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A Lisboa, que aparece neste filme, é a Lisboa que eu comecei a habitar, há mais de quatro décadas, e da qual nunca mais me separei. Confesso que aprendi a gostar muito dela, embora por vezes lhe rogasse pragas (e ainda rogo) do tamanho de um terramoto. Também, nem sempre lhe fui fiel. Gostei de outras cidades. Mas Lisboa tem um travo especial, um perfume que nos enfeitiça os olhos. Talvez seja o espelho prateado do grande estuário, que lhe reflecte uma luminosidade única.
Na altura, o Rossio era o verdadeiro centro da urbe, o sítio da peregrinação diária ao café Martinho. Era o café da malta nova. Era o café, onde se ia, quando queríamos encontrar um amigo, e que acabávamos sempre por o descobrir por ali. Nas noites de Verão, o Rossio parecia uma romaria, tanta era a gente que ali se cruzava, a saborear a brisa que chegava do rio, a beber uma cerveja no café Gelo ou um verde branco na Tendinha. E as miúdas, santo deus, que começaram a ter ordem de soltura até às dez da noite, a exibirem o princípio de uma liberdade, que nunca mais chegava, e que se vestiam como se fossem para um baile. Sempre em grupo - pois uma mulher sozinha, por ali, àquela hora da noite, não era consentido pela rigidez da moral burguesa da época - passeavam lentamente pelos largos passeios, de braço dado, cochichavam e riam, miravam-se nas montras para verem se o penteado, curto e abaulado, característico dos anos sessenta, continuava armado.
Era a Lisboa da minha memória, da qual já me despedi, e que, agora, com alguma emoção, revi neste filme, que me chegou às mãos, através do meu amigo João Fráguas. A Lisboa de hoje é outra, mais cosmopolita, menos provinciana, e, talvez, menos solidária.
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