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Não é o local onde se vive, mas os estudos que se têm que fazem a diferença na longevidade.
Operários morrem mais cedo
Um doente numa aldeia do Alentejo está mais longe de um hospital do que alguém a viver no centro de Lisboa. Porém, as grandes desigualdades na saúde têm mais a ver com a classe social a que se pertence do que ao local geográfico onde se vive, revela a investigação do sociólogo Ricardo Antunes. O estudo encontrou diferenças de longevidade de mais de dez anos entre os mais ricos e escolarizados e os mais pobres e com menos instrução.O autor do estudo Classes Sociais e a Desigualdade na Saúde foi tentar conhecer "as histórias de vida" através de processos clínicos de uma amostra de 1935 pessoas. O investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), do Instituto Universitário de Lisboa, escolheu pessoas que morreram em 2004, num hospital de Beja e noutro de Lisboa, o que acabou por lhe dar um retrato de uma geração portuguesa que nasceu por volta das décadas de 1920 a 1930 e morreu com cerca de 70 a 80 anos. E as disparidades na doença e na morte são muitas.A grande conclusão do seu estudo, que foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, é que "a classe é mais importante que a geografia para explicar desigualdades em saúde". Comparando a longevidade dos chamados profissionais técnicos e de enquadramento - categoria que inclui as profissões mais qualificadas e que exigem licenciatura, como professores, advogados, e engenheiros -, com a dos operários, constata-se que a diferença de tempo de vida é, em média, de 13,8 anos em Lisboa e 11,5 em Beja. Isto significa que os mais ricos e qualificados viveram, em média, mais de uma década do que os mais pobres e com menos qualificações. Enquanto os profissionais técnicos e de enquadramento estudados viveram, em média, 82 anos, os operários ficaram-se pelos 68,8 anos.Acesso à informaçãoAs causas de morte da amostra estudada são as encontradas no país, as doenças cardiovasculares à cabeça, seguidas do cancro. Mas um profissional técnico e de enquadramento que morre de AVC vive, em média, 84,8 anos, ao passo que um operário com a mesma causa de morte se fica, em média, pelos 75 anos. Por detrás destas disparidades estão desigualdades no acesso à informação e recursos (associados a níveis de escolaridade) para a interpretar, nota Ricardo Antunes, a propósito das conclusões deste estudo que são a sua tese de doutoramento, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, mas cujos resultados preliminares já foram publicados pelo Observatório das Desigualdades do CIES. Enquanto as pessoas de estratos socioeconómicos mais elevados aproveitam a reforma para adoptar comportamentos mais saudáveis e prevenir doenças, os operários tendem a manter os seus comportamentos de risco até ao final da vida.É entre os operários que Ricardo Antunes encontrou hábitos tabágicos que começaram mais cedo, por volta dos 14/15 anos, e são mais frequentes - com consumos iguais ou superiores a dois maços por dia - e um consumo de álcool mais alto. Nos óbitos prematuros, assim chamados porque ocorreram antes da reforma, 43,6 por cento são de operários. O género tem aqui um papel e as mulheres, mesmo pertencendo a classes mais desfavorecidas, cumprem a regra geral e vivem mais do que os homens do seu estrato social.O investigador analisou outros grupos sociais, como os empresários, dirigentes e profissionais liberais, uma categoria que é enganadora quanto ao grau de escolarização, baixo nesta faixa etária. Muitos empresários não têm mais do que a quarta classe, explica. Apesar de ser uma classe com recursos financeiros e estes poderem ser transformados em casas mais seguras, por exemplo, com barras para as banheiras, ou mais aquecidas, a adopção de estilos de vida mais saudáveis, traduzidos na alimentação e no exercício físico, é mais frequente em pessoas mais escolarizadas, nota. Ter dinheiro não basta. "É o casamento entre recursos materiais e bons níveis escolares que potencia os resultados bons em saúde", diz o investigador.O fenómeno das desigualdades na saúde associado a diferenças sociais não é típico de Portugal e tem sido encontrado em muitos outros estudos internacionais, afirma. "Cá são diferentes, comparando com países mais igualitários, como a Suécia ou a Finlândia". Porém, "todas as medidas que combatem desigualdades nos rendimentos têm efeitos na saúde", remata Ricardo Antunes.
