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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Em Portugal ainda há escravos!....


Em 26 anos nunca vi 5 tostões. Zero
JOANA GORJÃO HENRIQUES

Francisco esteve 26 anos numa quinta do Alentejo, às mãos de uma família portuguesa. Estima-se que existam em Portugal entre 1300 e 1400 escravos. Conseguiu fugir há três meses

Ao domingo, sentava-se no quarto a ouvir a rádio. Para trás, deixava seis dias de trabalho no campo, deixava a enxada, as sementes que lançava à terra, deixava as ovelhas, os porcos, as vacas e punha-se a seguir os relatos de futebol ou a ouvir música. Ao menos ali podia escolher. Podia escolher em que estação iria sintonizar. O resto, as horas de comer, o que ia vestir, quando ia para a cama, que tarefa ia desempenhar, tudo o que é um dado adquirido para qualquer um de nós, era definido pelos patrões. Às 13h era a hora do almoço. Na cozinha.
Durante 26 anos, o domingo foi o único dia de descanso de Francisco (nome fictício). Nunca teve férias. Trabalhou sempre sem horários. Levantava-se, no Verão, às 5h30 para regar a horta, antes de o calor tornar a tarefa impossível de suportar. Geralmente, acabava o dia já depois de o sol se pôr, às vezes perto da meia-noite, se o patrão precisasse dele. Durante 26 anos, fez tudo isto numa quinta no Alentejo. “Em 26 anos, nunca vi 5 tostões. Zero”, diz-nos Francisco, levantando um pouco a voz, mas sem qualquer ponta de agressividade.
Aos 63 anos, Francisco, angolano, é um homem de estatura pequena, que solta um riso que lhe vem de dentro, um riso que se vai tornando ainda mais poderoso à medida que nos conta a tragédia em que se tornou a sua vida. Conta-nos, depois de passar em revista a sua história, que ri para aguentar, como se essa fosse a arma final de quem é humilhado uma vida inteira mas não verga, não verga porque ainda é dono das suas emoções.
Foi explorado pelos patrões, um casal português, que o algemou quando lhe confiscou os documentos de identificação e o obrigou a trabalhar de graça. Francisco entregou os documentos um dia porque pensava que lhe iriam tratar da regularização. Nunca mais viu papel nenhum. Em 26 anos, foi, aqui e ali, pedindo ajuda a alguns. Fecharam-lhe sempre a porta. Convenceu-se de que nunca iria ser capaz de sair dali.
E então ficou com medo de fugir. Medo de ir parar à prisão. Medo de ficar sem comer. Medo de perder o almoço e o jantar. Medo de ficar sem a cama e o banho de água quente que, apesar de tudo, ainda lhe davam. “Fugir para onde?”, perguntou-se, durante 26 anos.
Tinha chegado a Portugal em 1975, escapando da guerra civil em Angola. Em Portugal, pelo que conta, deram-lhe o estatuto de refugiado na altura. Sem esse documento, que não voltou ao bolso de Francisco, ninguém o empregava. Uma vez fugiu da quinta. Durou um, dois dias. Foi ter com um senhor que conhecia. “Somos amigos, mas não tens documentos…”, ouviu. Voltou à quinta pelo seu pé. A patroa, quando o viu, começou a chorar. Ele disse: “Mas não me pagam.” Responderam: “A gente arranja isso.” Nunca “arranjaram”.

