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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Notas do meu rodapé: Sem médicos, o Serviço Nacional de Saúde não pode funcionar...


Reforma dos Cuidados de Saúde Primários é apontada como uma das mais importantes de sempre no sector da Saúde em Portugal.
Segundo o "Jornal de Negócios", as Unidades de Saúde Familiar(USF), que começaram a ser criadas há quatro anos, permitiram atribuir médico de família a mais de 400 mil portugueses. Graças à reorganização dos centros de saúde, que passa pelo alargamento das listas de doentes por parte dos médicos, centenas de utentes passaram a ter um clínico fixo que os acompanha ao longo da vida.
Ainda assim, há cerca de 500 mil portugueses que continuam sem médico de família e muitos especialistas acreditam que, apesar da reforma, muitos mais perderão o seu médico.
Diário de Notícias
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O grande problema do Serviço Nacional de Saúde é a crónica falta de médicos nos cuidados de saúde primários (Centros de Saúde), que se constituem no eixo estruturante de todo o sistema. Ao longo dos anos, e contando apenas com os recursos humanos existentes,várias tentativas têm sido feitas para contornar o problema, implementando projectos que não deram qualquer resultado, como foi o caso do Projecto Alfa, ou tentando reestruturar todo o sistema dos cuidados de saúde primários, como foi o caso da criação dos centros de saúde de terceira geração, cujo decreto, que os definiu, não chegou a sair do papel.
O projecto da criação das Unidades de Saúde Familiar, apesar de ter avançado no terreno com alguns resultados, vai também fracassar. Sem a admissão no sistema de mais médicos de família, nenhuma reforma sobreviverá, por mais elaborada que seja.
E esta a falta de médicos, assinalada já há muito tempo, e que nos é apresentada pelos responsáveis políticos como se de um fatalismo não controlável se tratasse, tem causas bem definidas e tem culpados. A este propósito, vale a pena reproduzir aqui uma conversa particular, à margem de um evento, na década de oitenta do século passado, entre o primeiro presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e o então ministro da Saúde de um dos governos de Cavaco Silva, Arlindo de Carvalho, e que aquele médico sindicalista me contou.
O presidente do SIM, preocupado com o facto de não entrarem mais médicos de família para o sistema, a fim de garantir, sem sobressaltos, a gradual continuidade geracional, procurou ingenuamente alertar o ministro de que, a manterem-se as políticas de contenção em matéria de recursos humanos, não haveria médicos de família para substituir, dali a trinta e tal anos, a primeira geração de médicos de família, que, entretanto, atingiria a idade de reforma. Raciocínio lógico e premonitório, que até o ministro já antes compreendera, como se deduz da sua alarmada resposta. "Cale-se com isso, doutor, pois por cada médico que metemos nos centros de saúde a despesa dispara". Referia-se o ministro, não só ao vencimento do novo médico, mas também ao consumo que ele iria induzir, com a prescrição de medicamentos e de meios complementares de diagnóstico.
Foi esta visão economicista, que norteou todos os ministros da Saúde, sem excepção, a única causa da actual falta de médicos nos cuidados de saúde primários e que tem como esteio, a montante, o estrangulamento provocado pela imposição de um absurdo e injustificado numerus clausus nas admissões aos cursos de Medicina, e que serve também os interesses de alguns lobies.
Se não se pode formar um exército sem militares, também não pode existir um Serviço Nacional de Saúde sem médicos, sem enfermeiros e outros profissionais do sector.

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