Tenho muito respeito por Alberto Martins, até
porque ele foi um dos líderes carismáticos das lutas académicas contra o
fascismo e contra a Guerra Colonial, em 1969. Mas não posso concordar com ele,
quando, agora, numa sua intervenção na campanha eleitoral do PS, vem atacar o
PCP e o BE, desafiando-os, de uma forma implícita, a combater unicamente o
inimigo principal, a coligação PSD/CDS, e a não enfraquecer, como aconteceu num
passado recente, o partido que, na sua opinião, se encontra em melhores
condições de derrotar a política de direita. Quando Alberto Martins afirma
que “é a altura já de [PCP e BE] darem a volta aos erros cometidos” e que “eles
quando votaram a favor de uma moção de censura ao governo do PS [de José
Sócrates] abriram a porta a esta direita”, ele deveria ter a consciência de que
quem acabou por abrir a porta à direita foi precisamente o próprio PS, com a
sua política de ataque aos desempregados, reformados e pensionistas (os
célebres PEC’s), o que conduziu à humilhante derrota nas eleições legislativas
seguintes. Tivesse o governo de Sócrates governado a favor do povo e, de
certeza, o eleitorado não o teria penalizado, em favor da direita, que teve a
habilidade de enganar mais uma vez os portugueses com promessas falsas. Alberto
Martins troca assim a hierarquia e a ordem dos termos da causalidade, tomando a
causa por efeitos e os efeitos por causa.
Eu sei que o PCP vai ser uma vítima (como é
costume) de um ataque cerrado e mal intencionado dos dirigentes socialistas,
que não lhe perdoam o facto de ser o único partido que, com coerência, denuncia
o cego europeísmo do PS (que o PSD não pode denunciar, naturalmente), um
europeísmo que se manifesta na sua pronta adesão a todas as iniciativas
europeias de carácter federalista e que são, por isso mesmo, limitadoras da
soberania nacional dos estados membros. Um partido que está comprometido com a troika e que concordou com o Tratado
Orçamental - um documento estruturante que vem limitar o poder orçamental dos
países da zona euro (que já antes, com a adesão à moeda única, haviam perdido o
poder monetário e o poder cambial) - não pode vir agora dizer que vai inverter o ciclo
da austeridade, que já está programado para o futuro. Assim como não pode,
devido à sua insignificância no quadro europeu, comum à dos outros partidos portugueses, influenciar
os partidos da sua família política, na sua maioria já convertidos a
um neoliberalismo de fachada socializante.
E esta denúncia do PCP não vem de agora. Já
remonta à época da adesão de Portugal à então CEE, e, posteriormente, à da
adesão à moeda única.
O PCP teve a lucidez de perceber (e é isto que
os dirigentes socialistas não perdoam) que a Europa rica iria dar-nos uns rebuçados
envenenados. Deram-nos carradas de dinheiro para construir auto estradas e
outras obras públicas, o que exigia comprar-lhes caríssimos equipamentos para a
construção civil e outros materiais de engenharia, o que beneficiou a indústria
pesada da Alemanha e da França; excluíram o nosso país da PAC (Política
Agrícola Comum) no primeiro Quadro Comunitário a que Portugal teve direito,
para facilitar as importações de produtos agrícolas espanhóis e franceses,
objetivo este que também norteou a decisão de conceder subsídios aos
agricultores portugueses para arrancarem vinha e olival. Também os armadores foram
seduzidos com os tais rebuçados envenenados para destruir os seus barcos de
pesca, favorecendo-se assim o mercado exportador da indústria pesqueira
espanhola.
Foi com estas políticas dos nossos amiguinhos
europeus, consideradas altruístas e solidárias pelos dirigentes do PS e do PSD,
e que prosseguiram nas décadas seguintes, com a promoção de empréstimos fáceis
dos seus bancos nacionais aos bancos portugueses, para estes endividarem as
famílias e as empresas, que se chegou a este período de desespero. Com a
ocorrência da bolha imobiliária (lixo de créditos mal parados), que ia
rebentando com o euro, uma outra manobra “solidária” e “altruísta” foi
engendrada pela Alemanha. Para salvar os seus próprios bancos, à beira da
falência, e utilizando no seu interesse a UE, o BCE e o FMI (a troika), a Alemanha influenciou decisivamente a
aplicação de uma brutal política de austeridade nos países da periferia
intervencionados, a fim de se operar a transferência dos encargos da crise para
as respetivas dívidas soberanas, aliviando-se assim a enorme pressão especulativa
sobre o euro.
E é devido a esta solidariedade europeia, tão
enaltecida pelos europeístas dos partidos do arco da agressão (a que eu chamo
arco da traição), que Portugal tem agora uma dívida pública colossal, que é
impagável, e um nível de desemprego estrutural, que se vai manter por muitos e
longos anos, se Portugal, entretanto, não provocar uma verdadeira rutura
política com a Europa predadora. E Alberto Martins, embora diga que “a
disciplina orçamental pode conviver com a dinamização da economia e o
crescimento”, não consegue, contudo, explicar, assim como nenhum outro
dirigente socialista, como isso será possível, quando já é admitido pela
maioria dos economistas que sem uma renegociação e reestruturação da dívida
pública (perdão de parte da dívida, baixa da taxa de juro e alongamento das
maturidades), não haverá margem para o crescimento económico.
E é a este nível que reside a falácia do PS, que
o PCP, com inteira razão, denuncia.
1 comentário:
Boa memória e partilha
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