A sua vida era o campo
Quando Francisco foi parar às mãos deles nos anos 1980, o fim do colonialismo ainda era recente. Ele próprio tinha lutado, em Angola, ao lado dos portugueses. Antes de rumar a Portugal, trabalhava para uma portuguesa, que sempre o tratou bem, segundo conta. Ela não sabia falar “a língua angolana”, ele ajudava-a a traduzir, fazia vários serviços por 300 escudos ao mês, suficiente para vestir, porque “comer não precisava, tinha tudo” em casa da mãe. Trabalhava de manhã e à tarde, depois regressava a casa da mãe, em Quipeio (Huambo), onde nasceu. “Às quatro da tarde, a senhora dizia: ‘Vai para casa’.” Foram os portugueses que o educaram, diz, apesar de ele nunca ter estudado. “Graças a Deus, no tempo do [Marcelo] Caetano tratavam-me bem.” Até aos 25 anos, a sua vida era o campo, como sempre. A patroa voltaria a Portugal quando estourou a guerra civil, deixou-lhe “o comércio”, uma loja que vendia “tudo”, tabaco, panos, peixe. “Toma, está aqui a chave, vamos embora”, disse-lhe a patroa. Francisco seria roubado, e pôs-se a andar para Portugal. A mãe não quis acompanhá-lo, preferiu ficar, mas o irmão, que entretanto morreu, sim
Dos patrões que o escravizaram não tem queixas de o tratarem de forma racista. Como também não lhe batiam, garante. Os maus tratos eram outros, e podiam passar simplesmente por nunca o levarem ao médico, a não ser quando era mesmo necessário. E disso ele não estava à espera quando o primeiro patrão para quem foi trabalhar no Norte, em 1975, lhe disse, ao fim de 11 anos, que ele iria para o Sul do país com a irmã e o cunhado — estávamos, pelas contas, em 1986. Lá, em Castelo Rodrigo, sempre foi pago. Aliás, até foi aumentado logo ao princípio, quando começou a trabalhar numa vacaria: “Entrei com 5 contos. Depois o meu patrão disse-me: ‘Oh, vou-te aumentar mais um bocadinho, estás a trabalhar bem.” Passaram a oferecer-lhe 12 contos. “Eu disse obrigado”, conta-nos, orgulhoso.
Depois veio a vida de escravatura em Évora. Os novos patrões eram, na altura, aquilo a que Francisco chama de seus amigos. Conheceu-os ainda eles namoravam. No Norte, prometeram-lhe contrato. Ele foi com eles. Quando chegou, o filho que hoje tem 27 anos tinha apenas um ano; o mais velho teria três. “Passou um mês, nada. Passou outro, nada. [Perguntava-lhes]: ‘Agora acabo com a roupa, como vou comprar?’” A resposta era a mesma: nada.

Dos patrões que o escravizaram não
tem queixas de o tratarem de forma racista.
Como também não lhe batiam, garante.
Os maus tratos eram outros, e podiam passar
simplesmente por nunca o levarem ao médico,
a não ser quando era mesmo necessário


Roupa os patrões não lhe compravam. Seriam outras pessoas que andariam pela quinta, “amigos” que lhe dariam, de vez em quando, coisas com que se vestir e sapatos. Tinha um quarto, com casa de banho para si, mas comia na cozinha, por vezes com outros empregados, que trabalhavam na quinta, esses, sim, a ganhar. A patroa é que limpava a casa, mas houve uma altura em que havia uma ucraniana a fazer o serviço, do qual desistiria quando percebeu que não era paga. É difícil perceber, pelas suas descrições, a dimensão da riqueza da família, que tipo de quinta e herdade seriam, quais os negócios dos patrões: ele diz que compravam e vendiam gado, teriam algum dinheiro, mas quanto, e mais do que isso, não sabe ou não quer dizer. Teriam amigos, que Francisco viu pela quinta. Nunca nenhum entrou em sua defesa? Ele relata que houve quem chegasse a acusar os patrões: “Não tens vergonha de não pagar ao homem?” Mas, comentário de Francisco, face à indiferença com que olhavam para o seu caso: “Muita gente arranjava assim empregados, a trabalhar de graça.” Ou seja, na sua cabeça, ele não seria caso único.

Passou um mês, nada. Passou outro, nada.
[Perguntava-lhes]: ‘Agora acabo com a roupa,
como vou comprar?’ A resposta era a mesma: nada

A Francisco nunca lhe ocorreu agarrar no telefone, em casa dos patrões, e fazer queixa às autoridades.
Tinha medo. E também não sabia a quem recorrer. Já tinha contado a uma tia que vivia no Norte, e que não vê há 24 anos, o que se passara. Disse-lhe, exactamente, onde ficava a quinta no Alentejo. Ela nunca apareceu, nem mandou ninguém para o resgatar.
Os dois filhos dos patrões, jovens — um terá perdido o emprego por não gostar de usar gravata, acordar cedo e fazer a barba, segundo conta a rir —, sabiam que ele era escravo. Tanto que, por vezes, Francisco levantava a voz para lhes atirar à cara:
— Pensam que estou para aturar vocês, ou quê? Não ganho nada!
Eles não diziam mais nada.
— Olha, a vossa sorte é que vocês não me entregam os documentos. Não estou para aturar vocês os dois, a vossa mãe e o vosso pai.

