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sábado, 28 de novembro de 2020

O Ditador

 O Ditador…

 

O Ditador não tinha esporas
nem botas de montar,
mas montou um povo inteiro…
Não tinha espada
nem desfilava em marchas marciais,
mas foi o general da tropa amansada…
O Ditador não dormia,
vigiava…
Tinha medo que o apanhassem distraído
e o matassem…
Por isso, inventou a polícia secreta,
que desenhou a geografia das esquinas
de todas as ruas das cidades, vilas e aldeias…
O Ditador não tinha afectos…
O poder era o seu único e verdadeiro amor,
que se lhe conhecia…
Da sua cabeça saíam possantes tentáculos,
que apertavam as gargantas como tenazes,
a quem ousava discordar…
O Ditador julgou-se eterno,
mas esqueceu-se do equilíbrio instável das cadeiras
(ele não percebia nada das leis da Física)…
Caiu e desmaiou, e depois morreu,
mas sempre a acreditar
que governaria o país, para além da sua morte…

 

                             Alexandre de Castro

 

Lisboa, Maio de 2008


sexta-feira, 27 de novembro de 2020


E depois?...
 
Por mais que leias no livro do teu destino
nunca chegarás a ler o último capítulo
nem nunca a tua leitura será definitiva.
Já te falei de todos os caminhos percorridos
das cumplicidades dos sussurros
dos perigos e dos medos das encruzilhadas
talvez tivessem sido os espelhos estilhaçados
a trair o contorno das imagens
que apareceram desfocadas nos meus olhos húmidos
quando todo o Universo ficou sem a luz das estrelas
para que eu não pudesse ver as sombras 
projectadas pela noite. 
                                                                              Alexandre de Castro
               
Lisboa, Outubro de 2010 


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

 


ERA QUATERNÁRIA

 

Olho aquele sílex desta era, 
a Quaternária,
moldado por aquela mão rugosa,
de nervos e veias em relevo,
que, enfim,
uniu o polegar aos outros dedos ...
A gruta guardou a escuridão do tempo,
no silêncio cortante de arestas,
e o sílex  rasgou a pedra
em riscos imberbes da primeira infância,
pela mão do homem
que, balbuciando preces
à luz, ao sol e ao trovão,
estremeceu aos vagidos de cada alvorada
Bípede, ergueu-se na altivez
da coluna erecta ...
Façanha única!...
Foi daquela mão talhando a pedra
que nasceu o inacabado poema
que a humanidade escreveu.

                                       Alexandre de Castro
 
Lisboa, Maio de 1991

sábado, 21 de novembro de 2020

 


A Dança dos astros
 

foi quando os átomos
ensaiaram a dança onírica das valências
que a matéria perseguiu o rasto da luz
que inspirou a “poeta”   
as lágrimas de uma nuvem
criaram os mares e as águas
e o hálito quente da sua boca ardente
desenhou na Terra a primeira metáfora
com que inventou a Vida…
depois, muito depois, gozando as delícias da eternidade
e as da infinitude da palavra,
esperou pelo Homem para inventar o amor
… e os átomos continuaram a dançar…
 
                                                                             Alexandre de Castro
 
Lisboa, Fevereiro de 2013

GREGORIAN 'Epic Chants Tour' Live 2013

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Frases Soltas

A Poesia tem todas as cores do arco íris.
Ela habita os ninhos dos pássaros                                                        
E exibe a majestade do voo das águias.
E é livre como o vento,
Não tendo barreiras nem fronteiras à sua frente.

                                                                     Alexandre de Castro

Novembro de 2020

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

 


Aviso prévio da minha morte…

 

Acabou-se o estro
a fome e a fama de te amar
nos poemas que a ti pertencem
já sou terra da cova funda
onde me irão enterrar
ceguei os olhos
para ver o outro lado
da escuridão da morte
e calei a minha voz
para ouvir o silêncio do mundo…

