Justiça sem meios no caso BPN
É o mais importante processo de criminalidade económica julgado em Portugal. Mas nem há armários para tanta papelada.
Tem 70 volumes e 700 apensos e milhares de documentos em ficheiros informáticos encriptados. O juiz-presidente pediu à direcção geral da administração da justiça armários para colocar os volumes na sala de audiência. Pediu também um funcionário judicial para apoiar no acesso aos milhares de documentos. Mas tudo foi negado. Desolado, Luís Ribeiro desabafou perante os arguidos, advogados e jornalistas: "A justiça está dependente do poder político. Só faz o que a deixam fazer".
Diário de Notícias
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Já não há volta a dar-lhe. O sinais alarmantes da degradação do regime democrático são cada vez em maior número. O que antes se cozinhava nos segredos dos gabinetes, passou, sem qualquer decoro, a exibir-se às claras, como se os dirigentes políticos já tivessem assumido que os portugueses estão rendidos a uma resignação paralisante, perante o desbragamento das instituições. Quando o juiz titular do mais importante processo judicial de criminalidade económica confessa, desolado, que a justiça está dependente do poder político, e que só faz o que a deixam fazer, está a denunciar a quebra de um dos valores mais importantes da democracia, a total independência do poder judicial, em relação ao poder político e ao poder económico.
É antiga, a pulsão dos dois últimos governos do Partido Socialista em tentar controlar a justiça, promovendo a sua governamentalização, indo ao ponto de se ter pretendido, em tempos, retirar ao Ministério Público a competência no estabelecimento das prioridades da investigação criminal, o que muito conviria a quem andou acossado pela justiça naqueles casos mediáticos em que eram evidentes os sinais da prática de graves delitos criminais. Agora, surge este criativo expediente de negar o apoio logístico indispensável ao tratamento de um processo judicial, volumoso e complexo, jugulando a funcionalidade da justiça. Percebe-se a intenção. É importante que o caso do BPN, na sua tramitação judicial, não surja aos olhos da opinião pública como uma condenação de toda uma classe política que, através dos dois maiores partidos, se assenhoreou do poder do Estado, para proveito próprio, num conúbio escandaloso com os lobies e as clientelas partidárias. É incomensurável o valor das secretas fortunas, construídas pelo compadrio entre os políticos e os homens de negócios, com nítido prejuízo para o Estado e para os cidadãos. E eu já não vejo, sinceramente, que o regime se reforme a si próprio, no sentido de moralizar a acção governativa, que já chafurda no terreno pantanoso da criminalidade clandestina. E para que nada seja descoberto, torna-se necessário transformar os juízes em comissários políticos da justiça.
O juiz Luís Ribeiro já é uma peça fora do baralho.
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