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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Notas do meu rodapé: Será que este regime está moribundo?


Os comentadores televisivos, na noite das eleições, exuberantes num autêntico arraial, não deixaram de se deslumbrar com a vitória de Cavaco Silva, logo na primeira volta. Mas apenas olharam para a aritmética dos resultados, e foi sobre essa base que teceram loas a Cavaco, ao ponto de garantirem que ele iria ser o actor principal da nova telenovela da política portuguesa. O próprio Marcelo Rebelo de Sousa, o Dantas da actualidade, avançou com o argumento mais pueril da noite, afirmando que Cavaco Silva ganhou as eleições, porque era um homem do povo, o que me levou a admitir que o professor deverá pensar que quem vota nos partidos da esquerda pertence às velhas e às novas aristocracias, as de sangue e as do dinheiro.
Ninguém, que eu visse, abordou em profundidade o fenómeno da abstenção e no que ela significa politicamente no actual momento da vida nacional. E a abstenção, para mal da democracia, foi a grande vencedora destas eleições, tal como referi no comentário anterior. E não é apenas o número de abstencionistas que impressiona. É a sua causa. Pode-se dizer, em bom português, e que melhor exprime o sentimento daqueles que não se deram ao trabalho de ir votar, que 53 por cento dos portugueses votantes mandaram à merda os políticos. Ostensivamente, viraram-lhe as costas, numa atitude de desprezo, e onde se pode adivinhar também a expressão colectiva de uma profunda descrença pelo rumo que o país está a seguir. Seria preferível que esse descontentamento tivesse sido expresso através do voto em branco, para que a respectiva leitura da mensagem fosse imediata e não permitisse referenciar a elevada abstenção, apenas como uma excrescência da democracia, com origem no abúlico desinteresse pela coisa pública. Mas os portugueses ainda têm receio que o seu voto em branco seja objecto de manipulação fraudulenta.
Faz parte da idiossincrasia do português, lançar mão a processos silenciosos, difusos e heterodoxos para manifestar o seu descontentamento político. Não utiliza os métodos violentos de confronto, tal como acontece na França, na Espanha e na Grécia. Trezentos anos de Inquisição e quarenta de salazarismo domesticaram-lhe, pelo medo, os comportamentos e até a vontade. Já na década de sessenta, esse traço inconfundível do seu comportamento colectivo adquiriu visibilidade para os sociólogos. Os jovens de então, principalmente os do interior do país e das zonas rurais, para fugir à fome e à guerra colonial, em vez de fazerem manifestações de protesto, optaram por emigrar massivamente para França. Era mais seguro e mais lucrativo.
A abstenção das eleições de ontem constituiu um claro protesto contra a política do governo. O candidato do PS foi o mais castigado pelo fenómeno, mas Cavaco Silva também não escapou a essa forma de protesto. Por isso, eu mantenho a minha afirmação de considerar que ele parte fragilizado para o seu segundo mandato. Afinal, Cavaco Silva foi eleito, apenas, por cerca de vinte e três por cento dos eleitores inscritos, o que é muito pouco para quem pretende ser o presidente de todos os portugueses.
Com uma abstenção tão elevada coloca-se também uma outra interrogação a todos nós. Sendo o exercício livre do acto (ainda não me enviaram o novo acordo ortográfico) de votar o eixo estruturante da democracia, será que ela não estará a esvaziar-se lentamente na sociedade portuguesa, perante a indiferença generalizada da classe política? Será que o complexo edifício dos órgãos do poder e os partidos políticos, estes a acusarem um preocupante anquilosamento, estratificados que estão nas suas clientelas e cada vez mais divorciados da sociedade, à qual apenas recorrem nas campanhas eleitorais, não se encontrarão desajustados em relação às realidades concretas do momento? Para ser mais prosaico. Será que este regime já está moribundo, à espera da sua morte natural, já que ninguém se atreve a desligar-lhe a máquina? Como ainda não foi inventada uma vacina contra o totalitarismo, será que ele já anda por aí disfarçado, sob a forma de democracia formal, assente no chamado bloco central, e que ganhe quem ganhar, o poder ficará sempre nas mãos dos verdadeiramente poderosos deste país?

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