Salvador Dali - Rosas de sangramento, 1930 |
Mamã!
Mamã Federal!
mamã:
o
meu corpo caiu na pia baptismal. Foi um percalço.
recebi
a tua bênção com os óleos santos
em
algodão de rama.
Mas
que faço agora eu neste bordel das lágrimas,
com
tantas orlas com tantos véus,
a
fabricar poemas nas morgues do Céu?
Que
faço agora eu artesã do sangue
com
a minha mão profana que ficou grávida?
E
a minha mão direita é ainda uma têmpora
num
país distante com lágrimas de sal
mamã!:
envia
um telegrama a todos os jornais, anuncia
com
o meu coração em febre,
com
todos os meus punhos cerrados como que a rezar,
que
eu fumo cambodja, liamba,
hiroxima,
armas nucleares,
que
rendilho a ferros todos os meus cárceres
com
as palavras brancas do medo
que
saltam dos meus olhos.
Eu
roubei a todos os arcanjos as palavras do ódio!
fumo
cachimbos, goelas de bairros, narcóticos, drugstores democráticos;
mato
vinte e sete pessoas por cada prato,
faço
massacres na américa central
cravo
balas nos vestidos amarelos das crianças
estrangulo
o tempo com o sexo dos eléctricos
ilumino
as fezes com feiuras sacro-santas
faço
ícones com toda esta tristeza humana.
mamã,
eu
rasgo «cânceres» de papel, trabalho as sombras
com
as lágrimas de plástico,
mexo
na história com cadáveres brancos
estendo
os meus braços em tecnicolor
como
numa tela circular humana.
mamã,
eu
encolho os ombros, espirro,
bebo
cafés evangélicos, grito com os filhos.
mamã,
vivemos juntos!, isto é o meu mau génio.
ah,
mas o Vaticano,
esse
grande gangster de robe,
que
anuncia
a
paz para os domingos, essa pia
baptismal
onde eu também caí com fome
foi
um percalço.
e
o pavimento lustral da carniçada humana
pisando
o sangue, os incensos
da
guerra,
onde
não cabe agora aí o trigo!
mamã,
e
os uniformes azuis, a dizer
tão
bem com as velas,
e
os pássaros
e
as indochinas
e
os vitrais da esperança com tanta luz
difundindo
as trevas com vapores de chumbo...
e
os trigais maduros a vencer
o
chão, a curvar a terra
aos
anéis do mundo; e as lutas armadas
e
as recitações de tréguas
e
as missas solenes lidas à breviário,
cantadas
por gorilas
com
sapatos d'anjos.
e
a guarda civil e as patrulhas
e
os ofícios e as escolas
e
as embaixadas anfíbias nas tuas nádegas
onde
fica agora aí toda a tua força política.
(
e os tribunais de togas a julgar
os
crimes a barricar as fomes
esquecendo
as dívidas! )
mamã,
onde
fica o grande rio das palavras onde fica guatemala
onde
fica a noite dos tam- tans onde fica a esperança
com
os olhos de napalm?!
onde
fica a vida mamã-sacrária?
mamã!
mamã federal,
esta
manhã eu mijei todas as rimas
todos
os versos brancos,
nessa
pia baptismal!
maria azenha
1987,
FOLHA MÓVEL, - pág.76-77-78,
2 comentários:
Fantástico. Fiquei agarrada...desde a primeira à última letra! Uma bolha de oxigénio agarrada no ultimo suspiro deste afogamento colectivo. Bem haja Alexandre, fantástica partilha.
Beijos
Maria
Maria: A autora vai gostar, certamente, da referência ao mundo das fortes emoções que este poema desencadeou em si. E uma das definições de Poesia pode ser muito bem esta: a de catalizadora das emoções.
Pela minha parte, agradeço-lhe esta sua visita e a sua presença ativa.
Beijos
Alexandre
Enviar um comentário