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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde - Um texto de Pedro Frias



Em Portugal, e no que diz respeito à área da saúde, o direito a ter acesso a cuidados de saúde de forma universal, geral e gratuita foi uma das conquistas de Abril, consagrada na Constituição da República, e originando, em 1979, a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Desde a sua criação e mesmo antes disso, ainda na fase da sua discussão, que a direita mais arreigada tem tentado subverter os seus valores principais e reduzir o papel do estado nesta importante função social a um papel minimalista. A serem atingidos os seus objectivos, a consequência seria dramática para os cidadãos portugueses, uma vez que o que seria colocado em causa seria o acesso a cuidados de saúde.
Muitos foram os ataques que sucessivos Governos do PS e do PSD, com ou sem CDS-PP, foram lançando ao SNS, pretendendo esconder dos cidadãos as suas verdadeiras potencialidades e capacidades, gerando justa insatisfação nos utentes que sentem estar a contribuir com os seus impostos para a sustentabilidade de um serviço que não corresponde com eficácia e eficiência às suas expectativas e necessidades em matéria de cuidados de saúde.
Um dos muitos exemplos desta ferocidade insanável e insidiosa de desgaste do SNS é o debate, que de quando em vez surge pela voz de certos opinion-makers encartados mas ao mesmo tempo desconhecedores da realidade e especificidades do sector, sobre a sustentabilidade financeira do SNS.
O último Governo PS chegou mesmo a nomear uma “Comissão para a sustentabilidade do financiamento do SNS”, que no seu relatório concluía que a actual situação de despesas com saúde é insustentável e que seriam de tomar as seguintes medidas:
» aprofundar as medidas de contenção orçamental aplicadas, pelo anterior Governo PS, às instituições de saúde;
» utilização de mais mecanismos de avaliação clínica e económica do desempenho das instituições de saúde;
» fim dos subsistemas de saúde (ADSE, ADME, entre outros);
» redução dos benefícios fiscais nas despesas de saúde de 30% para 10%;
» aumento das taxas moderadoras (cerca de 33%) e redução dos isentos em cerca de 15%.
Como facilmente se constata, as medidas propostas seriam no sentido de penalizar os cidadãos e fariam com que, à custa dos mesmos de sempre, se garantisse o adequado financiamento do SNS e a sua, suposta, sustentabilidade financeira. Estas propostas surgiam ainda num quadro em que os utentes já hoje pagam uma importante fatia do acesso a cuidados de saúde, convirá relembrar que, no plano da União Europeia, os Portugueses são os que mais pagam pelos cuidados de saúde, apesar de continuarem a ser os que têm os salários e as pensões mais baixas.
Assim sendo, entendo que a sustentabilidade financeira do SNS não poderá solucionar-se com mais e maiores penalizações sobre os utentes, nem em medidas que, usando apenas critérios meramente financeiros, se revelariam serem redutoras e limitadas no seu alcance. O que seria necessário era serem tomadas medidas que, a título de exemplo, promovessem:
» evitar o subfinanciamento crónico das unidades de saúde que advém da redução das transferências reais do Orçamento de Estado (OE) para o SNS (dados do INE referem que em 2005 era de 5,1% do PIB e em 2009 foi de apenas 4,8% do PIB – não levando em consideração o aumento de preços verificado entre 2005 e 2008 que foi de, segundo os próprios Orçamentos de Estado, 10, 8%);
» a eliminação da promiscuidade existente entre os sectores público e privado, garantindo desta forma uma maior eficiência dos serviços públicos;
» a utilização de toda a capacidade e potencial instalado dos equipamentos no sector público que evitem, por exemplo, o envio de muitos milhares de utentes do serviço público para o sector privado para realizarem meios complementares de diagnóstico e terapêutica;
» a utilização mais eficiente dos recursos existentes através de um eficaz planeamento e interligação entre as diversas unidades de saúde públicas;
» a redução do consumo excessivo de medicamentos, uma verdadeira promoção dos genéricos (que faria baixar os preços) e investimento na indústria farmacêutica pública;
» a aposta nos Cuidados de Saúde Primários, através da promoção da saúde e da prevenção da doença, que se revelam cuidados economicamente menos dispendiosos, que potenciam a melhoria dos indicadores de saúde e reduzem a necessidade de cuidados hospitalares que se mostram mais onerosos;
» o envolvimento dos trabalhadores do sector no aumento da eficiência e qualidade do SNS através da sua dignificação, alterando as políticas que têm vindo a ser seguidas e que pretendem liquidar os seus direitos.
Bem poderão os destacados dirigentes do PS (que defendem o aprofundamento e ampliação da gestão empresarial das unidades de saúde), do PSD (que apontam para a gestão fundacional) e do CDS-PP (que vão mais longe e referem ser necessário um maior papel de complementaridade entre o sector público e o sector privado e social na saúde), tecer falsas loas ao SNS. A sua ideia é, hoje como no passado, arrasar o SNS.
Cá estaremos, trabalhadores do sector e utentes, juntos na luta pela defesa do cumprimento de um SNS universal, geral, público e gratuito, um SNS que esteja ao serviço das populações e do País, pela defesa do princípio de que a saúde não é um privilégio de alguns mas um direito de todos.

Pedro Frias
21 de Dezembro de 2009

2 comentários:

Unknown disse...

Excelente artigo que põe a nú as miseráveis politicas que têm sido implementadas neste sector

DFS disse...

Concordo plenamente, subliho e passo negrito. A saúde de uma comunidade é assunto do dominio publico e não do interesse de grupos económicos, politicos ou profissionais. SNS mais forte, menos promiscuidade, e maior rigor é fulcral para o interesse da saúde dos portugueses.