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terça-feira, 17 de novembro de 2009

Notas do meu rodapé: As armadilhas da Lei!...


Um dos princípios fundamentais da Justiça é descobrir a verdade dos factos, o que obriga a que, na fase do inquérito, se flexibilize a interpretação das naturais e involuntárias ambiguidades que o Direito proporciona (das quais os advogados vivem), já que, embora a ciência jurídica se oriente pelos princípios da racionalidade e da lógica formal, ela não é todavia uma ciência exacta. Por isso, nas leis, é vulgar existirem contradições e lacunas, que escaparam ao crivo do legislador, e cuja resolução remete para a jurisprudência.

É o que acontece com a interpretação do articulado da alínea a), do nº 2, do artigo 11º, do Código de Processo Penal (CPP), que tanta polémica tem dado entre juristas e entre penalistas. Aqueles que o submetem a uma análise imediata, linear, formal e redutora, como fez o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ignorando, por sentido de oportunidade ou de conveniência, o estipulado no mesmo código, nos seus artigos 187 º a 190 º, da secção IV, onde o legislador colocou todo o seu esforço e empenho para definir com ênfase e precisão os conceitos e os procedimentos em relação à intercepção, gravação e posterior transcrição das comunicações, através de vários suportes, as vulgarmente chamadas escutas, revela não estar interessado em descobrir a verdade, que é o objectivo último pretendido pelo legislador.

O enunciado daquela disposição legal, que é necessariamente genérico, como o são os enunciados da maioria das restantes alíneas daquele artigo, por ser dedicado unicamente às competências do presidente do STJ, deixando as referências às respectivas especificações para os artigos seguintes, onde elas se justificam e determinam, aponta, na realidade, mas de uma forma descontextualizada, para a inegável capacidade jurídica do titular daquele alto cargo "autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respectiva destruição". Desamparados de outros esteios, a leitura isolada deste preceito legal, leva os mais desprevenidos, e aqueles que procuram retirar dividendos políticos a favor do governo, a concluir que os órgãos de polícia criminal, que procediam às escutas dos telefones de Armando Vara, devidamente autorizadas pelo juiz de Instrução, deveriam, imediatamente, ter desligado o telefone, quando, de uma forma fortuita e sem ser esperada, lhes surgiu, do outro lado do fio, a voz do primeiro-ministro, esquecendo-se que, se assim tivessem agido, poderiam perder-se, eventualmente, elementos probatórios importantes para o processo de Armando Vara, o que prejudicaria a afincada procura da verdade dos factos. Estaríamos perante uma perversão, que iria obstaculizar o inquérito.

Se o legislador pretendesse que assim fosse, que os órgãos de polícia criminal interrompessem a intercepção da comunicação, ele teria certamente regulado os respectivos procedimentos no capítulo IV do CPP, onde teriam todo o cabimento, já que ele é dedicado exclusivamente às intercepções das comunicações (escutas) de arguidos e suspeitos. Aliás, e para corroborar esta última afirmação, é também no capítulo IV que aparece a proibição da intercepção e gravação de comunicações entre o arguido e o seu defensor. O legislador, ao excluir tão anacrónico procedimento, onde interviessem como interlocutores da pessoa sob escuta, os titulares daqueles três órgãos de soberania, é porque entendeu que aquele preceito da alínea a), do nº 2. do artigo 11º só se aplica quando a investigação incide directamente sobre cada um daqueles titulares, a partir de um qualquer indício que chegue à autoridade de polícia criminal, o que obriga ao pedido prévio de uma autorização do presidente do Supremo, para poderem legalmente iniciar-se as escutas.

Por outro lado, o legislador definiu bem quem são as pessoas que poderão ficar sob escuta, através do articulado na alínea a), do número 4, do artigo 187º, limitando essa condição jurídica a suspeitos e arguidos, o que afasta desse grupo todos os seus respectivos interlocutores. Desta maneira, e do ponto de vista jurídico deve considerar-se que o primeiro-ministro não foi escutado, nem estava, perante a justiça, sob esse regime, o que torna abusiva a decisão do presidente do STJ em ordenar a destruição dos suportes das gravações, uma vez que eles pertencem por inteiro e sem margens para dúvidas ao processo de Armando Vara.

No entanto, já não se contesta a competência daquele titular para negar provimento à abertura de um inquérito ao primeiro-ministro, com base nas certidões extraídas do processo de Armando Vara, já que, segundo a sua opinião, nelas não encontrou elementos susceptíveis de prefigurar qualquer actividade criminosa, opinião que não foi bem acolhida pelos magistrados de Aveiro, que assim foram desautorizados, talvez sem razão..

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