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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Quando a "crise" acabar... - Concha Caballero



Quando terminar a recessão, teremos perdido mais de 30 anos em direitos e salários...
Um belo dia em 2014, vamos acordar e nos anunciarão que a crise acabou. Correrão rios de tinta com escritos das nossas dores, comemorarão o fim do pesadelo, nos farão crer que o perigo já passou, mas, alertam que ainda há sinais de debilidade e que teremos de ter muito cuidado para evitar uma recaída. Conseguirão que respiremos aliviados, que celebremos o acontecimento, que deponhamos a atitude crítica contra os poderes e nos prometerão que, pouco a pouco, voltará a tranquilidade ás nossas vidas.
Um belo dia em 2014, a crise terá terminado oficialmente e ficaremos com cara de estúpidos agradecidos, nos censurarão a nossa desconfiança darão por boas as politicas de ajuste e voltarão a dar corda ao carrossel da economia. Claro, a crise ecológica, a crise de repartição desigual, a crise da impossibilidade de crescimento infinito, permanecerão intactos, porém, essa ameaça nunca foi publicado ou difundida e os que de verdade dominam o mundo, terão posto um ponto final a esta crise estafada - metade realidade, metade ficção , cuja origem é difícil de decifrar, mas cujos objectivos eram claros e conclusivos : fazer-nos retroceder 30 anos nos direitos e salários.
Um belo dia em 2014, quando os salários forem mais baratos até aos limites terceiro mundistas, quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o factor determinante do produto, quando tiverem ajoelhado todas as profissões, de modo que o conhecimento se encaixe numa folha de pagamento esquálido; quando tiverem treinado a juventude na arte de trabalhar quase de graça , quando tiverem uma reserva de milhões de pessoas desempregadas dispostas  a serem polivalentes, móveis e moldáveis, para fugir ao inferno de desespero , então a crise terá terminado.
Um belo dia em 2014, quando os alunos que frequentam as salas de aula, se tenha conseguido reduzir o sistema educativo em 30% de estudantes sem deixar traço visível da façanha, quando a saúde se compre e não seja oferecida, quando o nosso estado de saúde se pareça com a nossa conta bancária, quando nos cobrarem por cada serviço, por cada direito, para cada prestação, onde as pensões sejam tardias e baixas, quando estivermos convencidos de que precisamos de um seguro privado para garantir as nossas vidas, então nos anunciarão que a crise terá terminado.
Um belo dia em 2014, quando tiverem conseguido nivelar por baixo toda a estrutura social, excepto a cúpula cuidadosamente colocado com segurança em cada sector, pisemos os charcos da escassez e sintamos o alento do medo nas nossas costas, quando estivermos cansados de nos confrontarmos uns aos outros e ter quebrado todas as pontes de solidariedade, então nos anunciarão que a crise terminou.
Nunca em tão pouco tempo se terá conseguido tanto. Cinco anos terão bastado para reduzir a cinzas os direitos que levaram séculos a conquistar e espalhar. Uma devastação tão brutal da paisagem social, só se tinha conseguido na Europa através da guerra. Embora, pensando bem, também neste caso, foi o inimigo que ditou as regras, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armistício.
Por isso, não só me preocupa quando sairmos da crise, mas como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só, ficarmos mais pobres e desiguais, mas também mais covardes e resignados e que sem estes últimos ingredientes o terreno que tão facilmente ganharam estaria novamente em disputa.
Neste momento andaram para trás o relógio da história e ganharam 30 anos nos seus interesses. Agora, são dados os últimos retoques no novo contexto social: um pouco mais de privatizações aqui, um pouco menos nos gastos públicos acolá e voilá : a sua obra está concluída. Quando o calendário marcar um qualquer dia do ano de 2014, as nossas vidas terão retrocedido aos finais dos anos setenta, decretarão o fim da crise e escutaremos no rádio as últimas condições da nossa rendição.
***«»***
Concha Caballero (Baena, Córdoba, 1956) fue la portavoz del grupo de Izquierda Unida en el Parlamento de Andalucía en la legislatura 2004-2008.
Es licenciada en Filologia Hispánica y profesora de Literatura en un instituto público. Abandonó la política decepcionada con su coalición electoral.
En abril de 2009, Rosa Aguilar, entonces recientemente nombrada consejera de Obras Públicas, le ofreció ser su brazo derecho en esta nueva etapa política.
Profesora de Lengua y Literatura, ya hace muchos años pasó, felizmente, del ejercicio de la política, a ser analista y articulista de diversos medios de comunicación (El País, Ara com ara de la SER, Meridiano, de Canal Sur Televisión). Amante de la literatura, continúa siendo firmemente humana con los temas sociales.

3 comentários:

Maria Eu disse...

O problema, ainda maior, é que não haverá esse "belo dia, em 2014, dado que a crise não acabará, ainda... talvez um dia, quando esse "belo dia" surgir, estejamos ao nível dos anos 50!!

Alexandre de Castro disse...

Maria Eu: Nem em 2014, nem nunca. A não ocorrer uma mudança de paradigma (e aqui, a palavra é utilizada em sentido amplo), a crise tornar-se-á endémica e Portugal nunca mais levantará a cabeça. Descerá de escalão. Se cortarmos as asas a um pássaro, ele nunca mais conseguirá voar.
Eu julgo que este texto de Concha Caballero foi escrito em 2012, e que a referência a 2014 se baseou nas declarações dos coriféus neoliberais, que limitavam a austeridade até ao fim deste ano.

Maria Eu disse...

Certamente, assim terá sido. Vi muita gente crédula a começar a fazer contas à progressão na carreira a partir de Janeiro de 2014! Enfim... Triste sina a nossa, entregue a biltres.