Se a adesão à então CEE foi de uma grande utilidade para Portugal, pois permitiu, através da utilização dos diferentes fundos, o seu apetrechamento com infra-estruturas fundamentais para o seu desenvolvimento económico, ao mesmo tempo que possibilitou o financiamento de projectos de grande dimensão, considerados estruturantes e fundamentais para a modernização do país, o mesmo não se pode dizer da sua adesão à moeda única, que foi adoptada num período em que a economia portuguesa já dava sinais claros de um enfraquecimento estrutural, embora essa evidência não fosse admitida pelos políticos nem por economistas agregados ao sistema (leia-se, enfeudados à redutora cartilha do neoliberalismo), que, na altura, preferiram, alegremente, apontar causas conjunturais para o declínio da actividade económica. E essa miopia saiu cara ao país.
A primeira década do novo século foi uma década perdida, e o mesmo poderá vir a acontecer com a década actual, tal é a dimensão do grande atoleiro em que o país se encontra. Uma política errática e inconsistente, mais preocupada com o espectáculo mediático do que com o rigor da governação e com a acção de um primeiro-ministro, contumaz e reincidente na mentira, a passar metade do seu primeiro mandato a defender-se histrionicamente das graves acusações de ilicitude, de que era alvo, e a outra metade a governar para a campanha eleitoral, conduziram o país a este estado.
De nada vale invocar a crise de 2008 para explicar a actual crise financeira, nem falar dela como se tratasse de uma entidade etérea, sem rosto e sem culpados. A actual crise financeira resulta da inépcia dos governantes, alguns desonestos, do seu indesculpável descuido e da sua incapacidade de projectar no futuro as consequências das acções e das omissões assumidas em cada momento da governação. Mas, para melhor compreender o que está a acontecer, indo à raiz dos problemas, e abdicando da superficialidade da análise, é necessário traçar o panorama da evolução económica dos últimos sessenta anos.
Uma economia baseada nos baixos salários e pouco valor acrescentado
Genericamente, poder-se-á afirmar que a economia portuguesa, na segunda metade do século XX, caracterizou-se por um longo período de crescimento, apenas interrompido por alguns períodos de abrandamento, como aconteceu em 1973-85 e em 1991-94. A partir de 2000, o crescimento tem sido sempre medíocre. Portugal empobreceu cerca de seis por cento nos oito primeiros anos do novo século. E é, tendo por pano de fundo este panorama mais alargado, que poderá compreender-se o que de dramático está a acontecer na actualidade. Em todo este período considerado, podemos eleger o factor principal que alavancou esse crescimento e que, por reflexo, determinou, também, a sua inversão. É um factor de ordem estrutural e endémico, de que o país nunca conseguiu libertar-se. A economia portuguesa baseou sempre a sua produtividade e a sua competitividade em relação ao exterior na prática continuada de uma política de baixos salários. Apenas no período entre 1986-91 (uma mini-idade de ouro) se verificou uma intensificação de valor acrescentado, através da aplicação de uma política empresarial, baseada em alguma inovação e desenvolvimento tecnológico. Coisa pouca, que não conseguiu retirar o país da cauda da desenvolvida Europa, onde, em vão, se projectaram todas as expectativas. Em 2000, o PIB per capita português atingia os 60 por cento do PIB per capita dos países mais desenvolvidos, sendo este o valor mais elevado de sempre, quando, em 1973, depois de 30 anos de crescimento consistente e ininterrupto, aquele valor era de 50 por cento. Durante a ditadura, e após a II Guerra Mundial, o PIB nacional aumentou, ano após ano, devido às favoráveis condições externas. A Europa, em reconstrução, aumentou a procura, constituindo-se assim no factor decisivo para o incremento das nossas exportações. A industrialização, muito a contragosto do ditador, foi avançando timidamente. Protegidos pela política de condicionamento industrial, os industriais estavam a salvo da concorrência externa, dispondo do mercado interno a seu belo prazer. Este proteccionismo, se foi útil inicialmente, veio a revelar-se desastroso posteriormente, já que não estimulou a capacidade de iniciativa dos empresários nem os preparou para actuarem num universo concorrencial, onde o risco tem de ser permanentemente calculado. A adesão à EETA, em 1960, de que Portugal foi um dos membros fundadores, também permitiu penetrar nos mercados dos países nórdicos e aprofundar as tradicionais relações económicas bilaterais com a Grã-Bretanha. A crise do petróleo, em 1973, veio interromper este ciclo de crescimento económico.
