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terça-feira, 16 de outubro de 2018

Saúde: a gestão pública, a gestão privada e a parasitação dos dinheiros públicos - Mário Jorge Neves



Saúde: a gestão pública, a gestão privada e a parasitação dos dinheiros públicos

Durante largos anos a máquina de propaganda político-ideológica dos sectores privados e dos quadrantes partidários à direita, insistiram na cassete da superioridade da gestão privada em relação à gestão pública.

À medida que a dura realidade dos factos foi mostrando as sucessivas e catastróficas falências de grandes impérios multinacionais essa cassete perdeu vitalidade e foi procurando encontrar novas formas de propaganda mais ou menos dissimulada contra os serviços públicos de saúde sempre envoltas em abundante terminologia tecnocrática.

Aliás, estes mesmos sectores surgiram há meia dúzia de anos atrás, em plena crise económica, a apelar à nacionalização dos bancos falidos.

A última versão desta propaganda surgiu com a apresentação pública do documento estratégico para a Saúde da actual direcção do PSD ao afirmar expressamente que “... para a população nada muda, sendo indiferente para os utentes se a unidade é gerida pela iniciativa privada, pública ou social”.

Indiferente? Mas que embuste monumental !!!

Para os utentes não é indiferente porque a sua carga fiscal serviria para financiar empresas privadas parasitárias dos dinheiros públicos e assistiríamos, como noutros países, como é o caso mais gritante dos Estados Unidos, à selecção adversa dos doentes e à mera procura do lucro que iria beneficiar os accionistas das empresas a quem a gestão privada fosse entregue.

Por outro lado, a gestão pública e a gestão privada têm objectivos distintos e não misturáveis. Não se tratam de modelos assépticos nos planos político e ideológico.

A campanha política que tem envolvido maiores investimentos “publicitários” dos detractores do SNS é, como já referi, a da suposta superioridade natural da gestão privada relativamente à gestão pública.

Segundo os arautos desta campanha, a gestão pública seria sempre ruinosa, conduzia a graves desperdícios, e traduzia-se por baixos níveis de eficiência. Além disso, o Estado era sempre um mau gestor, não demonstrando capacidade para rentabilizar os recursos existentes, conduzindo a uma permanente insatisfação dos cidadãos.

Quanto à gestão privada, a sua própria natureza seria, desde logo, uma garantia de êxito e possibilitaria obter resultados muito superiores a nível do funcionamento dos serviços de saúde e da própria satisfação dos utentes. De acordo com a experiência existente em diversos países e com múltiplos estudos efectuados, mesmo no plano específico da saúde, não se verifica qualquer evidência acerca desta apregoada
superioridade.

Uma das operações teóricas e políticas mais bem sucedidas do neoliberalismo foi instaurar os debates em torno da oposição estatal / privado.

A deslocação do debate para este eixo traduz-se numa situação de favorecimento das teses neoliberais, em que o estatal é caracterizado como ineficiente, aquele que cobra impostos e desenvolve maus serviços à população, como burocrático, como corrupto, como opressor, enquanto que o privado é promovido como espaço de liberdade individual, de criação, de imaginação, de dinamismo.

Como refere o Prof. Emir Sader, a oposição estatal / privado reduz o debate a dois termos que, na realidade, não são necessariamente contraditórios, porque o estatal não é um pólo, mas um campo de disputa que, nos nossos tempos, é hegemonizado pelos interesses privados.

Quanto ao privado, ele não constitui a esfera dos indivíduos, mas representa os interesses mercantis, como se verifica nos processos de privatização, que não se traduziram em processos de desestatização em favor dos indivíduos e beneficiaram as grandes corporações privadas, as que dominam o mercado.

Dentro do próprio Estado desenvolve-se, de forma surda ou aberta, o conflito e a luta entre os que defendem os interesses públicos e os interesses mercantis, entre o que Pierre Bourdieu chamou de braços esquerdo e direito do Estado. Nesse sentido, a polarização essencial não se verifica entre o estatal e o privado, mas entre o público e o mercantil ( Emir Sader;Público Versus mercantile).

Em meados da década de 1980, o Banco Mundial (BM) publicou um documento intitulado “O financiamento dos serviços de saúde dos países em desenvolvimento: Uma agenda para a reforma”. (Frenk, J.. El financiamento como instrumento de política pública. Bol. Of. Sanit. Panam., 103(6), 1987.) Este documento colocava, entre outras, as seguintes concepções orientadoras:

Os serviços curativos só produzem benefícios privados, ou seja, benefícios ao consumidor directo do serviço e não à sociedade no seu conjunto.

