A corrupção foi o meio encontrado pelos vários
poderes económicos, interessados nos grandes negócios do Estado, para capturar
a classe política. E, no meu modesto ponto de vista, esse objectivo foi
conseguido. A população, mesmo a mais afastada do fenómeno político e que
apenas se mobiliza para os atos eleitorais, tem a perceção de que a corrupção é
o modus vivendi de muitos agentes
políticos. Mas essa mesma população tem também a perceção de que a Justiça, a
este nível, por insuficiência de meios, por incompetência ou ainda por conivência
não atuou em conformidade, principalmente nos casos mais mediáticos, que
envolveram gente graúda – políticos e banqueiros. José Sócrates foi o político
que mais casos de suspeição teve de enfrentar, e a Justiça não conseguiu exercer
o seu magistério em nenhum deles. Houve até aquele suspeito episódio da
destruição das gravações das escutas telefónicas, que o incriminavam. O
Rendeiro e o Oliveira e Costa continuam a passear-se por aí, a gozar-nos e a
gozar os seus rendimentos, presumivelmente obtidos fraudulentamente. Ricardo
Salgado não parece assustado com o processo-crime que lhe foi instaurado. Há
quem diga que ele sabe demais para vir a ser condenado, ou até julgado. É que
se ele põe a boca no trombone, o regime cai como um baralho de cartas.
Rebentou agora a grande bomba. Um
ex-primeiro-ministro é detido por suspeita de atos ilícitos graves – corrupção,
falsificação de documentos e branqueamento de capitais. O país ficou suspenso e
pasmado, agarrado às televisões. É um acontecimento inédito. Desde a Revolução
Liberal de 1820, Sócrates é o único primeiro-ministro a ser detido para ser
interrogado por um juiz. Mas, depois do espanto, muitos portugueses, até
estimulados pelos debates televisivos, começaram a viver um sentimento de
grande preocupação, porque pressentem que está a chegar-se ao fim da linha, e
que o caso Sócrates pode precipitar muitos acontecimentos desagradáveis,
incluindo o fim do regime democrático e a instauração de uma ditadura. Se o regime
já estava desacreditado, devido a uma crise nacional profunda, cujo fim não
está à vista, com a detenção de um ex-primeiro-ministro, o descrédito sobe de
nível e a gravidade da situação aumenta. Além disso, esta detenção ocorre uns
dias depois da onda de choque provocada pela detenção de altos funcionários do
Estado e a demissão de um ministro, na sequência do processo judicial dos vistos dourados.
A situação não podia ser pior. E irá agravar-se
se, entretanto, os indefectíveis de Sócrates, do Partido Socialista, entrarem
num processo de contestação ao poder judicial, desobedecendo ao apelo de
António Costa - que pediu aos militantes que façam a separação entre a
solidariedade devida ao seu antigo líder e a necessária mobilização para ação
política do partido - e, pelo contrário, obedecendo ao sentimento de revolta
expresso por João Soares e por Edite Estrela, que, implicitamente, consideraram
que a Justiça se partidarizou, a fim de subalternizar o processo dos vistos
dourados. E um outro alarme irá soar, provavelmente, nos próximos dias, quando
dirigentes e militantes socialistas chegarem à conclusão de que, se Sócrates for
incriminado e tiver de ir a juízo, o processo arrastar-se-á até às próximas
eleições legislativas, podendo vir a inquinar os respectivos resultados. Através
da imprensa, que irá, provavelmente, descobrir novos casos e, indirectamente,
através do PSD, que irá mobilizar as suas forças ocultas, Sócrates irá sendo
lentamente queimado em lume brando. Isto, se não for frito numa frigideira.
***«»***
Adenda: A propósito do meu
texto, “O que já se sabe sobre a detenção de José Sócrates”, aqui publicado,
recebi algumas mensagens críticas a apontarem-me a minha omissão a uma qualquer
referência a casos anteriores de processos judiciais de figuras públicas, em
que não se fez sentir a mesma severidade de tratamento, que foi dispensada ao
ex-primeiro-ministro, ao mesmo tempo que me confrontavam com a encenação
montada da sua prisão, dando-lhe relevância mediática, para assim subalternizar
e fazer cair da agenda dos jornais e das televisões o caso do processo dos
vistos dourados.
A título de resposta breve, gostaria de deixar
três apontamentos:
Primeiro: Também me escandaliza, e muito, a
inoperância da Justiça, perante todos os casos de corrupção e de crimes
financeiros, que lhe chegaram às mãos.
Segundo: O juiz Carlos Alexandre não iria
arriscar o seu prestígio, detendo José Sócrates, se não estivesse na posse de
indícios criminais muito fortes. Se, nestes interrogatórios a José Sócrates, se
vier a ser provada a sua inocência, estaremos, então, perante um grande
escândalo, com a Justiça a passar para os bancos dos réus, no tribunal da
opinião pública.
Terceiro: A referência ao caso do processo
vistos dourados estava implícita na formulação do meu texto, já que a minha
intenção, aproveitando o caso da detenção de Sócrates, e reproduzindo parte de
uma notícia do jornal, se destinava a destacar, de uma forma abstracta, a
eficiência da Justiça nestes dois casos recentes.
Alexandre de Castro
Novembro de 2014
Novembro de 2014
2 comentários:
Eu acho que Sócrates vai ser mesmo frito e bem fritinho. Até porque caiu que nem canja este caso para os corruptos do poder e seus amigos...assim pode ser que se esqueça alguns dos casos em que estão envolvidos igualmente até ao pescoço. Em relação a este Juiz acho igualmente que não o faria se não tivesse grandes provas nas mãos.....Eu acho é que muita gente pode saltar se alguns começarem a falar...aguardemos os episódios seguintes....
A sua análise é basicamente convergente com a minha.
Creio que a minha - modéstia à parte - contextualiza mais, nomeadamente o papel da "oposição" e o quadro internacional.
Ver:
http://economia-e-sociedade.blogspot.com.br/2014/11/uma-conjuntura-cripto-fascista.html
Mas o caso é demasiado grave para andarmos com competições do tipo "quem tem a melhor análise".
Interessa-me apenas perceber o ponto da situação e que se vá a tempo de impedir o desastre que se anuncia para o País, a Europa e o Mundo - tudo interligado.
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