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segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um Poema ao Acaso (4) - Carta de Agosto - Inês Lourenço


Carta de Agosto

Um ermo de turismo alarve este
Calor paleolítico, uma poeira meridional
ateia os objectos ressequidos, um misto
de esquinas e esplanadas de cerveja, homens
de camisa às riscas escarrando na noite e mulheres
de pernas depiladas e axilas com Impulse. Enjoa
este cortejo carnívoro de utentes
de O Mesmo. Nos balcões
toda a posteridade de Sancho Pança estende as mãos
e há nas ruas muitos vendedores de brincos e colares,
honestos emigrantes, decentes empreiteiros,
padres, cartomantes,
velhas prostitutas e mais
milhentas entidades cheias de humanas intenções
e ainda mais senso comum. Gostava
de te ouvir por alguns momentos. Envio-te
mensagens telepáticas que repito sete vezes seguidas.
Há palavras gastas que não escrevo nem digo há tanto tempo,
como: Amo-te muito. Meu amor, que saudades.
Vem depressa.
E outras ainda mais gastas que digo todos os dias,
como: Foda-se esta merda. (Somos do norte e não somos
castos nem cautos na linguagem). Abundam as reprises
pelos cinemas escassos. Há jardins ralos. Passeios gordurosos.
Bufões
de motocicleta. Os cimos das torres das igrejas
à espera das bátegas de chuva dum íntimo Outono
são ainda as únicas glórias do verão.

Inês Lourenço

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