Existência de um sector dominante de serviços curativos localizados no sector privado, e de um sector governamental paralelo de prevenção e tratamento básico para os pobres.

Defesa de um modelo fragmentado de prestação de cuidados.

Cobrança de taxas aos utentes dos serviços de saúde.
Desenvolvimento de seguros de saúde.

Emprego eficiente dos recursos não governamentais, (numa clara perspectiva de rápido desenvolvimento da iniciativa privada).

Apologia extrema da suposta superioridade total dos serviços privados.

Descentralização dos serviços governamentais de saúde, acompanhada da forte diminuição do volume de serviços da responsabilidade do Estado.

A doutrina ideológica neoliberal deriva deste tipo de documentos oriundos de entidades multinacionais como o BM, representando a sua designação, por si só, uma tentativa de denegrir o liberalismo e o seu significado de progresso social e político.

Enquanto nos séculos XVIII E XIX o liberalismo foi a expressão do próprio desenvolvimento do capitalismo empenhado em liquidar as excessivas tutelas e os entraves feudais, o neoliberalismo traduz-se, agora, numa acção oposta ao desenvolvimento e progresso das sociedades.

A palavra neoliberalismo passou a ser uma forma elegante de chamar aos mais conservadores o que antes era designado por retrógrado ou reaccionário e uma etiqueta com que se encobre a moderna economia de mercado.

Analisando os factos no seu respectivo contexto histórico, importa ter em conta que no século XIX o liberalismo significou a consolidação dos conceitos de liberdade e democracia, encarnando os esforços de progresso, de avanço científico e de desenvolvimento das nações.

O liberalismo opôs-se ao dirigismo do Estado, enfrentou o despotismo, foi ideário da tolerância e da fraternidade humana.

Os graves resultados económicos e sociais a que tem conduzido a “economia de casino” do neoliberalismo só poderá prosseguir com regimes políticos cada vez mais autoritários e repressivos.

São estes resultados que têm determinado, em grande medida, a emergência da extrema-direita em diversos países europeus e latino-americanos.

Defender a gestão por privados nos serviços públicos é o mesmo que querer misturar azeite e água.

A gestão pública e a gestão privada têm finalidades diferentes.

A gestão pública tem como foco fundamental o bem comum da sociedade e a sua evolução civilizacional, a gestão privada está vocacionada para o lucro, o consumo e o negócio.

A gestão pública existe para atingir uma missão que é considerada socialmente valiosa, a gestão privada existe para maximizar o património dos accionistas, tendo com critério de bom desempenho o resultado financeiro.

A gestão pública visa a criação de valor público e a gestão privada visa ganhar dinheiro para os seus acccionistas e proprietários mediante a produção de bens e serviços vendidos com lucro.

As organizações públicas têm um controle político do Estado por meio de eleições. Já nas empresas privadas, o controle é exercido pelo mercado por meio da concorrência entre as companhias e pelos accionistas.

É possível assegurar o bem comum com a gestão privada de serviços públicos?

É possível conciliar bem comum e desenvolvimento social com a maximização dos lucros dos accionistas?

Uma das cassetes propagandísticas desses sectores partidários e comerciais foi a de que sendo uma gestão privada saberiam gerir melhor.

Mas o que é escandaloso é estes sectores insistirem no seu fundamentalismo com a burka neoliberal, quando há poucos anos atrás assistimos à derrocada de diversas multinacionais e grandes consórcios bancários, reveladores do fracasso da gestão privada. É igualmente escandaloso que virem os seus apetites para os serviços públicos de saúde quando o nosso SNS está entre os melhores sistemas de saúde a nível mundial e quando é o próprio director –geral da OMS a afirmá-lo de forma eloquente.

Apesar das insuficiências e limitações do nosso SNS, que se tornam mais perceptíveis porque se trata de um serviço público que presta serviços todas as horas de cada dia e todos os dias de cada ano, aquilo que está em causa é sua redinamização e adequação às novas exigências, defendendo-o de quem quer apropriar-se dos dinheiros públicos para aumentar os lucros dos seus accionistas.

Perante a dimensão da ofensiva contra o SNS, importa agregar amplos apoios e vontades que impeçam a destruição da maior conquista política, social e humana da nossa Democracia.

