Robert McNamara concebeu e conduziu toda a gigantesca máquina de guerra dos Estados Unidos no Vietname, justificando-a, mentido à nação americana sobre a sua inevitabilidade. Distorceu as estatísticas dos mortos em combate, empolou perigos inexistentes, traçou cenários virtuais e utilizou todas as habilidades e manhas para que s a sua obssessão pela guerra não fosse travada. Foi um demagogo, que não teve nenhum escrúpulo em sacrificar toda uma geração de jovens americanos, que foram enviados para o atoleiro do Vietname. Escondeu a sua culpa durante muitos anos e só, já no fim da vida, é que resolveu admitir alguns dos seus erros, mas sem ter tido a coragem de pedir desculpa ao povo americano, ao povo vietnamita e ao mundo.
Com a devida vénia, transcrevemos o excelente texto sobre McNamara, publicado no PÚBLICO de ontem.
******1916-2009 Robert McNamara Uma outra maneira de dizer Guerra do Vietname
12.07.2009-PÚBLICO
Tinha uma energia inesgotável e nas salas de reuniões era um gigante, com uma memória infalível e enorme facilidade para lidar com números (chamaram-lhe "uma máquina IBM com pernas"). Mas a magia com os números tinha um lado negro. Foi acusado de ter manipulando estatísticas e personificou os sucessivos erros de julgamento em que os EUA se enredaram no Sudeste Asiático (chamaram-lhe também "um desastre ambulante"). Robert McNamara foi o cérebro da Guerra do Vietname. Morreu na última semana, aos 93 anos. Por Stephen Braun
Robert McNamara foi o principal e incansável entusiasta da Guerra do Vietname, o secretário de Estado da Defesa dos Estados Unidos que se deslocou mais de quarenta vezes às zonas de combate em representação de dois presidentes norte-americanos. Determinado, cerebral e belicoso, foi o principal responsável político pelo imenso programa de aumento de forças militares dos EUA no Vietname entre 1964 e 1968 e foi quem habilmente arranjou para a imprensa factos e números a dar força aos argumentos que apoiavam o envio de conselheiros militares e, depois, tropas armadas terrestres numa "guerra limitada" destinada a deter o avanço das forças comunistas do Vietname do Norte e dos guerrilheiros do Vietcong em direcção ao Vietname do Sul.Mas McNamara, que morreu na segunda-feira passada, aos 93 anos, na sua casa em Washington, após um período de saúde já debilitada, acabou por lamentar o seu papel no Vietname. Manteve as suas dúvidas para si próprio durante quase três décadas, até finalmente as revelar em público.Em 1995, num livro de memórias, avançou com uma reavaliação cuidadosamente escolhida e detalhada das suas decisões em tempo de guerra. Mais tarde, em 2004, o documentário The Fog of War, premiado com um Óscar, apaziguou alguns dos seus detractores mas enfureceu outros.McNamara foi presidente da Ford Motor Company e chefiou o Departamento da Defesa dos Estados Unidos durante sete anos, nas Administrações dos democratas John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson. No auge da sua influência e durante décadas depois, personificou tanto as promessas iniciais como os sucessivos erros de julgamento em que se enredou a nação norte-americana no conflito do Sudeste Asiático.Na altura em que McNamara abandonou o gabinete da Defesa em 1968, 535 mil homens tinham sido obrigados ou convencidos a alistar-se e quase 30 mil tinham morrido no conflito que se espalhava. No final de mais de uma década de guerra, tinham morrido mais de 58 mil norte-americanos e três milhões de vietnamitas (do Norte e do Sul). As dúvidas privadas de McNamara foram crescendo à medida que o número de mortes de norte-americanos aumentava, acabando por levar à sua saída do Governo.
