Kátia & Wanderlei
kátia percebeu que cometera um erro antes de chegar à igreja, na casa dos pais, quando o fotógrafo parou na sala, apanhando pãezinhos de leite da mesa como se fosse familiar da noiva e, como os outros presentes, estagnou diante da transmissão do casamento real britânico, ficando a saber que "plebeia" ainda é uma palavra com muito uso e que o protocolo real exige que os príncipes acenem apenas com um movimento de pulso.
Kátia arrependeu-se de marcar a cerimónia para o mesmo dia do casamento do príncipe. Quando teve a ideia, julgou-se inspirada pelas revistas e considerou a possibilidade de o seu casamento aproveitar a mística das bodas com transmissão em directo para o universo. Enganou-se. Metade dos convidados ficou de fora da igreja, bebendo imperiais no café e acompanhando a charrete real num plasma. Enquanto isso, Wanderlei, que chegou a jogar na Segunda Divisão, contratado ao América, de Manaus, não cabia no smoking, transpirava no altar, enganava-se quando tinha de repetir as palavras do padre, os seus lábios - "Pode beijar a noiva" - sabiam a cachaça. O copo de água teve lugar num restaurante especializado em leitão assado. A TV estava sintonizada no casamento real. Kátia olhou para o príncipe e a sua farpela de filme da Disney, ouviu uma tia dizer "Está mais feio e mais parecido com o pai". Kátia olhou para Wanderlei que chupava uma patinha de leitão. Fechou os olhos. Os convidados começaram a bater com os talheres nos copos. Ela levantou-se e foi beijar o marido como vira os príncipes fazer na televisão.
Hugo Gonçalves
Escritor
Conto publicado no jornal i
Conto publicado no jornal i
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