Um doente numa aldeia do Alentejo está mais longe de um hospital do que alguém a viver no centro de Lisboa. Porém, as grandes desigualdades na saúde têm mais a ver com a classe social a que se pertence do que ao local geográfico onde se vive, revela a investigação do sociólogo Ricardo Antunes. O estudo encontrou diferenças de longevidade de mais de dez anos entre os mais ricos e escolarizados e os mais pobres e com menos instrução.O autor do estudo Classes Sociais e a Desigualdade na Saúde foi tentar conhecer "as histórias de vida" através de processos clínicos de uma amostra de 1935 pessoas. O investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), do Instituto Universitário de Lisboa, escolheu pessoas que morreram em 2004, num hospital de Beja e noutro de Lisboa, o que acabou por lhe dar um retrato de uma geração portuguesa que nasceu por volta das décadas de 1920 a 1930 e morreu com cerca de 70 a 80 anos. E as disparidades na doença e na morte são muitas.A grande conclusão do seu estudo, que foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, é que "a classe é mais importante que a geografia para explicar desigualdades em saúde". Comparando a longevidade dos chamados profissionais técnicos e de enquadramento - categoria que inclui as profissões mais qualificadas e que exigem licenciatura, como professores, advogados, e engenheiros -, com a dos operários, constata-se que a diferença de tempo de vida é, em média, de 13,8 anos em Lisboa e 11,5 em Beja. Isto significa que os mais ricos e qualificados viveram, em média, mais de uma década do que os mais pobres e com menos qualificações. Enquanto os profissionais técnicos e de enquadramento estudados viveram, em média, 82 anos, os operários ficaram-se pelos 68,8 anos.Acesso à informaçãoAs causas de morte da amostra estudada são as encontradas no país, as doenças cardiovasculares à cabeça, seguidas do cancro. Mas um profissional técnico e de enquadramento que morre de AVC vive, em média, 84,8 anos, ao passo que um operário com a mesma causa de morte se fica, em média, pelos 75 anos. Por detrás destas disparidades estão desigualdades no acesso à informação e recursos (associados a níveis de escolaridade) para a interpretar, nota Ricardo Antunes, a propósito das conclusões deste estudo que são a sua tese de doutoramento, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, mas cujos resultados preliminares já foram publicados pelo Observatório das Desigualdades do CIES. Enquanto as pessoas de estratos socioeconómicos mais elevados aproveitam a reforma para adoptar comportamentos mais saudáveis e prevenir doenças, os operários tendem a manter os seus comportamentos de risco até ao final da vida.É entre os operários que Ricardo Antunes encontrou hábitos tabágicos que começaram mais cedo, por volta dos 14/15 anos, e são mais frequentes - com consumos iguais ou superiores a dois maços por dia - e um consumo de álcool mais alto. Nos óbitos prematuros, assim chamados porque ocorreram antes da reforma, 43,6 por cento são de operários. O género tem aqui um papel e as mulheres, mesmo pertencendo a classes mais desfavorecidas, cumprem a regra geral e vivem mais do que os homens do seu estrato social.O investigador analisou outros grupos sociais, como os empresários, dirigentes e profissionais liberais, uma categoria que é enganadora quanto ao grau de escolarização, baixo nesta faixa etária. Muitos empresários não têm mais do que a quarta classe, explica. Apesar de ser uma classe com recursos financeiros e estes poderem ser transformados em casas mais seguras, por exemplo, com barras para as banheiras, ou mais aquecidas, a adopção de estilos de vida mais saudáveis, traduzidos na alimentação e no exercício físico, é mais frequente em pessoas mais escolarizadas, nota. Ter dinheiro não basta. "É o casamento entre recursos materiais e bons níveis escolares que potencia os resultados bons em saúde", diz o investigador.O fenómeno das desigualdades na saúde associado a diferenças sociais não é típico de Portugal e tem sido encontrado em muitos outros estudos internacionais, afirma. "Cá são diferentes, comparando com países mais igualitários, como a Suécia ou a Finlândia". Porém, "todas as medidas que combatem desigualdades nos rendimentos têm efeitos na saúde", remata Ricardo Antunes.
PÚBLICO - Catarina Gomes
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Qualquer dia, até a morte deixará de ser igual para todos...
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