Páginas

Mostrar mensagens com a etiqueta América Latina. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta América Latina. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Notas do meu rodapé: Uma cimeira anódina!...




O Alpendre da Lua foi das primeiras vozes no país a denunciar a responsabilidade da administração dos Estados Unidos no desencadeamento do golpe militar nas Honduras, que os respectivos serviços secretos inspiraram e secretamente apoiaram, aproveitado o descontentamento dos sectores mais conservadores daquele país latino-americano em relação à evidente aproximação do presidente, democraticamente eleito, Manuel Zelaya, a Hugo Chávez, e isto, num momento, em que, por pudor, ainda prevalecia uma certa relutância em manchar a auréola pacifista do novo presidente americano, Barack Obama.
Antes de um qualquer órgão de informação ter referido essa intromissão nos assuntos internos das Honduras, escrevia-se aqui no dia 5 de Julho (o golpe militar ocorrera a 28 de Junho): "É impensável que os generais hondurenhos sejam ingénuos, ao ponto de desencadearem um golpe contra um presidente eleito democraticamente, sem terem a sua rectaguarda garantida por uma potência exterior. Também a diplomacia católica nunca se engana, e o apoio explícito dos bispos hondurenhos aos revoltosos levanta suspeitas sobre a existência de um decisivo apoio externo ao golpe militar. Caso contrário, os bispos ter-se-iam remetido ao silêncio". A 8 de Julho, acrescentava-se: "De um momento para o outro, como tendo percebido a verdadeira posição dos Estados Unidos em relação ao golpe, os países ocidentais deixaram de fazer protestos, situação que não se verifica quando se trata de denunciar os governos desalinhados com a sua política e que passam por situações semelhantes".
Curiosamente, esta tese, a da intromissão dos Estados Unidos, que já é universalmente admitida, não foi abordada na XIX Cimeira Ibero-Americana, apesar da situação actual nas Honduras ter ocupado o lugar central nas dicussões entre as 22 delegações presentes. O mais que se conseguiu, e isso deve-se à firme intransigência do presidente brasileiro, Lula da Silva, foi a inequívoca condenação do golpe de Estado, que, no entanto, a nível diplomático, não terá qualquer efeito prático, já que ficou por adoptar uma posição comum sobre as eleições hondurenhas, que se realizaram no último domingo, e que deram a vitória ao candidato conservador, e às quais não foi permitido que o presidente Manuel Zelaya se candidatasse.
Um bloco de países, da órbita da influência dos Estados Unidos, e onde se destaca a Colômbia, agora constituída em ameaça à Venuzuela, tentaram o golpe sub-reptício de branquearem o golpe, querendo proceder à legitimação das eleições hondurenhas, com o argumento da sua elevada participação popular. Pretendiam construir uma legalidade sobre uma ilegalidade, coisa nunca vista nos complexos meandros da dialéctica da política internacional dos países ocidentais, que, algumas vezes, promovem democracias ditatoriais (Egipto) e condenam democracias populares (Venezuela). A ser adoptado este manhoso sofisma, também teria de se admitir a invalidação de um qualquer acto eleitoral com pouca participação dos cidadãos, situação que seria muito crítica para a UE, que se debate com a crónica e sempre elevada abstenção nas eleições para o parlamento europeu.
Para desmontar a hipocrisia desta manobra, apareceu Lula da Silva, que, segundo afirmou, veio a esta conferência apenas pela simpatia que tinha pelo povo português e por Cavaco Silva e José Sócrates. Ele teve a capacidade suficiente de recentrar a discussão no patamar da ilegalidade da deposição do presidente Manuel Zelaya, avisando, ao mesmo tempo, quanto era perigoso permitir, num continente, onde as democracias ainda são muito frágeis, a legitimação "indirecta" de um golpe de Estado. E Lula da Silva não falou para dentro. Ele pretendeu que as suas palavras chegassem a Washington. Foi o melhor que se conseguiu nesta cimeira, que alguém já classificou de anódina.

domingo, 29 de novembro de 2009

Notas do meu rodapé: As Cimeiras Ibero-Americanas estão condenadas...


Se este fosse um texto de humor, estaríamos tentados a dizer que o espírito das Cimeiras Ibero-Americanas tinha sido assassinado em Santiago do Chile, no decorrer da XVII edição daquele certame, digo, daquele conclave, quando o rei D. Juan Carlos, de Espanha, mandou calar o presidente Hugo Chavez, que soube capitalizar o incidente a seu favor. Entretanto, o mundo inteiro riu-se com a patética ordem imperial de um rei sem poder, a fazer recordar os velhos tempos coloniais.
Mas não. Nem este texto é um texto humorístico, nem a perda de importância destas reuniões, que se realizam, anualmente, desde 1991, agrupando 22 países, incluindo, desde 2004, o principado de Andorra, se deve à célebre frase do rei de Espanha "Por qué no te callas?". A perda de importância e a diluição da matriz inicial, que previa o desenvolvimento de uma comunidade política para dialogar com a União Europeia, através da Espanha e de Portugal, foi determinada pela nova conjuntura internacional, tendo por cenário a emergência do Brasil como grande potência mundial. O Brasil já não precisa de Portugal para falar com a Europa. Desde a cimeira do G20, em Londres, quando o presidente Lula declarou orgulhoso que "antes era o FMI que emprestava dinheiro ao Brasil, e, agora, era o Brasil que iria emprestar dinheiro ao FMI", estava lançando o segundo grito do Ipiranga. Para o presidente Lula, Lisboa será um mero interlúdio entre Paris e Berlim. A reunião com o presidente francês, já realizada, e o encontro com a chanceler alemã, a realizar, é que motivaram verdadeiramente o presidente brasileiro na sua visita à Europa. Em Paris e Berlim estão em causa os grandes negócios, que interessam ao Brasil. Em Lisboa, espera-o uma lenga-lenga sobre "Inovação e Conhecimento", que , na fase preparatória da conferência, o Brasil expressou não lhe agradar muito.
Por outro lado, a Europa, ou melhor, o núcleo principal da União Europeia desinteressou-se da América latina, considerada no seu conjunto, e para a qual não tem uma estratégia definida, preferido concentrar os seus esforços no Leste asiático, onde germina o futuro da economia mundial.
Bem pode o primeiro-ministro português exercitar o seu discurso laudatório e encomiástico a favor da importância da cimeira e da bondade e excelência da agenda, que, para os mais atentos e informados, não passará de um discurso iconoclasta, pois a matriz fundadora foi ultrapassada pelos acontecimentos e não foi encontrado outro grande objectivo agregador.
Por outro lado, é cada vez mais difícil, além de ter de dirimir os constantes conflitos diplomáticos, conciliar os objectivos e interesses dos três blocos de países, que se começaram a desenhar na América Latina, e que têm à cabeça um Brasil, a querer exercer a sua incontestável supremacia económica, a Venezuela, a liderar o movimento de emancipação dos povos sul-americanos, e o conjunto daqueles países, que ainda constituem o quintal das traseiras dos Estados Unidos da América.