Robert McNamara foi o principal e incansável entusiasta da Guerra do Vietname, o secretário de Estado da Defesa dos Estados Unidos que se deslocou mais de quarenta vezes às zonas de combate em representação de dois presidentes norte-americanos. Determinado, cerebral e belicoso, foi o principal responsável político pelo imenso programa de aumento de forças militares dos EUA no Vietname entre 1964 e 1968 e foi quem habilmente arranjou para a imprensa factos e números a dar força aos argumentos que apoiavam o envio de conselheiros militares e, depois, tropas armadas terrestres numa "guerra limitada" destinada a deter o avanço das forças comunistas do Vietname do Norte e dos guerrilheiros do Vietcong em direcção ao Vietname do Sul.Mas McNamara, que morreu na segunda-feira passada, aos 93 anos, na sua casa em Washington, após um período de saúde já debilitada, acabou por lamentar o seu papel no Vietname. Manteve as suas dúvidas para si próprio durante quase três décadas, até finalmente as revelar em público.Em 1995, num livro de memórias, avançou com uma reavaliação cuidadosamente escolhida e detalhada das suas decisões em tempo de guerra. Mais tarde, em 2004, o documentário The Fog of War, premiado com um Óscar, apaziguou alguns dos seus detractores mas enfureceu outros.McNamara foi presidente da Ford Motor Company e chefiou o Departamento da Defesa dos Estados Unidos durante sete anos, nas Administrações dos democratas John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson. No auge da sua influência e durante décadas depois, personificou tanto as promessas iniciais como os sucessivos erros de julgamento em que se enredou a nação norte-americana no conflito do Sudeste Asiático.Na altura em que McNamara abandonou o gabinete da Defesa em 1968, 535 mil homens tinham sido obrigados ou convencidos a alistar-se e quase 30 mil tinham morrido no conflito que se espalhava. No final de mais de uma década de guerra, tinham morrido mais de 58 mil norte-americanos e três milhões de vietnamitas (do Norte e do Sul). As dúvidas privadas de McNamara foram crescendo à medida que o número de mortes de norte-americanos aumentava, acabando por levar à sua saída do Governo.
Figura dinâmica
Em Washington, McNamara era uma figura dinâmica, a quem os típicos óculos de fina armação metálica e um cabelo cuidadosamente penteado e com risca ao lado davam a aparência de um professor debaixo de tensão. Em boa condição física e com uma energia inesgotável, McNamara conquistou os presidentes Kennedy e Johnson com o seu persistente optimismo, profundas capacidades de organização e gestão e conhecimento das zonas obscuras da burocracia que lhe conferiam destaque e amedrontavam os seus rivais. Nas salas de reuniões era um gigante, equipado com uma memória infalível e uma facilidade para lidar com números que lhe permitiam dominar conselhos de ministros e audições no Congresso. Logo nos primeiros tempos, o senador republicano Barry Goldwater Jr., espantado, afirmou que ele era "um dos melhores secretários que já houve, uma máquina IBM com pernas". Mais tarde Goldwater alterou a sua opinião, fazendo eco dos generais veteranos que achavam que McNamara era "um desastre ambulante". Numa famosa reunião de 1961, McNamara absorveu uma complexa apresentação de uma hora sobre limitação nuclear dada por um especialista do RAND Institute, olhou por alto para 54 slides recheados de detalhes, e rapidamente decidiu abandonar a política da Administração Eisenhower de apontar mísseis nucleares às cidades russas - mudou os alvos, que seriam agora as instalações militares soviéticas. Sem qualquer discussão, a sua chamada "doutrina ao correr da pena" iniciou a política de counterforce [em que, numa guerra nuclear, os alvos seriam as instalações militares e industriais, deixando de lado as zonas civis] que iria dominar a estratégia militar dos Estados Unidos durante os quarenta anos que se seguiram, escreveu a biógrafa Deborah Shapley. Mas a magia de McNamara com os números tinha um lado negro. Os adversários acusaram-no de ter enganado os seus superiores na Presidência e o público norte-americano, manipulando as estatísticas - desde a "contagem de cadáveres" das vítimas em campo de batalha até à minimização das estimativas do poder das tropas inimigas - e apresentando um retrato falsamente optimista das muito sinistras perspectivas futuras da guerra. "A lealdade de McNamara era para com os seus chefes e não para com a verdade. Ele mentiu-lhes. Pessoas que estavam sob a sua responsabilidade mentiam. Ele fez isso com Kennedy e fez isso com Eisenhower, e só quando foi empalado com o fracasso da guerra é que não soube o que fazer", declara David Halberstan, que denunciou McNamara como um "idiota" no livro The Best and The Brightest, de 1972, um relato sobre os oficiais de altas patentes que pressionaram a favor do envolvimento dos Estados Unidos no Vietname.
