Pablo Picasso - Guernica |
Ó minha irmã Violência! Ó minha irmã Guernica!
Oh o amor é
uma flor exótica
como uma
granada carnívora.
o amor é um
chiclete.
e somos as
tuas crianças pobres
degoladas do
medo sem tripas
somos as tuas
crianças negras
nas ogivas
nos mísseis
a revolução
se analisa
como um
míssil rentável
os nossos
rios correm pela estética das armas
o nosso
sangue corre pelas estrelas de guernica
são
corrosivas!
e as crianças
morrem pelo sangue dos cadáveres
as crianças
morrem aos irmãos do medo
às granadas plásticas.
onde estão os
humanistas?
para onde
foram as toilettes barbitúricas das armas?
e trazemos
astronautas
a solidão
negra dos pássaros,
os robes
pretos nas goelas politécnicas das armas
trazemos os
cadáveres.
são os novos
códigos das morgues de Santiago.
são os novos
códigos do Iraque.
são as novas
naves guatemaltecas
programáveis
de ítems!
artigo I.
Tenho medo!
artigo 2.
Tenho medo!
Artigo 3. “Où
est ma valise?”
oh a pele
habita o medo
e o medo
habita as margens,
a pele habita
o medo
o medo habita
as margens.
são os rios
negros do terrorismo!
e somos os
traficantes das drogas
nas ogivas
nas armas
somos os
traficantes dos dólares
nos cachets
dos chiles,
no nosso
sangue correm as estrelas de granada
no nosso
sangue correm as estrelas terroristas
onde estão os
humanistas?
onde estão os
meus irmãos artistas?
e marchamos
tristes
sobre a
ditadura dos átomos
trazemos as
cicatrizes
como uma
ogiva inteligível.
são os
bordéis dos Chades! são as páginas das Líbias!
para onde
foram as paralelas brancas do “penso, logo existo”?
para onde
foram as estrelas infinitas?
Ah, e no
bairro do terror somos os assassinos!
fazemos o
amor
como caves
terroristas,
são as flores
que crescem
nos bairros
ensanguentados,
sinistras,
nos jardins
políticos!
é o pavimento
lustrado.
é terrorismo.
Ó minha irmã
Violência! Ó minha irmã Guernica!
a solidão
mudou de cave
como uma nave
terrorista!…
maria azenha
in
" P.I.M.",pág. 36 a 38
Nota: O bombardeamento de Guernica, uma
obscura vila do País basco, perpetrado pela esquadrilha alemã Condor, ao
serviço de Franco, deu pretexto e inspiração a muitos poetas e escritores, para
descreverem a barbárie do fascismo que nascia em Espanha. Mas o bombardeamento
de Guernica não teria marcado a nossa memória coletiva se Pablo Picasso não o
tivesse imortalizado numa notável obra pictórica, que nunca se esgotou no
tempo, podendo ser considerada a obra-prima do autor e a mais emblemática do
século XX.
Os
poetas não perderam a oportunidade de escrever sobre Guernica. Oportunidade que
também não escapou à inspiração de Maria Azenha. Dos poemas que conheço sobre
este tema, e são alguns, em português e em castelhano, o de Maria Azenha é dos
mais marcantes em termos literários e iguala em talento e em grandeza poética o
poema sobre o mesmo tema, de CarlosOliveira, um poeta e um notável romancista do movimento neo-realista português
do pós-guerra e que escreveu o conhecido romance Uma Abelha na Chuva.
Percorreram
caminhos diferentes, mas ambos exaltantes. Carlos Oliveira deteve-se no
pormenor descritivo da tela de Picasso, interpretando poeticamente cada figura
pictórica. Maria Azenha preferiu ignorar a tela do pintor e partiu em desfilada
pelo mundo a perseguir as guerras, os fantasmas dos nossos medos coletivos, os fascismos
e a barbárie, cruzando metaforicamente “a solidão negra dos pássaros” com as “goelas
politécnicas das armas”, ao mesmo tempo que nos fala do “medo”, aquele “medo
que habita as margens”. E não deixa de denunciar os silêncios cúmplices,
quando, perante os dramas humanos do nosso tempo, o tempo da minha geração e o
da “poeta”, se interroga desesperadamente, “onde estão os humanistas?/onde
estão os meus irmãos artistas?”, para, uma vez desiludida, concluir “Ah e no
bairro do terror somos os assassinos”, uma acusação ao correr do fio de uma
navalha, perante o conformismo e acomodação, que pesam na nossa consciência coletiva.
Este
poema de Maria Azenha engrandece-se pela profusão metafórica, mas, acima de
tudo, pela brutal denúncia a que procede. Raramente a Poesia e a Política (no sentido mais nobre
do termo) se cruzaram com tanta violência.
Alexandre de CastroA “poeta” Maria Azenha colabora neste blogue, publicando-se um poema seu, às quintas-feiras.
1 comentário:
Excelente poema, como só Maria Azenha o pode dizer...
Partilhei por lá.
Abraço,
Citoyen Du Monde
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