Óleo - Toby Wiggins
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(primeiro
acto)
o
poeta
deve
entrar no infinito com múltiplos espelhos
caso
contrário o infinito é uma história triste
coxa
para o resto da vida
agora
estou
a olhar para a avenida
e
vejo este poema com adesivos
um
poema frouxo um poema
que
nunca foi escrito
na
tabuleta do infinito
fui
então despedida
paulatinamente
vou aparecendo
aqui
ou acolá dedico-me então
à
minha substituição permanente
sou
uma espécie de governo
ou
de mi(ni)stério da educação
com
muitos amigos por exemplo
(segundo
acto)
o
esteves da tabacaria
que
não é o esteves da tabacaria
não
me disse adeus mas eu
disse-lhe
que estava a escrever
o
poema do chapéu preto ou
o
poema da melancolia dos espelhos
etc
etc e tal etc etc
ad
infinitum
(terceiro
acto)
devo
certamente tornar-me polícia
estou
a pensar
desapareceu
de repente
a
minha caneta pela via-láctea dentro
abro
então a página cinco do livro do infinito
e
escrevo o poema que nunca foi escrito
o
poema da melancolia
dos
espelhos ou
o
poema deste país dona alice
que
é minha vizinha
maria azenha
in " Nossa Senhora
de Burka", 2002
Nota: A imprevisibilidade temática
e formal é uma característica que se vai descobrindo em cada novo poema de
Maria Azenha. Há uma transversalidade enriquecedora, neste domínio, ao ponto de
se poder afirmar que Maria Azenha, no estilo e no tema, não se copia a si
própria. Daí, eu já ter referido, em comentário anterior, a postura
desconcertante da sua poesia, que aborda sempre a realidade poética pelo lado do
absurdo mágico e fantástico, o que obriga o leitor a fixar-se com mais atenção
no poema. Este poema, “O POEMA DA MELANCOLIA DOS ESPELHOS OU”, é a prova disso,
até no seu título. O recurso à estrutura cénica de um texto teatral permite-lhe
a mudança rápida do tema, da forma e da estrutura do poema.
Os espelhos (e as imagens poéticas que eles
devolvem) são elementos recorrentes na poesia de Maria Azenha, e isto tem muito
a ver com a multiplicidade de heterónimos em que se desdobra a sua
personalidade poética.
AC
Maria
Azenha colabora neste blogue, publicando-se um poema seu, às quintas-feiras.
2 comentários:
Excelente este seu olhar Alexandre Castro, sobre a poética de Maria Azenha.
Partilhei por lá.
Abraço,
Citoyen Du Monde
Abre o pano
cai o pano
não existe pano
o tempo passa
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