Teoria do dominó
McNamara era o arquétipo de uma nova vaga de especialistas em gestão que se destacaram em Washington durante a década de 1960. Rodeou-se de um bando de analistas que ficaram conhecidos como os seus whiz kids [jovens excepcionalmente brilhantes e/ou bem sucedidos], e estes tiveram um papel preponderante na recolha e compilação dos classificados Pentagon Papers, um exaustivo relatório da entrada dos Estados Unidos no Vietname que McNamara secretamente encomendou em 1967.Inchado de confiança em si próprio, McNamara transformou o Departamento de Defesa num gigantesco feudo militar e civil que assim se mantém até hoje. Mas foi o Vietname que o definiu, desde a sua determinada supervisão dos primeiros contingentes de conselheiros "boinas-verdes" enviados pela Administração para o Vietname do Sul em 1961 até às suas dúvidas privadas que levaram a que Johnson o substituísse como secretário de Estado da Defesa. Quando o senador Wayne Morse, democrata do estado do Oregon que se opunha à guerra, disse em 1965 que o conflito no Vietname se transformara na "Guerra de McNamara" - uma sarcástica referência à canção McNamara's Band ["A Banda de McNamara"], popularizada por Bing Crosby em 1945 -, o secretário de Estado da Defesa não teve o menor pejo em aceitar a frase como um cumprimento. "Não me importo nada que lhe chamem a 'Guerra de McNamara'", disse a um jornalista. "Na realidade, estou orgulhoso de que me associem a ela." Mas em 1968, após se ter oposto ao continuar da escalada militar e ter proposto um congelamento na quantidade de tropas, McNamara viu-se afastado por Johnson, e logo depois nomeado presidente do Banco Mundial, cargo que manteve durante 13 anos até se reformar em 1981. McNamara manteve as suas dúvidas para si próprio durante quase três décadas, mas finalmente veio a público em 1995 com um livro de memórias que metodicamente ia desconstruindo muitas da suas anteriormente acarinhadas presunções e decisões marcantes. Identificar os errosNo seu livro In Retrospect: The Tragedy and Lessons of Vietnam questionou a chamada "teoria do dominó", que receava que a perda do Vietname do Sul levaria a uma sucessão de conquistas comunistas no resto do Sudeste Asiático. McNamara reconheceu que ele e outros membros da Administração norte-americana tivessem avaliado mal o apoio popular à Frente de Libertação Nacional de Ho Chi Minh e sobrestimado os limites da capacidade militar dos Estados Unidos. "O meu objectivo não é justificar erros ou apontar culpados, mas identificar os erros que cometemos", escreveu.Mas a sua linguagem cuidada e o desejo de informar sem admitir culpa não conseguiram equilibrar a formidável influência emocional que a guerra continuava a exercer no espírito norte-americano. Numa curta digressão de conferências, McNamara viu-se confrontado com implacáveis veteranos do Vietname e familiares dos mortos. Manteve os seus pensamentos privados bem sob controlo, mas a sua face acossada denunciava-os. Parecia "um fantasma de todos os que morreram e foram esmagados por este país em pouco mais de uma geração", escreveu Paul Hendrickson, num devastador retrato de McNamara na terceira-idade.McNamara aproveitou uma última oportunidade para salvar a sua reputação, sentando-se para uma série de entrevistas filmadas com o realizador Errol Morris que resultaram em The Fog f War.Quando Morris lhe perguntou por que razão ele não tinha falado publicamente sobre as suas dúvidas enquanto a guerra ainda decorria, McNamara manteve-se firme: "É este tipo de perguntas que me mete em sarilhos", respondeu. "Muita gente não compreendeu a guerra, não me compreendeu. Muita gente pensa que sou um filho-da-mãe."Robert Strange McNamara nasceu a 9 de Junho de 1916 em São Francisco. Foi aluno de 20 mas também um atleta disciplinado e escuteiro, corria e fazia longas caminhadas. Mais tarde desenvolveu um interesse por montanhismo e escalada, e durante os anos que passou no Governo escalou o Matterhorn, de 4500 metros, nos Alpes suíços.Após frequentar a Universidade da Califórnia em Berkeley entrou em 1937 para a Graduate School of Business Administration da Universidade de Harvard, onde se mostrou excelente aluno em técnicas de gestão e de contabilidade. Aceitou um lugar de professor em Harvard, onde também se casou com Margaret