                             Alexandre de Castro

 Lisboa, Março 2017 

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Mãe



Mãe
 
Naquele último momento
tentaste confessar-me um segredo,
um segredo qualquer
guardado uma vida inteira
e que eu não entendi
porque a tua fala desesperada
ficou suspensa
nos lábios imobilizados.
Só os teus olhos alarmados
mexiam de ânsia e de medo.
Mas não sei se seria realmente um segredo
o que me querias dizer
ou apenas um último lamento
ou até, quem sabe,
a recordação daquelas tardes de Junho,
quando eu ainda era criança,
em que te deitavas comigo
(enrolados num cobertor de papa)
com medo das trovoadas.
- É Deus que está a ralhar – dizias-me,
enquanto me apertavas com carinho,
para me proteger.
Talvez, também, quando, um dia, me perdi de ti, 
por um breve instante,
e perguntei, depois de te reencontrar,
se eras realmente a mesma mãe,
se não eras outra, igual à primeira,
de um mundo que, por momentos,
eu imaginei duplicado, em coisas e pessoas,
e que, agora, sei que esse mundo não existe,
porque tu já morreste
e eu não vejo nem tenho outra mãe.
 
                                                                Alexandre de Castro
 
Lisboa, Maio de 2007      



*** «»***
*** «»***
Perfazem-se, hoje, vinte e sete anos, sobre o falecimento de minha mãe, que ocorreu no Hospital dos Capuchos.  
O poema reflecte os últimos momentos da sua vida.                                                                                                                                                        

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A sustentabilidade do tempo…

Salvador Dali | relógio explodindo 

A sustentabilidade do tempo…
 
                                                                   À minha avó Maria
 
Julgas que vou fazer isto tudo?
Nunca tenho tempo para nada
porque sempre julgo
ter tempo para tudo.
 
A culpa é dos relógios
que contam o tempo devagar
quando afinal, e veloz como o vento,
o tempo passa a correr.
 
Devia ser como no tempo da minha avó
que contava os dias pelos dedos,
as horas pelo sol
e despertava ao cantar do galo.
E ela sempre teve tempo para tudo,
até para cuidar dos netos.
E foi sempre assim,
até morrer…
 

                                                                               Alexandre de Castro

 
Lisboa, Janeiro de 2014

terça-feira, 10 de novembro de 2020

 




morrem-me os amigos…

morrem-me os amigos
morre-me a esperança
e eu vou morrendo também
no dilúvio da tristeza
de quem perseguiu  o sonho
e já não tem ninguém…

                  Alexandre de Castro

 Lisboa, Junho de 2016

sábado, 7 de novembro de 2020

 


E ela voou…
 
Ouço o eco dos gritos,
a estilhaçar a noite,
durante as tempestades
dos meus sonos agitados…
E, lá ao longe,
envolta num halo de luz, muito brilhante,
vejo uma mulher,
a acenar-me com um lenço branco.
Queria correr para ela,
mas os meus pés ficaram grudados
no alcatrão do caminho.
Ainda tive tempo de ouvir o seu lamento,
em forma de poema, a anunciar
que habitava “uma terra sem chão”
e que um pássaro, para a salvar, lhe disse para voar…

E ela voou…
 
                                                                          Alexandre de Castro  

Lisboa, Novembro 2020                                                    


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Frases Soltas

Renovo-me todos os dias
com um desejo enorme de mudar...
Durmo o meu sonho, todas as noites
mas acordo, e sou sempre igual...


Todos anseiam escrever um poema 
num muro escuro. Se possível, 
com gomos de lume, 
para incendiar as pedras.

 Alexandre de Castro

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Lisboa - O Terramoto de Novembro de 1755 - RTP1

Esta noite choveu prata sobre o rio


 

Esta noite choveu prata sobre o rio
 
Esta noite choveu prata sobre o rio
eram lágrimas de dor do sufoco do poema
derramadas às portas da cidade… 

E Lisboa emudeceu...
Ficarei a vaguear por aqui
banhando-me no rio com as Tágides
até ao dia das auroras e da reverberação da luz
na lâmina líquida das águas
e a acordar todos os sonhos adormecidos...
...
E Lisboa adormeceu… 
 
                                                              Alexandre de Castro
 
Lisboa, Dezembro de 2015

 

domingo, 1 de novembro de 2020

Entre o céu e a terra

Entre o céu e a terra
há um vazio, que me asfixia,
uma ferida profunda
a rasgar as nuvens
e o nosso amor...
Aquele amor
que eu não quero perder…
Será que me perdoas?

                      Alexandre de Castro

Lisboa, Novembro de 2020