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domingo, 8 de novembro de 2009

Notas do meu rodapé: A crise continua...

O discurso do político
Quando a crise financeira internacional se desencadeou no último trimestre do ano passado, o discurso oficial apressou-se a sossegar os portugueses, afirmando que Portugal estava imune à crise, e que a banca nacional não iria ser contaminada pela bolha financeira dos Estados Unidos. Durante o primeiro trimestre, deste ano, quando não era já possível mascarar a verdade, que a demagogia dos políticos procura sempre ocultar, até ao limite do possível e do aceitável, o discurso rodou a sua orientação cerca de noventa graus. As falências sucessivas de empresas emblemáticas, a provocar uma avalanche de despedimentos, obrigou os políticos a admitir a existência de uma crise. Foi o momento em que a soberba dos economistas ligados ao sistema neoliberal, e sempre achados pela comunicação social para perorar sobre as virtudes do capitalismo, meteram a viola no saco e o seu discurso na cartola, aguardando melhores dias para um regresso triunfal, convictos que estavam de que a crise seria passageira e apenas serviria para higienizar o sistema económico, promovendo a capacidade dos melhores e eliminando os piores.
Nessa fase, os políticos, numa atitude defensiva, para ocultar as suas próprias culpas, começaram numa estridente choradeira, a proclamar aos quatro ventos, não fosse algum cidadão mais surdo ou mais distraído não os ouvir, que a crise era de fora, era externa, e que não tinha nada a ver com factores internos. O discurso não deveria ter sido convincente, pois não segurou os votos dos portugueses que negaram a maioria absoluta ao Partido Socialista.
Perversamente, as campanhas eleitorais e as respectivas pré-campanhas, que deveriam ter constituído a plataforma ideal da discussão da crise, quer das suas causas, com particular destaque para as internas, quer das medidas mais correctas para a enfrentar e ultrapassar, transformaram-se num espectáculo circense, caracterizado por uma verborreia intragável de sloganes e de frases feitas, onde o essencial se esfumou, restando o acessório para fazer render em votos. Muitos portugueses acreditaram, como os resultados eleitorais demonstraram.
No período pós-eleitoral, o da ressaca, a crise fugiu miraculosamente do discurso político, e o que é mais grave, do discurso da comunicação social. O encerramento de uma fábrica com centenas de trabalhadores, como continua a acontecer, já não justifica a correria das televisões nem a abertura dos telejornais. Na boca dos políticos a crise continua a ser uma entidade abstracta, irreal, longínqua, que apareceu no horizonte aleatoriamente, tal como aparecem as tempestades e os terramotos, forma hábil e desonesta de subliminarmente dizer que nada há a fazer, a não ser aplicar alguns paliativos.
No entanto, a crise está aí, para nosso descontentamento, com o seu cortejo de desempregados, de falências e com o aumento silencioso do número dos novos pobres.

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