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terça-feira, 2 de março de 2010

Lisboa competitiva: um caso perdido - por Luís Todo Bom*

A competição entre as Cidades assume cada vez maior preponderância nos modelos competitivos globais, pelo que a competitividade de Lisboa surge, periodicamente, como um tema de análise recorrente. A competitividade das cidades nestes modelos é analisada através de um conjunto de indicadores, nomeadamente, a sua capacidade para atraírem sedes de empresas multinacionais, o volume do seu turismo de negócios, a dimensão e qualidade dos seus congressos e exposições, a sua base de produção e transformação do conhecimento e a qualidade de vida dos seus cidadãos, em geral. Nestes modelos de análise competitiva, o posicionamento de cada cidade nas diferentes variáveis é estabelecido, não só em termos individuais, mas sobretudo em termos de comparação ou de "bench-marking" em relação aos seus competidores mais directos, no caso de Lisboa, em relação a Madrid e Barcelona. A minha opinião sobre este tema, suportada na análise do sistema competitivo, é clara: Lisboa é uma cidade não competitiva em praticamente todos os indicadores referidos, com a agravante de se assistir a uma degradação desse sistema competitivo, em relação às suas congéneres Ibéricas. De facto, Lisboa é uma cidade pouco limpa, com um património urbanístico deplorável, um trânsito caótico, uma indisciplina sistemática no estacionamento, edifícios mal conservados, monumentos nacionais em degradação, com alguns mesmo em ruínas, com uma paisagem social em que se incluem os famosos "arrumadores", deprimente, com um parque académico, sobretudo universitário, mal organizado e sem prestígio internacional, sem um conjunto relevante de institutos de investigação ligados a incubadoras de empresas, com um sistema de transportes urbanos caro e ineficiente e com uma medíocre qualidade de vida genérica dos seus cidadãos. Só quem não conhece Madrid e Barcelona pode acreditar que Lisboa conseguirá atrair alguma empresa multinacional que esteja lá sediada. Pelo contrário, aquelas cidades continuam a atrair empresas localizadas em Lisboa que passam a concentrar em Espanha todos os seus negócios na Península Ibérica. Aliás, a única razão pela qual todos nós, que estudámos, trabalhamos e vivemos em Lisboa, continuamos a gostar desta cidade é porque nos recusamos a ver a sua realidade e sobretudo a compará-la com outras cidades europeias. É pois, um sentimento irracional e afectivo - "quem feio ama…". A entidade gestora da cidade de Lisboa é a Câmara Municipal de Lisboa, organização que costumo dar de exemplo aos meus alunos como a organização portuguesa mais mal gerida que se conhece. E, infelizmente, dou esse exemplo há vários anos, pelo que não se aplica especificamente a nenhum período de tempo limitado a um determinado executivo camarário. De facto, a Câmara Municipal de Lisboa, tem um excesso de pessoal enorme qualquer que seja o indicador que se utilize, uma situação de debilidade financeira crónica, um "ratio" entre despesas correntes (em especial despesas de pessoal) e despesas de investimento desajustada, uma ineficiência enorme em termos de prazos de aprovação de qualquer actividade que exija a intervenção camarária, uma completa incapacidade para disciplinar o estacionamento, regular o transito e melhorar a eficiência dos transportes colectivos, uma gestão social medíocre, sendo incapaz de resolver os problemas dos "arrumadores", tóxico-dependentes e pequenos delinquentes, incapaz de garantir a segurança, limpeza e qualidade de vida dos seus cidadãos. Com orçamentos anuais muito significativos e superiores a todas as Câmaras dos municípios limítrofes, não se vê em Lisboa um programa estratégico de intervenção, um desígnio estratégico para onde se move, obras e intervenções significativas, o ataque e a melhoria dos pontos negativos atrás referidos. Pelo contrário, as receitas da autarquia vão sendo consumidas por aquela máquina enorme, ineficiente e insaciável que se auto-alimenta sem qualquer produção externa relevante, fazendo com que Lisboa caminhe inexoravelmente para a sua insignificância como Capital Europeia. Os famosos e já antigos programas de reabilitação habitacional, de requalificação do património imobiliário nomeadamente na área cultural, de reordenamento do estacionamento através da construção de novos parques e criação de condições de obrigatoriedade de libertação das vias públicas, de criação de condições para o desenvolvimento de novos parques tecnológicos ligados às Universidades e de novos centros de investigação de nível europeu, são miragens que todos os lisboetas já perceberam que nunca serão uma realidade. Continuamos a ter de nos contentar, exclusivamente, com a luminosidade com que a natureza abençoou a nossa cidade. Esta não competitividade e baixa qualidade em geral tem reflexos directos em toda a industria turística com a degradação dos preços e das margens das suas unidades de maior qualidade, na vida empresarial com o abandono dos centros de excelência, no imobiliário com a degradação dos preços e das taxas de ocupação, nas universidades que não conseguem atrair alunos internacionais de elevado potencial, nos institutos de investigação que não conseguem atrair bons investigadores internacionais, enfim na qualidade de vida global da cidade para todos os seus cidadãos. É necessária e urgente uma mudança radical na cidade de Lisboa. As dificuldades económicas e financeiras que o País atravessa podiam ser fortemente atenuadas se Lisboa cumprisse a sua função dinamizadora do investimento e do desenvolvimento empresarial, científico e social. Mas os constrangimentos referidos para a entidade gestora da cidade são de tal monta que não acredito que a mudança necessária venha a acontecer. Lisboa competitiva será, assim, definitivamente, um caso perdido. E digo isto com tristeza, porque também faço parte dos que gostam, irracionalmente, desta cidade.

*Professor Associado Convidado do ISCTE

Jornal de Negócios
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Era o texto que faltava para enquadrar com rigor as razões das crónicas incapacidades do país e a sua endémica fragilidade. Copia-se o projecto que vem de fora e que está na moda, assimila-se o conceito, alardeamos a modernidade, e, depois, tudo falha. Uma mentalidade atávica amarra o país ao seu atraso secular e não há maneira de desatar o nó górdio que nos aprisiona. E este não é um problema só dos políticos. É também dos cidadãos. Também não será o TGV nem o novo aeroporto que irão operar o milagre da necessária transformação.

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