"Custava-me sentar e não trabalhar"
Ao longo de 26 anos, Francisco terá tido episódios de revolta, alguns poderão estar já longe, muito longe. As memórias estão vívidas quando conta algumas cenas, que diz serem das poucas em que se zangou a sério. Uma vez foi quando a patroa lhe pediu para trabalhar ao domingo. Ele disse: “‘Então vou trabalhar a um domingo? Hoje, não faço nada. Se não comer, também não morro.’ Não a vi mais o dia todo.” Que fossem os filhos a pegar na enxada, respondeu.
Outra vez foi quando a patroa decidiu pedir roupa a um armazém para ele e para ela própria, fingindo que seria para a mulher de Francisco. “Mas a senhora [que deu a roupa] chegou perto de mim e disse: ‘A sua patroa pediu para arranjar roupa para si e para a sua senhora.’ Eu disse: ‘Não senhora, estás enganada, não tenho mulher’.”
Ela sabia que Francisco era solteiro. Ele, irado, confrontou a patroa: “Como foste mentir a dizer que era preciso roupa de senhora? Foste pedir para ti ou foste pedir para mim?’ Comecei a enervar-me. Chamei o marido [o patrão].” Ele deu-lhe razão, e terá batido na mulher.
Francisco irou-se até porque nunca teve uma namorada ao longo daqueles 26 anos. O seu tom desce quando lhe perguntamos por isso mesmo, se namorou. Nunca, responde. “Dou o quê à namorada? Não ganhava nada. Casava e depois? Era ela que trabalhava para mim?” Silêncio, à espera da nova pergunta.

Tinha um quarto, com casa de banho
para si, mas comia na cozinha,
por vezes com outros empregados, que
trabalhavam na quinta, esses, sim, a ganhar

De resto, nunca conseguiu dizer aos patrões que não trabalhava. Não podia, senão ficava sem comida e sem tabaco. “Custava-me sentar e não trabalhar.” Não ia ao café, estava sempre na quinta, mesmo ao domingo. Na rádio, nunca ouviu histórias parecidas com a sua, nunca ouviu uma notícia que o inspirasse a pedir ajuda.
Até que um dia se lembrou: “Estou a ficar velho, com 63 anos. Um dia não posso trabalhar e botam-me para fora. Isso foi do que me lembrei. Botam-me para fora.” E imita o que imaginou os patrões a fazerem-lhe: “Não podes trabalhar, vai embora!”
E assim, ao fim de várias tentativas, ao fim de 26 anos a virarem-lhe a cara, foi falar com uma amiga, que lhe disse para falar com um homem que trabalhava num armazém do patrão. “Comecei a dar-lhe confiança, eu também tinha confiança. Às vezes estava muito triste e ele me perguntava:
— Que é que se passa?
— Não se passa nada. De manhã até agora, ainda não fumei um cigarro.
Ele também fumava e assim me dava um cigarro. Tentei falar com ele:
— Tenho que falar rápido que tenho de regar as batatas.
Estava muito calor.
— Tá bem… Tens tempo para regar as batatas.
— É assim, assim, assim [e explicou-lhe].
— Ai é? Porque não me disseste há mais tempo, estou aqui há um mês?
Ele disse que ia falar com um amigo que foi com ele para tropa. Passou uma semana, e o outro não aparecia. Fui outra vez ao armazém.
— Eh pá, então?
— Calma, isso não é para fazer à pressa.
Tirou as coisas dele do armazém e, com calma, foi-se embora.”
A guarda apareceu enfim, conta Francisco. Andou a perguntar por Francisco à patroa, que inventou que ele tinha sido levado pelo filho para a herdade. O filho, por sua vez, terá dito que Francisco estava com a mãe. Francisco: “Passei por uma porta. Já estava na estrada. Estava nervoso. [E pensei]: ‘Fico aqui, quando eles vierem me apanham.’ O sargento disse: ‘Anda cá. Tu vais já com a gente. Não tenhas medo. A gente não fazemos mal.’” Entrou para o carro. “Só fiz assim com o braço [acena]: ‘Adeus!’” O que se seguiu deve ter sido uma das suas gargalhadas poderosas, como fez ao contar-nos isto.
Ficou com pena de uma única coisa: do cão, que adorava. E de deixar de andar na terra, porque esta foi e continua a ser a sua vida. Se há algum sonho que tenha, é do “trabalhar”. Não consegue verbalizar o que deixou para trás. Mesmo se ganhasse o Euromilhões, era aí que investiria: numa herdade, para tratar dela. Sabe, claro, que era escravo. “Não era escravo? Ainda era pior. Porque não ganhava nada.” E raiva, nunca sentiu? “Raiva para quê? Para nada. Andava sempre contente com os meus companheiros.” Quando ficava triste, era porque, às vezes, se lembrava: “Não ganho nada, os outros recebem.”

