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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Notas do meu rodapé: Manifesto Anti-Dantas, uma abordadgem crítica...

É esta a imagem que eu tenho de Almada Negreiros,
quando o vi pela primeira e única vez no Rossio de
Lisboa, no dia em que o seu célebre quadro de
Fernando Pessoa foi arrematado em leilão
por uma fabulosa quantia.
*
O destaque dado aqui ao poema "Manifesto Anti-Dantas", de Almada Negreiros, e que teve uma relevância ímpar na Literatura Portuguesa, quer pelo seu estilo poético inovador, quer pela sua enorme carga satírica, de efeito arrasador, talvez justifique a recuperação de um meu texto, publicado neste blogue em 29 de Setembro de 2009, e ao qual, certamente, muitos leitores ainda não tiveram acesso, por só terem aderido ao Alpendre da Lua, posteriormente.
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O Manifesto Anti-Dantas e por Extenso é a expressão mais radical das polémicas literárias, ocorridas em Portugal, e excedeu em virulência a da Questão Coimbrã, já de si muito violenta, em termos de linguagem, e que o atormentado e errático Antero Quental desencadeou com o seu texto Bom Gosto e Bom Senso, dirigido ao patriarca das letras lusas, Feliciano de Castilho, um ultra-romântico, que era acusado por Antero de ser o responsável pelo estiolamento degradante da literatura portuguesa. Antero reagia assim, com o seu texto, à crítica feita por Castilho ao seu livro de poemas Odes Modernas, que surpreendeu a crítica e a intelectualidade, pela inovação estilística e lírica, que desbravava novos caminhos. O país erudito dividiu-se pelos dois campos extremados, e Antero até chegou a travar um duelo, no Porto, com Ramalho Ortigão, que se colocou ao lado de Castilho.
Almada Negreiros não chegou a travar nenhum duelo com o seu arqui-inimigo, Júlio Dantas, também ele promovido pela burguesia decadente do início do século seguinte a um verdadeiro patriarca das letras nacionais, mas não se coibiu, depois de ter publicado o polémico manifesto, em provocá-lo na rua Ivens, onde Dantas residia, pondo-se, à sua passagem, na marcial posição de sentido, e fazendo-lhe um grande manguito, ao mesmo tempo que fazia ouvir por todo o Chiado o seu brado guerreiro "Às Armas!...".
Tal como Antero, também Almada reagira a uma crítica azeda de Júlio Dantas, feita a propósito da publicação do primeiro número da revista Orpheu, onde se propunham novos caminhos para as letras e para as artes, adoptando a corrente futurista, inaugurada pelo poeta italiano Emílio Marinetti, em 1910, e que estava a galvanizar a Europa civilizada. Dantas chamou paranóicos aos autores da nova revista.
No entanto, o texto de Almada, apresentado em forma de poema, ultrapassa em sarcasmo, em ironia e na sua linguagem iconoclasta o texto de Antero. Almada zurze, sem dó nem piedade, o mais prestigiado escritor da época, um escritor prolixo, mas a quem faltava aquele nervo literário, que opera a diferença para se alcançar a estatura do génio. Dantas deixou-nos uma excelente peça de teatro, A Ceia dos Cardeais, mas, o resto da sua obra literária só se destacava no panorama nacional, porque foi uma época de escritores e poetas medíocres. A literatura tinha parado em 1900, com a morte de Eça de Queirós. A seguir veio o marasmo de uma burguesia abúlica e boçal, em questões literárias e artísticas, que não favoreceu o florescimento das artes e da literatura.
É certo que Almada veio à praça pública defender a honra ferida dos seus correligionários, Fernando Pessoa, Luís Montalvor e Mário Sá-Carneiro, mas há quem diga que, no seu gesto, havia muito oportunismo e ambição pessoal. Almada sabia que o escândalo público era o caminho mais curto para alcançar facilmente a fama. Essa tendência de um exibicionismo exuberante, havia de se repetir na apresentação, no Teatro de S. Luís, do seu Manifesto às Gerações Futuristas do Século XX, com que se inicia oficialmente o movimento futurista em Portugal, e onde ele apareceu vestido com um fato-macaco.
Almada, no seu brilhante poema, não ataca apenas Júlio Dantas, ataca também tudo aquilo que ele representava na sociedade portuguesa, onde ainda se ruminavam, em lenta digestão, os romances de Garrett, Camilo e Eça. Não é pois de admirar que um qualquer Dantas tivesse sucesso. Num ataque implacável e truculento, Almada é fulminante, quando afirma: "Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas, é uma geração que nunca o foi".
A geração do Orpheu ganhou a batalha, pois Dantas percebeu a tempo que qualquer resposta iria desencadear mais virulentos ataques do irrequieto Almada.
As novas correntes literárias tiveram em Portugal expressões notáveis, não só na obra de Almada Negreiros e de Amadeu Sousa Cardoso, este último, exclusivamente na pintura, mas também, e, principalmente, na obra poética de Pessoa e de Sá-Carneiro. Todos eles ousaram conquistar a liberdade da linguagem poética e desbravar a tradução das expressões dos estados psíquicos da natureza humana.

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