposição ao “banqueiro do Papa”. Com um passivo pesado, envolvendo mortes e prisões em torno das finanças papais (como no Caso Ambrosiano), Tedeschi procurou garantir a sua segurança. Coletou dezenas de documentos, cartas e e-mails envolvendo políticos italianos, empresários e mafiosos com as finanças da Cúria Romana, num total de 47 detalhados arquivos. Os documentos de Tedeschi comprovaram umas amplas e longevas operações de lavagem de dinheiro no interior do Vaticano.

Oficialmente o Vaticano reagiu com “perplexidade e assombro”, negando conhecer quaisquer contas secretas. Em seguida, no seu melhor estilo, o cardeal Bertone declarou as acusações de Tedeschi produto de uma conspiração “judaico-maçônica”, como se ainda vivêssemos no regime de Salazar ou Franco. Bertone, em seguida, abriu uma ampla frente de ataque contra Tedeschi, indo de um diagnóstico de desequilíbrio mental até ser, o próprio Tedeschi, o mentor de toda a corrupção. O banqueiro do Papa foi, então, demitido por “incompetência”.

Somente em 15/02/2013 o Papa, em um dos seus últimos atos, nomearia o financista alemão Ernst Von Freyberg, um administrador de um estaleiro que produz navios de guerra, para substituir Tedeschi. As autoridades italianas, envolvidas através de contas secretas de financiamento dos partidos políticos e dos próprios políticos calaram-se. Bertone continuou falando pelo Papa, que qualificou, em entrevista, como ” (...) um homem manso que não se deixa intimidar”. Por ironia, será o cardeal Bertone, nascido em 1934, um salesiano com uma carreira típica da Cúria Romana, nomeado secretário de Estado do Vaticano por Bento XVI, em 2006, e o atual cardeal Camerlengo, que responderá pelo Vaticano a partir de 28/02/2013.

Enfim, este pastor de Cristo que alimentou com as próprias mãos os lobos que o cercavam viu-se, ao final, devorado pelos seus próprios lobos.

Francisco Carlos Teixeira*

 *Francisco Carlos Teixeira é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


** Texto enviado por email por Joaquim Pereira da Silva.

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