O Alpendre da Lua foi das primeiras vozes no país a denunciar a responsabilidade da administração dos Estados Unidos no desencadeamento do golpe militar nas Honduras, que os respectivos serviços secretos inspiraram e secretamente apoiaram, aproveitado o descontentamento dos sectores mais conservadores daquele país latino-americano em relação à evidente aproximação do presidente, democraticamente eleito, Manuel Zelaya, a Hugo Chávez, e isto, num momento, em que, por pudor, ainda prevalecia uma certa relutância em manchar a auréola pacifista do novo presidente americano, Barack Obama.
Antes de um qualquer órgão de informação ter referido essa intromissão nos assuntos internos das Honduras, escrevia-se aqui no dia 5 de Julho (o golpe militar ocorrera a 28 de Junho): "É impensável que os generais hondurenhos sejam ingénuos, ao ponto de desencadearem um golpe contra um presidente eleito democraticamente, sem terem a sua rectaguarda garantida por uma potência exterior. Também a diplomacia católica nunca se engana, e o apoio explícito dos bispos hondurenhos aos revoltosos levanta suspeitas sobre a existência de um decisivo apoio externo ao golpe militar. Caso contrário, os bispos ter-se-iam remetido ao silêncio". A 8 de Julho, acrescentava-se: "De um momento para o outro, como tendo percebido a verdadeira posição dos Estados Unidos em relação ao golpe, os países ocidentais deixaram de fazer protestos, situação que não se verifica quando se trata de denunciar os governos desalinhados com a sua política e que passam por situações semelhantes".
Curiosamente, esta tese, a da intromissão dos Estados Unidos, que já é universalmente admitida, não foi abordada na XIX Cimeira Ibero-Americana, apesar da situação actual nas Honduras ter ocupado o lugar central nas dicussões entre as 22 delegações presentes. O mais que se conseguiu, e isso deve-se à firme intransigência do presidente brasileiro, Lula da Silva, foi a inequívoca condenação do golpe de Estado, que, no entanto, a nível diplomático, não terá qualquer efeito prático, já que ficou por adoptar uma posição comum sobre as eleições hondurenhas, que se realizaram no último domingo, e que deram a vitória ao candidato conservador, e às quais não foi permitido que o presidente Manuel Zelaya se candidatasse.
Um bloco de países, da órbita da influência dos Estados Unidos, e onde se destaca a Colômbia, agora constituída em ameaça à Venuzuela, tentaram o golpe sub-reptício de branquearem o golpe, querendo proceder à legitimação das eleições hondurenhas, com o argumento da sua elevada participação popular. Pretendiam construir uma legalidade sobre uma ilegalidade, coisa nunca vista nos complexos meandros da dialéctica da política internacional dos países ocidentais, que, algumas vezes, promovem democracias ditatoriais (Egipto) e condenam democracias populares (Venezuela). A ser adoptado este manhoso sofisma, também teria de se admitir a invalidação de um qualquer acto eleitoral com pouca participação dos cidadãos, situação que seria muito crítica para a UE, que se debate com a crónica e sempre elevada abstenção nas eleições para o parlamento europeu.
Para desmontar a hipocrisia desta manobra, apareceu Lula da Silva, que, segundo afirmou, veio a esta conferência apenas pela simpatia que tinha pelo povo português e por Cavaco Silva e José Sócrates. Ele teve a capacidade suficiente de recentrar a discussão no patamar da ilegalidade da deposição do presidente Manuel Zelaya, avisando, ao mesmo tempo, quanto era perigoso permitir, num continente, onde as democracias ainda são muito frágeis, a legitimação "indirecta" de um golpe de Estado. E Lula da Silva não falou para dentro. Ele pretendeu que as suas palavras chegassem a Washington. Foi o melhor que se conseguiu nesta cimeira, que alguém já classificou de anódina.
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