Deixar o euro "lixaria" Portugal por uma década"
Os portugueses devem aceitar o resgate financeiro internacional e o país manter-se na zona euro mas no futuro poderá ter de ser mais responsável perante restantes contribuintes europeus, defende o economista britânico Will Hutton.
O analista político alerta os portugueses que têm pedido uma revolta à imagem dos islandeses, que recusaram em referendo o reembolso ao Reino Unido e Holanda pelos reembolsos dos bancos e se têm manifestado contra a assistência financeira a Portugal.
Diário de Notícias
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Will Hutton, um defensor da entrada da Grã-Bretanha no clube do euro, aconselha os portugueses a manter a moeda única. No entanto, não avança com nenhum argumento da ciência económica para sustentar a sua opinião, o que a torna muito duvidosa. Julgo tratar-se mais de uma opção política, ditada por outros inconfessados interesses, do que de uma reflexão fundamentada na teoria económica. Falou como um político e não como um economista.
E para o contrariar, socorro-me do parecer emitido pelos economistas, seus compatriotas, do Centre for Economics and Business Research (Centro para a Investigação Económica e Empresarial), uma entidade independente, convidada pelo governo da Grécia, em Abril do ano passado, para se pronunciar sobre a crise grega, então no seu auge. Estes economistas, contrariando o pensamento político-económico dominante, que defende o establishment, recorreram a um argumento simples e objectivo, que não é difícil de entender pelas pessoas que apenas tenham conhecimentos rudimentares de economia, o que é o meu caso.
Perante as duras medidas de austeridade, impostas ao povo grego, centradas na obsessão da correcção do défice orçamental, aumentando as receitas, através do aumento dos impostos, e reduzindo as despesas, forçando a diminuição dos salários, aqueles economistas alertaram que essas medidas iriam estrangular a economia durante muitos anos, por via da redução do poder de compra e do consumo interno, ao mesmo tempo que, com uma moeda muito valorizada, como é o euro, seria difícil expandir as exportações, a um nível que permitisse um saldo positivo na balança de transacções correntes, com que se pagasse as dívidas contraídas.
Desde o ano passado, e a propósito dos constrangimentos impostos pelos sucessivos PEC, eu interrogava-me sempre sobre o que seria a economia portuguesa, depois de destruída a estrutura empresarial de bens e serviços, vocacionada para o consumo interno, quando, em 2013, para a satisfação dos mandantes da União Europeia, o défice orçamental alcançasse os 2,6% do PIB. Também num recente e longo artigo sobre a história recente da economia portuguesa, na sua parte final, eu advogava a hipótese da saída do euro, precisamente baseado no argumento de que, uma vez recuperado o pilar da política monetária e cambial, com a adopção de uma moeda nacional, o governo poderia a todo o momento decretar a sua desvalorização, para promover o aumento das exportações e diminuir as importações, pois os bens produzidos no estrangeiro ficariam, deste modo, mais caros, e que levaria à dinamização da produção de alguns desses produtos em Portugal, com reflexos directos na criação de novos empregos. Nesta perspectiva, também os bens de luxo, só acessíveis às classes mais ricas, deixariam de sobrecarregar negativamente a balança comercial.
É certo que os sacrifícios não seriam evitados, mas com a desvalorização da moeda, eles seriam mais equitativos, do que aqueles que foram impostos pela parelha José Sócrates/Teixeira dos Santos, que a História um dia irá julgar como suicidas (agentes causais da própria ruína). Além disso, os sacrifícios seriam compensados com a perspectiva animadora de um horizonte temporal de recuperação rápida da economia, que permitisse o regresso à normalidade, o que não acontecerá se Portugal mantiver o euro como moeda. Com a ortodoxia do FMI e com as duras medidas que irá terapeuticamente aplicar, Portugal não chegará a ver a luz ao fundo do túnel. Da Grécia e da Irlanda, onde o FMI, pela mão da UE, interveio, já chegam sinais alarmantes, ao ponto de começar a admitir-se a reestruturação das suas dívidas soberanas, hipótese considerada absurda, até há uns dias atrás, pelos dirigentes europeus e pelos papagaios que debitam de cor nas televisões os últimos comentários do The Economist.
