Debaixo de alguma chantagem e amedrontados com efeitos devastadores da crise económica e financeira, os irlandeses deram uma significativa vitória ao Sim, no referendo sobre o Tratado de Lisboa. A chantagem teve o seu epílogo, no último dia de campanha, com a venenosa oferta de 15 milhões de euros, anunciada por Durão Barroso, aos 2.400 ex-empregados da Dell, uma empresa norte-americana, de fabrico de computadores, e que encerrara em Janeiro. O outro tipo de chantagem situou-se ao nível do discurso político dos adeptos do Sim, que, dramatizando ao máximo, transferiram a questão para o errado patamar de transformar o referendo numa escolha entre pertencer ou não pertencer à União Europeia.
Mas foi a crise, que num espaço de um ano virou a Irlanda de pernas para o ar, o motivo da trasferência de votos de muitos eleitores, que no ano passado rejeitaram o Tratado de Lisboa. A estes, há ainda a acrescentar os que se abstiveram no referendo de 2008, e que, agora, com medo da crise, que o actual governo não pode resolver sozinho, votaram no Sim, contribuindo assim para o significativo diferencial de resultados, entre os dois campos.
Se não estava em causa, neste referendo, a escolha da permanência da Irlanda no espaço da UE, como a mensagem subliminar dos adeptos do Sim pretendia sugerir, reconhece-se, contudo, que estava em causa o próprio tratado, que, apesar de já se encontrar ractificado por 24 países (sem qualquer consulta popular), dificilmente sobreviveria a uma rejeição, através de um referendo, mesmo que esse referendo tivesse ocorrido num dos países menos populosos da UE. Seria um desastre total, pois não haveria coragem nem condições políticas para relançar um novo processo de negociação que forjasse um novo acordo para recauchutar o falhado Trado de Nice, a chamada Constituição Europeia, que foi o que se fez no Tratado de Lisboa.
A necessidade de avançar com um novo quadro institucional, que responda à nova geografia da UE e aos desafios das grandes mudanças, ocorridas no mundo, desde a queda do Muro de Berlim, e agora mais acentuadas com a grande crise internacional, tem esbarrado com a desconfiança dos cidadãos europeus, em relação à falta de democracia neste processo. Nem sequer o Parlamento Europeu, a única instituição da UE que pode reclamar a força da representatividade popular, através do voto, teve um papel destacado na formulação deste tratado. Tudo foi concertado entre os países, no Conselho Europeu, com a mediação da Comissão Europeia. E sem democracia, por muito que isto desagrade a Bruxelas, a União Europeia arrisca-se a ser um projecto falhado. Se os irlandeses tivessem mantido a sua rejeição ao Tratado de Lisboa, teriam dado uma estocada fatal à UE.
Sem comentários:
Enviar um comentário