Se este fosse um texto de humor, estaríamos tentados a dizer que o espírito das Cimeiras Ibero-Americanas tinha sido assassinado em Santiago do Chile, no decorrer da XVII edição daquele certame, digo, daquele conclave, quando o rei D. Juan Carlos, de Espanha, mandou calar o presidente Hugo Chavez, que soube capitalizar o incidente a seu favor. Entretanto, o mundo inteiro riu-se com a patética ordem imperial de um rei sem poder, a fazer recordar os velhos tempos coloniais.
Mas não. Nem este texto é um texto humorístico, nem a perda de importância destas reuniões, que se realizam, anualmente, desde 1991, agrupando 22 países, incluindo, desde 2004, o principado de Andorra, se deve à célebre frase do rei de Espanha "Por qué no te callas?". A perda de importância e a diluição da matriz inicial, que previa o desenvolvimento de uma comunidade política para dialogar com a União Europeia, através da Espanha e de Portugal, foi determinada pela nova conjuntura internacional, tendo por cenário a emergência do Brasil como grande potência mundial. O Brasil já não precisa de Portugal para falar com a Europa. Desde a cimeira do G20, em Londres, quando o presidente Lula declarou orgulhoso que "antes era o FMI que emprestava dinheiro ao Brasil, e, agora, era o Brasil que iria emprestar dinheiro ao FMI", estava lançando o segundo grito do Ipiranga. Para o presidente Lula, Lisboa será um mero interlúdio entre Paris e Berlim. A reunião com o presidente francês, já realizada, e o encontro com a chanceler alemã, a realizar, é que motivaram verdadeiramente o presidente brasileiro na sua visita à Europa. Em Paris e Berlim estão em causa os grandes negócios, que interessam ao Brasil. Em Lisboa, espera-o uma lenga-lenga sobre "Inovação e Conhecimento", que , na fase preparatória da conferência, o Brasil expressou não lhe agradar muito.
Por outro lado, a Europa, ou melhor, o núcleo principal da União Europeia desinteressou-se da América latina, considerada no seu conjunto, e para a qual não tem uma estratégia definida, preferido concentrar os seus esforços no Leste asiático, onde germina o futuro da economia mundial.
Bem pode o primeiro-ministro português exercitar o seu discurso laudatório e encomiástico a favor da importância da cimeira e da bondade e excelência da agenda, que, para os mais atentos e informados, não passará de um discurso iconoclasta, pois a matriz fundadora foi ultrapassada pelos acontecimentos e não foi encontrado outro grande objectivo agregador.
Por outro lado, é cada vez mais difícil, além de ter de dirimir os constantes conflitos diplomáticos, conciliar os objectivos e interesses dos três blocos de países, que se começaram a desenhar na América Latina, e que têm à cabeça um Brasil, a querer exercer a sua incontestável supremacia económica, a Venezuela, a liderar o movimento de emancipação dos povos sul-americanos, e o conjunto daqueles países, que ainda constituem o quintal das traseiras dos Estados Unidos da América.
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