Craig, uma velha amiga de São Francisco.Alistou-se como voluntário para a Marinha após o ataque japonês a Pearl Harbor em 1941 mas foi recusado devido a problemas de visão. As suas capacidades para a estatística tornaram-no porém valioso para o esforço de guerra: em 1943 foi-lhe concedida uma comissão temporária como capitão, durante a qual trabalhou para melhorar a precisão dos bombardeiros de longo alcance B29 que lançaram toneladas de bombas incendiárias sobre cidades japonesas.Após a guerra, McNamara considerou regressar a Harvard, mas quando ele e a mulher foram afectados por um breve surto de poliomielite, aceitou uma oferta mais bem remunerada na Ford Motor Company. Aí, juntou-se a um círculo restrito de jovens assistentes contratados pelo presidente da administração Henry Ford II para darem uma sacudidela na companhia com análises estatísticas, o uso rigoroso de números para perceber tendências e melhorar sistemas.O grande fiasco de 1958 da Ford, o Edsel, foi lançado sob a sua supervisão, mas McNamara foi lesto a fechar a linha de produção e a limitar as perdas. Subiu rapidamente até às chefias superiores da Ford e em 1960 tornou-se o primeiro presidente da administração da companhia vindo de fora da família Ford.A sua estadia à frente dos destinos da Ford foi curta. Democrata que se movia nos meios empresariais fortemente republicanos de Detroit, McNamara recebeu a oferta de uma pasta governamental na nova Administração Kennedy: Defesa ou Finanças. McNamara escolheu a Defesa.O Vietname foi uma sombra logo desde o início. O Presidente cessante, Dwight Einsenhower, avisara Kennedy acerca do Vietname e Kennedy reagiu, ordenando a McNamara e aos seus generais que criassem uma estratégia militar para segurar o corrupto e vacilante regime sul-vietnamita de Ngo Dinh Diem. Ao princípio, delinearam um cauteloso programa de ajuda limitada, enviando 400 "boinas-verdes" para treinar as tropas sul-vietnamitas. Este contingente era a vanguarda de uma força que cresceu até aos 17 mil homens por altura do assassínio de John Kennedy, três semanas após Diem ter sido morto num golpe em Novembro de 1963. Mas nas reuniões a nível interno McNamara pressionava para que a presença dos Estados Unidos fosse aumentada para 200 mil efectivos.
Assassínio de Kennedy
McNamara estava convencido de que "os dominós cairão uns após os outros se perdermos o Vietname", afirmou pesarosamente, olhando em retrospectiva aquando de uma série de entrevistas dadas em Berkeley em 1996. "Essa era certamente a convicção geral nos meios da política externa... Acho que afinal estávamos errados, e eu claramente avaliei mal."As preocupações com o Vietname foram rapidamente afastadas por uma série de problemas de política externa mais prementes. Um mês antes de as primeiras forças especiais chegarem ao Vietname do Sul, a Administração Kennedy deu autorização para que os exilados cubanos nos Estados Unidos levassem a cabo uma tentativa de derrubar o ditador cubano Fidel Castro. Os rebeldes sofreram um verdadeiro desastre na Baía dos Porcos. McNamara tinha aconselhado Kennedy a avançar com a invasão secreta, que tinha sido um projecto de Eisenhower. Mais tarde, McNamara disse que esta decisão constituía o seu maior arrependimento, um claro "erro naquela altura".Um ano mais tarde, McNamara teve um papel central no malabarismo político e nuclear da Administração Kennedy durante a crise dos mísseis em Cuba. Os Estados Unidos utilizaram a ameaça de bloqueio e a diplomacia privada para intimidar e convencer o líder soviético Nikita Krutschev a retirar as armas nucleares ofensivas da ilha das Caraíbas. McNamara ficou satisfeito com o seu papel no resultado final, afirmando que a contenda "demonstrou a preparação e disponibilidade das nossas Forças Armadas para enfrentarem uma emergência súbita". O assassínio de John Kennedy em Dallas a 22 de Novembro de 1963 afectou profundamente McNamara. Este tornara-se íntimo das relações sociais de Kennedy, pelo que Robert, o irmão do Presidente assassinado, pediu ao secretário de Estado da Defesa que o acompanhasse para ir receber o caixão de John quando este chegasse de avião a Washington. A pedido de Robert, foi também McNamara que escolheu o local isolado no Cemitério Nacional de Arlington onde o Presidente foi enterrado.