Mário Jorge Neves, médico, dirigente sindical
13/10/2018

terça-feira, 11 de setembro de 2018

A nova direcção do PSD assume como eixo programático a destruição do SNS - por Mário Jorge Neves (médico)


A nova direcção do PSD assume como eixo programático a destruição do SNS


A divulgação, em meados do passado mês de Agosto, de uma notícia em diversos órgãos de comunicação social sobre a elaboração de um documento relativo à política da saúde para o nosso país, a nível do Partido Social Democrata (PSD), por um designado “ Conselho Estratégico Nacional” , veio tornar claro que o sector existente nesta organização partidária que sempre se assumiu como inimigo do direito constitucional à saúde e do seu instrumento operacional, o Serviço Nacional de Saúde  (SNS), voltou a dispor da supremacia político- ideológica, assumindo como objectivo inequívoco a privatização e desintegração deste nuclear serviço público.
Essas notícias não divulgaram o conteúdo desse documento, mas as referências expressas aos seus princípios orientadores não podem deixar lugar a dúvidas quanto à sua perspectiva de proceder à liquidação do SNS e à parasitação dos dinheiros públicos.
Quando é afirmado que um desses princípios é “a liberdade de escolha entre o público e o privado”, é sempre escamoteado quem paga.
A liberdade de escolha serve para ser o Estado a pagar às entidades privadas.
Vejamos o que está a acontecer com a ADSE e os seus pagamentos a várias entidades privadas!!!
Em todos os países que sofreram amplos processos de privatização com a consequente destruição progressiva dos serviços públicos de saúde, essa liberdade de escolha foi repetida à exaustão.
Os casos dos Estados Unidos e da Inglaterra são exemplos muito elucidativos desses processos privatizadores.
Esta clara incompatibilidade desses sectores do PSD com o SNS já se tinha manifestado  quando da votação na Assembleia da República, em 1979, da Lei do SNS.

A direita votou em bloco contra esta Lei: os deputados do PSD, do CDS/PP e do grupo de deputados social-democratas independentes resultante de uma cisão partidária.

Mal a obra do SNS tinha começado e já estava confrontada com tentativas de a embargar.

Em 1982, um governo presidido por Pinto Balsemão desencadeou a primeira tentativa de destruição do SNS através do DL nº 254/82.
A pretexto de transformar as administrações distritais de saúde em administrações regionais de saúde, esse decreto-lei revogou 46 artigos da Lei de Bases do SNS.


Em 1984, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão nº 39/84, declarou inconstitucional o DL nº 254/82.

Com o actual documento do referido conselho estratégico do PSD, basta ter em conta quem é a pessoa nomeada pela actual direcção partidária para a coordenação da política de saúde: Luís Filipe Pereira.

Este cidadão, trabalhando para um grupo económico privado que tem negócios com o Estado a nível do sector da saúde, foi nomeado ministro da saúde dos governos presididos por Durão Barroso e Santana Lopes.

Toda a sua acção ministerial mostrou um ódio encarniçado ao SNS e ao direito constitucional à saúde .

Criou os Hospitais SA (sociedades anónimas) numa medida descarada para determinar, logo de seguida, a privatização dos hospitais públicos, publicou um decreto-lei que visava a integral privatização dos Centros de Saúde e estabeleceu medidas de implementação das actuais Parcerias Público- Privadas.

É um currículo esclarecedor !!!

Ao longo dos anos, o PSD dispôs de diversas figuras que mostraram ter um claro entendimento da importância social e humana do SNS, nomeadamente o Dr Albino Aroso e o Dr Paulo Mendo que desenvolveram um importante trabalho ministerial na estruturação dos serviços públicos de saúde.

Mas o sector que, pelos vistos, volta a emergir na actual direcção do PSD, assume como objectivo central a liquidação do SNS.

Quem tem dinheiro paga, quem não tem fica abandonado à evolução natural da doença.

É esta a lógica de tais filosofias privatizadoras

Apesar dos múltiplos problemas e de expectativas pessoais não satisfeitas, mas que são inevitáveis em serviços públicos tão delicados e sensíveis com a Saúde, o nosso SNS tem sido objecto de amplo reconhecimento internacional que o colocam entre os melhores desempenhos.

Desde a Organização Mundial de Saúde (OMS) à OCDE, todos têm elogiado os indicadores de desempenho do nosso SNS.

Ainda em meados do ano passado, uma revista americana que se publica simultaneamente em vários países dos diferentes continentes, a “The International Business Times”, dedicou ao nosso país vários artigos devido ao SNS, considerando-o um dos 5 principais países com alta qualidade dos seus cuidados de saúde e destacando o actual indicador da mortalidade infantil como um dado de enorme relevância.
Por outro lado, esses artigos referiam que o nosso SNS nos colocava como o 9º melhor sistema de saúde da Europa e o 12º a nível mundial.

Ora, é este serviço público que alguns se preparam para liquidar !!
Mário Jorge Neves
                 Médico
7 /9 /2018
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