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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Notas do meu rodapé: A saída do euro é inevitável


Eu costumo chamar ao euro um gigante com pés de barro, já que a entidade que o gere, o BCE, não possui a importante alavanca orçamental, que, na altura da sua fundação, os estados membros negaram ceder-lhe, com receio da potencial reacção nacionalista dos seus respectivos povos, que não querem abdicar da sua identidade nacional. Como banco central emissor, o BCE apenas tem a capacidade de gerir a política cambial e a política monetária. Falta-lhe a competência da política orçamental. Razão tinham Spinelli, Amartya Sen e Padoa-Schioppa, quando afirmavam que a união monetária não poderia fazer-se antes da união política. O tempo está a dar-lhes razão, já que o carro nunca pode andar à frente dos bois.

Pelo menos, em relação a Portugal, e possivelmente também em relação à Grécia, a adesão ao euro foi silenciosamente desastrosa, já que a economia portuguesa começou a trabalhar com uma moeda de elevado valor, que não favorecia as exportações e, por outro lado estimulava as importações, agravando assim a balança de transacções correntes. Foi a partir da adesão que os défices orçamentais e a dívida pública (1) começaram a crescer, disparando descontroladamente a partir de 2008. Nenhum dos dirigentes dos sucessivos governos deste século percebeu que o problema residia na baixa taxa de produtividade da economia em relação aos principais parceiros comerciais. E nada foi feito para corrigir esta fragilidade da economia portuguesa. A governação, sem um plano estratégico consistente, passou a ser errática, caminhando ao lado do oportunismo eleitoralista, envolvendo-se com os interesses instalados, num conúbio vergonhoso, e satisfazendo os apetites vorazes das clientelas partidárias. A atracção pelas obras faraónicas é o exemplo típico da incoerência de toda uma política saloia, que de forma alguma estava ao serviço do bem comum. Os governos de Durão Barroso, de Santana Lopes e, principalmente, o de José Sócrates não fizeram o que deveria ter sido feito. Apenas souberam endividar o país.

Por sua vez, anteriormente, os dirigentes da UE, na altura, cometeram o erro grosseiro de reduzirem ao mínimo as condições de adesão à moeda única. Limitaram-se a impor como condição, e em relação ao PIB, um défice orçamental abaixo dos três por cento e uma dívida pública não superior a 60 por cento. Faltou incluir um patamar para a taxa de produtividade e, eventualmente, para outros indicadores da actividade económica. Portugal não se encontrava em condições de aderir ao euro. Os países do centro e do norte da Europa já se encontravam noutro paradigma, que não era o da prática de baixos salários. Faltou à nossa economia o investimento na educação e formação, na inovação tecnológica e na modernização das práticas de gestão das empresas.

Se Portugal não tinha, na minha modesta opinião, condições para a aderir ao euro, nos dias de hoje, essas condições reduziram-se ainda mais. Mais tarde ou mais cedo a saída do espaço da moeda única vai impor-se. Já aqui o afirmámos várias vezes. A solução é sair, exigindo uma aceitável renegociação da dívida. Por muito mais razões, a Grécia deve seguir o mesmo caminho. E esta solução impõe-se, segundo o meu ponto de vista, porque não entendo que um duro e doloroso plano de austeridade possa alguma vez relançar a economia.

Apenas mais uma achega. Com a saída do euro, o país vai ficar mais pobre, mas não irá ficar menos pobre do que ficará, se prosseguir no suicídio de pôr em prática o memorando da troika. No entanto, com a saída do euro, ficaremos com a vantagem de vir a possuir uma moeda nacional de menor valor, que, através de uma sensata política cambial, poderá relançar rapidamente as exportações e diminuir as importações, não olvidando, contudo, a grande tarefa de proceder, pela acção de governos honestos, às necessárias reformas estruturais. Só a partir daí, e com alguma riqueza acumulada, poderemos pensar em modernizar a economia, melhorando sustentadamente a taxa de produtividade, o que exige a intervenção de um novo tipo de empresários, uma nova classe política, disposta a trabalhar exclusivamente a favor do bem comum, e uma opinião pública mais culta, mais crítica, mais exigente e mais interventiva.

Para concluir: uma coisa é certa. Se a Grécia ou Portugal entrarem em incumprimento, o euro irá à falência, já que os bancos credores da dívida destes dois países não aguentarão o forte impacto nos seus balanços. O problema também é da União Europeia, que não pode andar a brincar, entretendo-se a ler a economia nos livros de banda desenhada, nem muito menos andar a contar histórias aos quadradinhos, como se os cidadãos estivessem todos infantilizados.

(1) Para ser mais exacto, a dívida pública começou a crescer no segundo ciclo de crescimento, depois do 25 de Abril, entre 1995 e 2000, uma vez que a despesa pública aumentava muito mais do que a economia, e os salários cresceram mais do que a produtividade. Isto, porque as exportações deixaram de ser o motor de crescimento, em consequência de o Estado concentrar os apoios no sector dos bens não transacionáveis.

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