Numa encruzilhada
O sucessor de Kennedy, Lyndon Johnson, manteve McNamara no Governo, e em breve estava tão impressionado como Kennedy ficara. Em Agosto de 1964, uma série de escaramuças entre vasos de guerra norte-americanos e norte-vietnamitas no golfo de Tonquim deu a McNamara e aos seus generais carta branca para alargar a guerra. O episódio originou um quase unânime voto no Congresso que autorizava Johnson a utilizar tropas terrestres. Anos mais tarde, historiadores continuam a debater se os ataques foram tão graves como se fez crer pelos relatórios - e se justificavam uma tal escalada da guerra.McNamara insistiu que os ataques norte-vietnamitas eram reais e suficientemente alarmantes para provocar uma reacção violenta. A sua única hesitação, contou anos mais tarde, era a ligação entre as escaramuças e o voto no Congresso. "Não conseguimos levar o Congresso e o povo americano a participar numa ampla e franca discussão e debate acerca dos prós e dos contras", escreveu nas suas memórias. Mas internamente McNamara liderava a ala mais dura na tentativa de enfraquecer tal debate. Quando o subsecretário de Estado George Ball tentou apresentar a Johnson um memorando que se opunha ao continuar da escalada da guerra, McNamara reagiu rispidamente. Ele "deu a entender que eu tinha sido imprudente ao colocar tais dúvidas por escrito", recordou Ball em 1994. Pior ainda, continuou Ball: McNamara concordou consigo em privado e depois "deu cabo" dele quando se encontraram com Johnson. Em 1965, quando as forças norte-americanas no Vietname do Sul já ultrapassavam os 150 mil homens, McNamara avisou Johnson, em privado, de que os Estados Unidos tinham chegado a "uma encruzilhada" e tinham que escolher: ou a guerra aumentava, ou se retiravam do Vietname. Mas em público McNamara continuou obstinado e agressivo, lançando uma campanha de bombardeamentos aéreos de cidades e instalações militares e industriais norte-vietnamitas.
Relatório secreto
No Outono de 1966 McNamara, em privado, mostrava já os efeitos da tensão e esforço a que estava submetido. Surgia agora "visivelmente angustiado" quando discutia a guerra, relembra Anthony Lee, então um funcionário júnior do serviço diplomático que mais tarde se tornaria assistente do presidente Bill Clinton para a Segurança Nacional.Em 1967, sem autorização de Johnson, McNamara ordenou secretamente a uma equipa de analistas um relatório sobre as origens do envolvimento dos Estados Unidos no Vietname. O estudo ocupou três dúzias de investigadores durante 18 meses até estar completo, mas as 7000 páginas permaneceram secretas até 1971, quando o analista Daniel Ellsberg cedeu partes do estudo ao jornal New York Times. Em meados de 1967, quando soube do projecto, Johnson suspeitou de que McNamara planeava utilizar os resultados para ajudar a campanha presidencial do senador Robert Kennedy. Consciente de que os seus dias como secretário de Estado da Defesa estavam a terminar, McNamara começou a fazer alusões ao seu interesse num lugar de topo no Banco Mundial. Depois de meses de silêncio, Johnson subitamente anunciou a nomeação de McNamara para o lugar, e em Março de 1968 McNamara abandonou a Administração norte-americana. Mesmo depois de se ter demitido do Banco Mundial em 1981, a guerra continuou a persegui-lo. Por fim, em 1995, McNamara finalmente decidiu falar publicamente. Escreveu In Retrospect para examinar os erros que ele e outros oficiais e funcionários de topo tinham cometido e sistematizar para futuros políticos e decisores as lições aprendidas. Mas alguns americanos que continuavam a sofrer das feridas psicológicas da guerra não estavam assim tão dispostos a esquecer e perdoar. Durante uma apresentação na Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, em 1995, aquando de uma digressão de conferências, McNamara foi confrontado por John Hurley, um veterano do Vietname que mais tarde seria um dos principais ajudantes na campanha presidencial do senador John Kerry em 2004. "Tenho que lhe dizer, senhor, e não há forma educada de colocar isto, que o seu livro e a sua presença aqui são uma obscenidade", disse Hurley a McNamara. Quando Hurley pressionou McNamara para explicar por que razão permanecera em silêncio acerca das suas dúvidas durante a guerra, McNamara sugeriu a Hurley que lesse o livro. Quando Hurley o voltou a pressionar, McNamara perdeu o controlo. "Cale-se", gritou, e depois voltou a apresentar um raciocínio que fizera 40 anos antes. "Ele nunca percebeu, nunca pareceu preocupar-se com os custos humanos de cada ano", disse Hurley mais tarde. "Para ele, o Vietname era apenas uma questão de política, números sem vida para serem geridos." Foi essencialmente a mesma justificação sem remorsos que McNamara deu, sozinho, em frente às câmaras de filmar em The Fog of War. "Todos nós cometemos erros", explica em certa altura do documentário. "Não conheço nenhum chefe militar, que seja honesto, que diga que nunca cometeu um erro. Há uma frase maravilhosa: 'O nevoeiro da guerra [The fog of war].' O que 'O nevoeiro da guerra' significa é: a guerra é tão complexa que está para além das capacidades do ser humano abarcar todas as variáveis. O nosso discernimento, a nossa compreensão, não são adequados.
"Exclusivo PÚBLICO/"Los Angeles Times"
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