Crónica dos dias contados
[a
propósito das homenagens a Humberto Delgado]
Eu tinha apenas catorze anos de idade, quando vi
pela primeira vez o General Sem Medo. Foi em Lamego, cidade por onde passou, a
caminho de Viseu, onde se realizou um comício da sua candidatura à Presidência
da República. Juntamente, com outra malta do liceu, fui assistir à sua chegada,
ao Largo dos Combatentes da Primeira Guerra Mundial, onde colocou um ramo de
flores na base do imponente monumento ao Soldado Desconhecido. Já não me lembro
bem se ele apareceu fardado e se teve direito a uma Guarda de Honra, formada
por militares do Regimento de Infantaria Nº 9, aquartelado na cidade. Lembro-me
sim, da presença de uma delegação oficial daquela instituição militar, composta
pelo comandante da unidade e por mais alguns oficiais de elevada patente, que
envergavam o uniforme nº1, sinal da importância do ato, no cânone militar.
Tratava-se de um general…
Percebeu-se o embaraço do comandante do regimento, quando, depois da continência devida e de um cumprimento de mão,
conversou brevemente com Humberto
Delgado. A medo, alguns populares bateram palmas. O Medo!... É verdade, o medo!..
Medo de ser preso, medo de perder o emprego, caso se tratasse de funcionários
do Estado. E foi esse mesmo justificado medo que levou algumas pessoas a não se
exporem naquela receção, entre elas alguns notáveis da cidade, republicanos
oposicionistas de longa data e oposicionistas recentes, que perceberam ser
Delgado o homem certo para enfrentar a soberba do sinistro Salazar, perceção
esta que se formou, a partir do momento em que o general, em resposta a uma
pergunta de um jornalista, na conferência de imprensa de apresentação da sua
candidatura, no café Gelo, em Lisboa, lançou para o ar aquela frase assassina,
em relação ao ditador. “Obviamente, demito-o”.
Foi a primeira vez que Salazar caiu da cadeira,
pois aquela frase era uma afronta, que ele sentiu para além do mundo cinzento
da política. Foi o seu orgulho, que ficou ferido de morte. De tal forma, que se
vingou ferozmente, dando ordem à PIDE para assassinar o general.
Aquele grupo de oposicionistas, para fugir à vigilância
dos esbirros, deslocou-se de automóvel, pela estrada que liga Lamego a Viseu, para
um sítio previamente combinado, antes de se chegar a Castro D’ Aire, e tendo aí
esperado o General Sem Medo, para o abraçar e lhe manifestar o seu indefectível
apoio. Num desses abraços, é apanhado o Dr. Abrantes de Cunha, reitor do liceu
e meu professor de Português, professor que eu admirei muito, pois foi pela sua
ação pedagógica e didática, que eu aprendi a Gramática e os fundamentos da Literatura
Portuguesa. Mais tarde vim a reencontrá-lo no Casino Estoril.
A fotografia daquele fatídico abraço ao general
Humberto Delgado, tirada por um fotógrafo profissional da cidade, que a expôs,
juntamente com outras, na montra da sua loja, eriçou imediatamente os esbirros,
que rapidamente a retiraram, tendo-a guardado como prova do delito. Passados
poucos dias, o Dr Abrantes da Cunha era irradiado. Foi demitido das funções de
reitor e foi transferido para o liceu da Covilhã.
Este episódio foi o acontecimento mais doloroso,
que eu relatei no meu romance, “O Bando do Liceu”, um romance que me deu um
grande prazer em o escrever.
4 comentários:
Boa memória e partilha
Já me começa a faltar, Puma. Já não me recordo se, na receção ao General Sem Medo, havia ou não tropas em formatura, para a respetiva guarda de honra.
Obrigado.
Apesar de ter lido o teu belo livro«O Bando do Liceu» já não me lembrava do episódio da transferência do reitor do liceu.É importante relembrar os constrangimentos do antes do 25 de Abril, pois há muitas pessoas que já se esqueceram desse passado hediondo.
mana
Obrigado, mana. Beijinhos.
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