O euro, ao ser adoptado, só veio agravar o crescimento do endividamento externo do Estado Português, que se iniciou naquele fugaz período de crescimento económico, entre 1995 e 2000, mais na base do aumento do consumo interno de bens não transacionáveis, do que no aumento das exportações. A partir do início do novo século, o endividamento disparou e os défices orçamentais começaram a crescer, uma vez que a economia não gerava riqueza suficiente para sustentar, através dos impostos, as colossais despesas do Estado, umas plenamente justificadas, como as referentes ao Serviço Nacional da Saúde e às da Educação, cada vez mais a requerem crescentes recursos financeiros, e outras, infelizmente desnecessárias, e que reportam à suicida gestão dos dinheiros públicos, principalmente no período dos governos de José Sócrates.
O euro foi arquitectado para responder aos interesses das economias dos países mais ricos da Europa, que a ele aderiram, principalmente as da Alemanha e da França. Sem problemas em dinamizar as suas exportações, mesmo com uma moeda forte, já que as suas economias apresentavam elevadas taxas de produtividade, o que não acontece nas economias periféricas, o euro, fortemente valorizado em relação ao dólar, permitia-lhes no mercado bolsista atrair avultados capitais, em benefício das suas balanças de transacções correntes.
Mas o euro, ao nascer, trazia dentro de si duas contradições, que muitos economistas assinalaram na altura, ao preconizarem que não poderia haver uma união monetária, sem, em primeiro lugar, se construir uma união política. E essa união política é muito difícil de alcançar, já que a Europa é um cadinho de exacerbados nacionalismos, que nem pelas armas, Carlos Magno, Napoleão ou Hitler conseguiram dominar. Ingenuamente ou não, os dirigentes europeus julgavam que, com o compressor do euro, a união política seria, no futuro, mais fácil. As crises recentes das dívidas soberanas e dos défices orçamentais gigantescos vieram demonstrar o contrário.
A segunda contradição, já aqui assinalada, baseia-se na ausência de uma política orçamental comum, peça importante, numa óptica europeísta, para poder administrar correctamente a moeda única. O recurso urgente e precipitado, que a comissão europeia vai tentar, no sentido de controlar os orçamentos nacionais, quer na sua elaboração, quer na sua execução, já é tardia e insuficiente.
Perante este panorama muito sombrio, que os actuais dirigentes europeus tentaram disfarçar, transferindo hipocritamente os problemas para os países da periferia, vão desembocar na hecatombe do euro. No próximo ano, quando a autoridade monetária americana valorizar o dólar (como já está prometido), para suster a fuga de capitais, e perante a iminência da eclosão de uma nova crise, já prevista por alguns economistas, o euro vai mostrar todas as suas fraquezas e demonstrar que a União Europeia é um gigante com pés de barro, como também já aqui assinalámos.
Tivesse Portugal, em conjugação de esforços com a Grécia e a Irlanda, explorado estas fraquezas da União Europeia, cuja sustentabilidade está seriamente ameaçada pelo real e provável incumprimento de alguns daqueles países, e exigido a dilatação dos prazos para a rectificação dos défices orçamentais e a renegociação e reestruturação das dívidas soberanas, e os portugueses não teriam de sofrer aquilo que vão sofrer, durante muitos anos.
Alexandre de Castro
1 comentário:
Em relação a um comentário de um leitor a este artigo, deixado no Facebook, na página "Fórum das Gerações - 12/3 e o Futuro" (da geração à rasca), e em que ele afirmava que Portugal nunca deveria ter aderido à moeda única, respondi o seguinte:
"Tem razão, Carlos Ferreira. Em 1999, quando da adesão ao euro, os economistas e políticos portugueses deveriam ter percebido que, com uma moeda forte, a economia portuguesa iria ter problemas de sustentabilidade, já que, apesar do PIB per capita ter reduzido o diferencial em relação à média europeia, a taxa de produtividade afastava-se cada vez mais. E a taxa de produtividade é, sem dúvida, o melhor índice para avaliar a saúde de uma economia. A adesão ao euro foi um erro estratégico colossal. A partir daí, acentuou-se o endividamento e os défices orçamentais agravaram-se".
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