Por sua vez, o acentuado crescimento verificado entre 1986-90 deveu-se, sobretudo, à adesão da então CEE, que permitiu o incremento das exportações para aquele alargado espaço económico e a captação de avultadas verbas dos fundos estruturais, uma autêntica galinha de ovos de ouro, que, não foi sabiamente aproveitada, já que os governantes e os empresários não tiveram a ousadia de mudar o paradigma da economia, que, para ser sustentadamente mais competitiva a longo prazo, teria de apostar a fundo na educação e na formação profissional, a fim de ganhar massa crítica ao nível do emprego. Foi através dessa via que a Finlândia saiu de uma crise profunda, o que levou um dos seus presidentes a afirmar que a maior riqueza do país residia na qualificação dos seus cidadãos, já que o país não tinha recursos naturais suficientes para gerar riqueza.
Nesse período, a economia portuguesa também beneficiou do aumento da procura global, da baixa do valor do dólar, das remessas dos emigrantes e de uma política orçamental expansionista, factores que, na actualidade, sofreram uma grande inversão. A inflação, determinada pelo sobreaquecimento da economia, e a aplicação de uma política monetária e cambial restritiva (desvalorização do escudo), para a combater, conduziram ao abrandamento do crescimento económico entre 1990-92 e à crise subsequente de 1993-94. O tímido crescimento obtido entre 1995 e 2000 já não assentou no mesmo molde do crescimento verificado entre 1986-90, o tal período que foi considerado, embora erradamente, um caso de sucesso, e erradamente, porque, como já se referiu, não se aproveitaram aquelas condições excepcionais para fazer a revolução estrutural (o paradigma) do Estado, das empresas e da própria sociedade. Nos últimos cinco anos do século XX, as exportações começaram a diminuir, passando a ser o consumo interno (o público e o privado) o motor da economia. A política de privatizações permitiu reduzir a dívida pública, contraída na década anterior, para garantir o investimento em grandes obras públicas e o funcionamento do Estado (salários dos funcionários, saúde e educação). A redução da dívida pública para 60 por cento do PIB era uma condição necessária para aderir ao clube do euro. A baixa das taxas de juro também contribuiu para o aumento do consumo das famílias em bens duradouros.
Mas é também no dobrar do século que ocorrem três fenómenos que vieram a revelar-se desastrosos para a economia, e cujas consequências o país está agora a pagar. O primeiro foi a adesão ao euro, apresentada na altura como a receita milagrosa para todos os nossos males, pois generalizou-se em toda a sociedade a convicção de que, emparceirando com os países ricos, através de uma moeda comum, o país estaria a salvo, com pouco esforço próprio, de todas as tempestades que viessem a ocorrer, o que, passados dez anos, a realidade se encarregou de desmentir.
Os outros fenómenos referidos reportam às sucessivas execuções orçamentais negativas, com o défice entre a despesa e a receita a crescer, durante toda a primeira década do novo século, e o reinício da política de um progressivo endividamento, que, em 2011, já representa 90 por cento do PIB. Com a economia a diminuir o seu crescimento, devido à queda progressiva das exportações, e a não gerar impostos suficientes, que permitissem a sustentabilidade da despesa do Estado, o recurso à venda de dívida foi o expediente utilizado para iludir a grave situação que começava a desenhar-se, e que não foi percebida pelos responsáveis políticos e pelos agentes económicos. Como os juros estavam baixos, os três primeiros-ministros deste século (Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates) não se preocuparam em fazer as reformas necessárias a nível orçamental, que promovessem o aumento das receitas e a diminuição da despesa. Vocacionados para as políticas eleitoralistas, preferiram recorrer ao endividamento do país, escondendo os problemas, que se agudizavam, e adiando a sua resolução. Foi necessário surgir a crise económica de 2008 e a crise financeira na Europa do euro, para que o governo de José Sócrates, apressada e cegamente, aplicasse um programa de saneamento das finanças, que atingiu em cheio os portugueses de menores rendimentos e amputou funcionalidades de alguns serviços do Estado. Institucionalizando a mentira e os golpes da baixa política, José Sócrates não conseguiu reduzir o défice orçamental para o nível das metas previstas e, numa aventura suicida, de fuga para a frente, endividou mais o país, sobrecarregou a dívida com mais juros, aumentou o desemprego, diminuiu as prestações sociais à população mais carenciada e condenou a economia a uma anemia crónica. As exportações não cresceram o que deveriam crescer, o consumo interno e o investimento diminuíram. Por cada novo pacote de austeridade aplicado, os juros exigidos pelos credores internacionais (principalmente os bancos da Alemanha, da Espanha e da França) aumentavam a ritmo constante, ultrapassando todas as barreiras de segurança. Chegou-se ao ponto crítico de ver os juros dos títulos de dívida de curto e médio prazo igualarem os juros da dívida de longo prazo, que, em condições normais, são mais elevados, por o risco ser maior. Com este ciclo infernal da dívida, ficou comprometido o desenvolvimento económico da presente década.
Alexandre de Castro
Nota: Num próximo artigo, serão abordadas as várias perspectivas para tentar resolver a longo prazo a actual crise, incluindo aquela que admite a saída de Portugal do grupo dos países do euro.
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