Terminal de Alcântara: O pântano de um negócio pouco claro!...
A promiscuidade entre o Estado e os principais grupos económicos do país assentou arraiais na prática quotidiana, ameaçando a credibilidade do regime democrático. O abjecto tráfego de influências e a correspondente troca de favores, lesando o interesse público, já ultrapassaram o limite temporal dos seus efeitos imediatos. Recentemente, os governos já negoceiam com esses grupos económicos contratos desastrosos, contemplando benefícios diferidos para as décadas seguintes. Foi o que se passou com o polémico caso do alargamento, por mais 27 anos, e sem concurso público, da concessão da exploração do terminal dos contentores de Alcântara, à empresa Liscont, do poderoso grupo da Mota-Engil, onde foram violadas todas as regras de concorrência.
O princípio da cristalina transparência, quando estão em jogo os dinheiros públicos, também foi grosseiramente violado, já que, numa manobra de contornos pouco claros, o documento onde se contemplam as contrapartidas do Estado para cobrir prejuízos futuros da exploração do terminal, foi resguardado dos olhos da opinião pública, por ser considerado pelo governo “segredo comercial”. Em mais um registo da falta de consideração e de respeito por um órgão de soberania, o governo também sonegou este importante documento, o Anexo 13, aos deputados da Assembleia da República, que, na última semana, discutiram duas petições sobre o terminal de Alcântara. Além da falta deste documento, o processo enviado aos deputados, pelo Ministério das Obras Públicas, continha páginas em branco, limitando-se apenas a exibir o que sobre esta matéria já está publicado na página da internet da Administração do Porto de Lisboa (APL), uma das interessadas neste nebuloso negócio.
É precisamente no Anexo 13, o documento relativo ao equilíbrio financeiro da concessão, que constam as contrapartidas do Estado à Liscont, consideradas lesivas do interesse público e, eventualmente, configurando práticas de contorno criminal. O governo, nesse anexo ao contrato assinado em Outubro de 2008, teria assumido pagar indemnizações à Lisconti, caso não venham a ser cumpridos, em função do grau de imprevisibilidade e do clima de incerteza da actual crise mundial, os níveis de tráfego e de movimentação de contentores, até ao termo da negociada prorrogação da concessão, em 2042. Esta clausula teria sido imposta e acrescentada quando se verificou, com a eclosão da crise, que os cálculos efectuados, durante as negociações iniciadas em Abril de 2008 para a prorrogação da concessão, e que previam o esgotamento da actual capacidade do terminal antes do termo da concessão ainda em vigor, em 2015, se encontravam errados. O que vai acontecer, com a contracção do comércio mundial, é que, nessa data, a capacidade do terminal ficará pelos 50 por cento.
Para acautelar a eventual diminuição da facturação nas próximas décadas, com a consequente diminuição de lucros, a Lisconti teria exigido um quadro de indemnizações compensatório, para assim poder investir, com total segurança, o valor de 27 milhões de euros nas obras de ampliação do terminal e na remodelação das suas acessibilidades rodoviárias e ferroviárias.
No entanto, levanta-se um outro problema, caso o Tribunal de Contas venha a chumbar o contrato, por a respectiva concessão não ter sido sujeita a um concurso público internacional, e as investigações do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa vierem a encontrar actos ilícitos de índole criminal. Neste quadro, o Ministério Público poderá impugnar o contrato junto dos tribunais administrativos, o que conduzirá inevitavelmente ao pagamento de indemnizações à Lisconti, uma vez que o mesmo já se encontra em vigor.
Além do vergonhoso conúbio que esta história, de refinados meandros, evidencia, com graves prejuízos para o erário público, regista-se mais uma vez o atavismo dos nossos empresários, que só conseguem progredir quando transferem o risco dos seus negócios para o Estado, explicando-se assim a razão da fragilidade da nossa economia.
E, agora, também se compreende a razão que levou a Mota-Engil a contratar Jorge Coelho, antigo ministro socialista das Obras Públicas, para presidente executivo daquele grupo, tal como já se compreendeu, num passado recente, a propósito da concessão de todas as futuras travessias do Tejo, entre Vila Franca e Lisboa, à Lusoponte, a razão que conduziu Ferreira do Amaral ao exercício de idênticas funções, nesta empresa.
Não se poderiam escolher melhores exemplos para ilustar a natureza do bloco central de interesses, que governa o país.
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