FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS
O Internato Médico, o seu retrocesso e os novos desafios
decorrentes da política mercantilista desta equipa ministerial
O Internato Médico, constitui a base
insubstituível do exercício qualificado e diferenciado da profissão médica e um
fator de contínuo fortalecimento das Carreiras Médicas.
Logo no início da profunda reflexão encetada em
torno da estruturação do próprio conceito das Carreiras Médicas, o conhecido e
sempre atual “Relatório sobre as Carreiras Médicas”, divulgado em 1961,
considerou que “os internos constituem um elemento imprescindível da orgânica
hospitalar, de tal modo que os serviços onde eles rareiam, funcionam
dificilmente…”.
Importa lembrar que naquela altura não existiam
centros de saúde e que o trabalho médico organizado em equipas se desenvolvia
exclusivamente nos poucos hospitais em funcionamento.
Ainda antes de existirem no plano legal
quaisquer enquadramentos de carreiras médicas, o Internato Médico já era uma
realidade marcante no funcionamento das unidades hospitalares públicas e com
acrescidas exigências de rigor formativo e de contínuo aprofundamento
científico.
Podemos considerar que sem essas exigências na
formação dos novos médicos que várias gerações de distintos médicos
hospitalares seniores se empenharam em desenvolver, ao mesmo tempo que
preservaram a formação médica de intromissões e perversões políticas mesmo em
tempos difíceis da ditadura, não teria sido possível mais tarde, e já em
democracia, criar o edifício jurídico e técnico-científico das Carreiras
Médicas.
A estruturação do Internato Médico ao longo dos
anos e o enquadramento legal que foi estabelecido a nível curricular, de
transparência de processos de avaliação e de equidade formativa, fazem dele um
exemplo ímpar no plano
internacional e com amplo reconhecimento por
múltiplas instâncias de diversos países.
No início da década de 1990 e após a conclusão
do processo negocial do segundo diploma das Carreiras Médicas (D.L. n.º 73/90),
foi legalmente eliminada a possibilidade de efetuar internatos da especialidade
voluntários pela Ordem dos Médicos.
De acordo com essa via, os médicos que não
obtivessem uma nota na prova de seriação nacional que lhes possibilitassem
escolher a especialidade que pretendiam, estabeleciam contactos com diretores
de serviço para obter a respetiva autorização para se integrarem nas atividades
do respetivo serviço e concluída a formação equivalente à dos médicos internos
aí colocados por concurso, apresentavam-se a um júri designado pela Ordem dos
Médicos para obterem o título de especialista.
O trabalho no serviço e a formação obtida não
eram objeto de qualquer remuneração, o que implicava a realização de trabalho
indiferenciado por parte desses médicos noutros locais após o horário relativo
a esse internato voluntário.
Durante esses anos, este processo dos internatos
voluntários esteve sempre envolto em grandes polémicas e contestações, porque
em múltiplos casos eram levantadas suspeições de que não era colocado a
concurso um número razoável de vagas para depois assegurar o seu preenchimento
pelos voluntários da simpatia de alguns diretores, bem como o facto dos médicos
internos colocados por concurso serem muitas vezes preteridos em benefício dos
referidos voluntários na construção do currículo.
Assim, o então Departamento de Recursos Humanos
do Ministério da Saúde emitiu a Circular Normativa n.º 18/92, onde num dos seus
parágrafos é afirmado que: “É, pois, oportuno e necessário reafirmar esse
impedimento que se mantem vigente e que decorre nomeadamente de disposições
legais comunitárias. De acordo com o Anexo à Diretiva 75/CEE, aditado pelo
artigo 13.º da Diretiva 82/76/CEE, a formação deve ser efetuada em postos
específicos, com toda a dedicação à atividade e ser objeto de remuneração
adequada. Será forma de garantir as condições e a qualidade da formação e,
consequentemente, o reconhecimento de diplomas, certificados e outros títulos
obtidos”.
Deste modo, foi com algum espanto que
verificamos estar previsto o retorno dos internatos voluntários à Ordem dos
Médicos na última versão do documento ministerial relativo à revisão do
Internato Médico.
A introdução dessa possibilidade nessa versão
constitui formalmente a liquidação da titulação única.
Acaba por se tornar inevitável trazer à
discussão, com maior ou menor grau especulativo, a ligação entre uma medida
deste tipo e as afirmações, sem qualquer fundamento, acerca das grandes
limitações futuras da capacidade formativa dos serviços ou até dos propósitos
de alguns intervenientes quanto à eventualidade desta fase formativa não ser
objeto de qualquer remuneração.
Com a alegação, não demonstrada, de que não
existem adequadas capacidades formativas e com a recriação de internatos
voluntários para obter títulos pela Ordem dos Médicos, está criado o cenário
para o desmembramento do Internato Médico, para subir mais uns patamares na
escravização do trabalho médico e para a colocação num mercado de trabalho
selvagem muitos jovens médicos indiferenciados e com baixas remunerações.
Simultaneamente, a existência de Parcerias
Público-Privadas na saúde e de unidades de saúde privadas que solicitam a
atribuição de idoneidade formativa de alguns dos seus serviços, colocam
questões delicadas que necessitam de uma abordagem esclarecida, realista e
desligada de interesses alheios aos médicos.
A interdependência vital entre a formação de
qualidade do Internato e as Carreiras Médicas adquiriu uma evidência de tal
dimensão que hoje não é possível negá-la.
A excelência da escola médica no nosso país
passou a ser uma incomodidade para diversos círculos económicos e para certos
sectores políticos que há largos anos continuam a desenvolver esforços para
destruir mais um “mau exemplo” de dois importantes serviços públicos: saúde e
educação.
O claro reconhecimento internacional da
qualidade da escola médica e da formação pós-graduada no nosso país tem
determinado que as instâncias oficiais de diversos países europeus, e até de
alguns países árabes, tenham escolhido os nossos médicos como alvo prioritário
da sua abordagem de contratação laboral.
Nesse sentido, quando existem pressões políticas
para conceder idoneidade formativa a serviços de unidades privadas que na sua
grande maioria têm um corpo médico a tempo parcial, que não aplicam qualquer
estrutura de carreira médica, nem de progressão e diferenciação profissional, e
que nem sequer dispõem de qualquer instrumento de contratação coletiva, o
objetivo fundamental só pode ser a promoção do rápido desmoronamento do
Internato Médico.
O mesmo objetivo se aplica às PPP, que estão
obrigadas legalmente a aplicar o regime das carreiras médicas por disposição
expressa do D.L. n.º 176/2009, no
caso de não disporem da correspondente
contratação coletiva negociada com as organizações sindicais médicas.
É deste quadro de avaliação das várias situações
existentes que a FNAM irá definir as suas posições reivindicativas nesta
importante matéria.
O Internato Médico constitui, na prática, o
alicerce das Carreiras Médicas e a sua permanente fonte alimentadora.
Os inimigos dos médicos, das suas carreiras e do
SNS sabem que a liquidação do Internato Médico constitui um passo quase
irreversível de destruição da qualidade dos cuidados de saúde e da função
social e constitucional dos serviços públicos de saúde.
A FNAM assume, de forma inequívoca, o
compromisso de desenvolver todos os esforços na defesa do Internato Médico e
dos legítimos interesses socioprofissionais dos médicos internos.
A FNAM não pactuará com quaisquer tentativas de
restaurar práticas de compadrio e de escravização do trabalho dos médicos
internos, independentemente das fórmulas dissimuladas com que se apresentem.
Coimbra, 17/11/2014
A Comissão
Executiva da FNAM
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