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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Notas do meu rodapé: O caos da Justiça...



Anualmente, na sessão solene da Abertura do Ano Judicial, o ritual repete-se. É o dia em que a própria Justiça se senta no banco dos réus. É condenada, mas com pena suspensa. Ninguém se atreve a absolvê-la, mas todos a acusam dos "crimes", em que os próprios não são co-autores, apenas sobrelevando os que outros praticam.
O Presidente da República, ao apontar o dedo acusador à intencionalidade ideológica de muitas leis, como causa do aumento da litigiosidade ou da litigância, invoca um exemplo, a nova lei do divórcio, em que ele próprio procurou intervir com a sua magistratura de influência, com argumentos da sua matriz cultural conservadora, que reflectiam a posição da igreja católica, o que não deixou de ser uma posição marcadamente ideológica.
Registe-se, porém, como positiva, a denúncia expressa à má qualidade de muitas leis, albardadas ao gosto das clientelas dominantes.
O bastonário da Ordem dos Advogados, que, correctamente, referiu a existência de sinais evidentes da politização da Justiça, omitiu, no entanto, a influência da sua corporação no inflacionamento das garantias jurídicas, a que os advogados de arguidos endinheirados recorrem abusivamente, agravando a morosidade dos processos.
O Procurador Geral da República, que, com acerto, exigiu uma clara definição de competências do Ministério Público e a eliminação da burocracia inútil e paralisante, causadora das dificuldades de cumprir objectivos em tempo útil, não referiu as suas próprias responsabilidades nos atrasos do processo Freeport e no caso das escutas ao primeiro ministro.
Todos têm razão, mas, também, todos têm culpas no cartório. É muito difícil erradicar a redutora "visão de capelinha", que os diferentes actores da justiça exibem, sempre que se faz uma reforma. Juízes, procuradores, advogados e o próprio governo de turno procuram, à vez, e numa manifestação tribal, afeiçoar as leis aos seus interesses corporativos.
No actual momento, em que o ministro da Justiça, Alberto Martins, está empenhado, em sede do Conselho Consultivo da Justiça, em remendar os enormes buracos legislativos da última reforma do Código do Processo Penal e do Código Penal, seria interessante repescar um estudo sobre a Justiça, elaborado por uma Faculdade de Economia, em 2007.
Nesse estudo, apontam-se como principais causas do entupimento dos processos judiciais nos tribunais portugueses, a complexidade da legislação processual, a enorme burocracia de tramitação, o litígio de massas, alimentado pelos bancos e pelas companhias de electricidade, gás, água e telefones, e a ausência de especializações de juízes e procuradores. Ao mesmo tempo, essse estudo propõe uma revisão dos sistema remuneratório e de promoção dos magistrados, bem como o de avaliação, que actualmente anda pelas ruas da amargura, com 98 por cento dos juízes a obter cronicamente a classificação de excelente, classificação esta, que, a ser rigorosa, deveria proporcionar ao país a existência da melhor Justiça do mundo.
O estudo também aponta que não é por falta de tribunais e de juízes que não atingimos aquele desiderato, já que Portugal é o terceiro país da Europa com um maior número de juízes per capita. Por cada 100 mil habitantes, Portugal tem quinze juízes, enquanto a Espanha tem dez. Em relação aos tribunais, por cada milhão de habitantes, Portugal tem trinta e quatro, enquanto a paupérrima Alemanha se fica pelos treze.
Com a Justiça neste estado, a caminhar para um verdadeiro caos, não se pode falar em democracia nem na garantia das liberdades, cenário este que coloca em grave risco o actual regime político e a sustentabilidade do país..

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