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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Notas do meu rodapé: Corrupção- a procissão ainda vai no adro!...


A corrupção faz parte integrante da cultura institucional do país. Não é um fenómeno residual, nem pontual. É um preocupante fenómeno endémico, resultado do laxismo do Estado, ele próprio constituído, simultâneamente, em vítima e agente promotor, e da ausência de uma cultura cívica, que, como já aqui se escreveu, foi arrasada pelo mundo hodierno do consumismo desenfreado e do enriquecimento fácil. Enriquecer rapidamente para poder dar vazão ao apetite consumista passou a ser o lema da sociedade portuguesa, à qual começou a faltar um referencial público de honradez e de rigor. E a escolha dos meios nunca despertou problemas de consciência.
Tudo começou quando o Partido Socialista meteu o socialismo na gaveta, abrindo as portas aos aventureiros da política, que na sua prática, nada ideológica, encontraram rapidamente os esquemas ilícitos da sua sobrevivência. O fenómeno aprofundou-se com a invasão das verbas comunitárias, que aproximou perigosamente o Estado, que as distribuía, do universo empresarial, que as recebia. Hoje, já ninguém se lembra do esbanjamento das verbas do Fundo Social Europeu, destinadas à formação profissional, da era cavaquista, e que permitiu o enriquecimento despudorado de toda a casta de oportunistas. Formaram-se empresas, unicamente para captar fundos, constituíram-se gabinetes para dar cursos inúteis. Nos institutos governamentais, nas empresas nacionalizadas, nas autarquias e nos bancos, centenas de funcionários organizaram-se, a troco de uma remuneração avantajada, como agentes facilitadores da diligência administrativa e da concessão de créditos. As grandes empresas, incluindo as multinacionais, não desperdiçaram a oportunidade de aumentar o pecúlio, candidatando-se aos programas de formação e simulando a sua execução. Foi o fartar vilanagem, que passou impune à justiça, e que propagou o vírus para o futuro.
Um pouco errática, a manifestar-se essencialmente em pontos estratégicos, onde era fácil introduzir o favor, a corrupção depressa passou para um esquema organizativo mais complexo e burilado, galgando outros patamares até alcançar os próprios membros dos vários governos. A Operação Face Oculta assim o demonstra.
A italianização da democracia portuguesa já é uma realidade, e não tardará muito que, em associação ao fenómeno da corrupção, não venha a surgir o fenómeno da violência mafiosa. Se a justiça não for exemplar, e, até ao momento, não o foi, e não se vislumbra que, no futuro, o venha a ser, o regime democrático passará a ser uma caricatura, para o qual já não será difícil encontrar um primeiro ministro.

1 comentário:

Graza disse...

Não é para atacar Cavaco, mas é verdade que esta espiral começa socialmente aqui:

"...Hoje, já ninguém se lembra do esbanjamento das verbas do Fundo Social Europeu, destinadas à formação profissional, da era cavaquista..." etc. etc.

É aqui que verdadeiramente se começam a quebrar pudores e tudo vale para sacar. Muitos serviram como rebanho para esconder o saque, e também eles aprenderam a fazer o mesmo que é como quem diz inverteram os seus conceitos de ética. A escola dos F.S.E. foi terrivel para o nosso futuro, porque inquinou "tudo", mas tudo, desde os efeitos reais na economia aos efeitos nas mentalidades. Um dia talvez se faça mais luz sobre esse o terrivel efeito.