Raiva para quê? Para nada.
Andava sempre contente com
os meus companheiros

O que é escravatura
Na instituição que acolheu Francisco, não há dúvidas: a situação é de “autêntica escravatura”, diz Hernâni Caniço, fundador da associação Saúde em Português, que gere um Centro de Acolhimento e Protecção a vítimas de tráfico de seres humanos do sexo masculino ao abrigo de um projecto financiado através da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Uma das equipas regionais de assistência a vítimas de tráfico humano da Associação para o Planeamento da Família contactou a Saúde em Português depois de uma denúncia, seguida de uma rusga à quinta no Alentejo pela GNR. A 5 de Setembro, Francisco foi acolhido no CAP da Saúde em Português. O caso está a ser investigado, mas esta organização não quis revelar mais informação para não perturbar a investigação. Francisco foi alguém que esteve sozinho, durante muitos anos, mas que nunca ninguém ouviu. Talvez por isso Hernâni Caniço sublinhe que é preciso uma maior sensibilização da sociedade, até porque “há uma desvalorização deste crime”.
Preto no branco, o crime de escravidão, punido com pena de 5 a 15 anos, para o Código Penal é isto: “Quem a) Reduzir outra pessoa ao estado ou à condição de escravo; ou b) Alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar com a intenção de a manter na situação prevista na alínea anterior.” O que é demasiado sucinto, tanto que não define o que é escravatura. Mas num acórdão do Tribunal da Relação do Porto de Janeiro deste ano, que condenou dois indivíduos por este crime (a sete anos e seis meses, e a cinco e seis meses), escreve-se que “por escravatura entende-se ‘o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou quaisquer atributos do direito de propriedade”. E adianta-se: “Cabe na previsão legal a escravidão laboral, nos casos em que a vítima é objecto de uma completa relação de domínio por parte do agente, vivenciando um permanente ‘regime de medo’, não tendo poder de decisão sobre o modo e tempo da prestação do trabalho e não recebendo qualquer parte da sua retribuição.”
Dou o quê à namorada? Não ganhava
nada. Casava e depois? Era ela que
trabalhava para mim?

Têm sido raros os julgamentos de casos de escravatura, e a punição ainda mais. Segundo o Ministério da Justiça, os dados disponíveis dos últimos dez anos sobre crimes por escravidão estão protegidos por segredo estatístico, pelo facto de as ocorrências (condenações) serem inferiores a três. Além do citado acórdão do Porto, há pelo menos notícia de que, em 2011, o Tribunal do Fundão condenou três pessoas, naquela que foi considerada na altura a primeira condenação de sempre por escravatura em Portugal.
Na Polícia Judiciária (PJ) deram entrada, até final de Novembro deste ano, 10 processos relativos ao crime específico de escravatura. Eram 14 em 2012, 15 em 2011, ou 13 em 2008. Em cada processo, pode estar mais do que um tipo de crime, mais do que uma vítima, mais do que um agressor. Os números sobem quando se fala de tráfico de seres humanos — um crime ao qual o de escravidão está, muitas vezes, associado, quando se trata de tráfico para exploração laboral: em 2013, deram entrada na PJ 31, e a média dos 30 foi constante nos anos anteriores, sendo mais alta em 2008, quando se registaram 39.
Mas, como várias organizações ligadas a este fenómeno não se têm cansado de divulgar, os números escondem uma realidade que fica debaixo do tapete por diversas razões, muito por ser difícil de provar e às vezes por dificuldade da vítima em denunciar. Quando em Outubro foi divulgado o primeiro Índice Global de Escravatura 2013, revelaram-se números chocantes: estimava em quase 30 milhões o número de escravos modernos que existiam no mundo e entre 1300 e 1400 em Portugal. Só neste ano, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) já identificou cerca de 60 pessoas vítimas de escravidão por dívida, casos comunicados ao Ministério Público. São os casos que o inspector-geral da ACT, Pedro Pimenta Braz, não tem dúvidas de que se tratam de escravatura. Destes, excluem-se os casos “cinzentos”, em que as pessoas estão em situações desumanas mas podem, “no limite”, mesmo com grandes dificuldades, sair do sítio onde estão. Sinais de escravatura, sem dúvidas: a retenção dos documentos de identificação de alguém, diz.

Saudades da terra
O caso de Francisco não será do mesmo tipo de escravatura que se tem ouvido nos últimos tempos e que a ACT tem fiscalizado, pois ele chegou a Portugal pelo seu próprio pé. Mais do que tudo: é diferente pela duração. É diferente também, em alguns aspectos, das redes que trazem estrangeiros para trabalhar, por exemplo, na azeitona, quando, em vez de receberem, os trabalhadores ficam com dívidas aos patrões (pelo alojamento, alimentação e taxa sobre o que ganham) e recebem ainda ameaças físicas. É diferente também por Francisco não estar num grupo com mais escravos. A família que o aprisionou era, aparentemente, “uma família normal”, que “normalizou a situação” e a dada altura começou a explorar Francisco, analisa o psicólogo. “As pessoas acabam por se mentir a elas próprias, acabam por se dizer que até lhe estavam a fazer bem, que lhe davam comida e roupa. Na cabeça deles, nem sequer entendiam isto como grande abuso, e isso é tão ou mais grave.”

Estou a ficar velho, com 63 anos.
Um dia não posso trabalhar e botam-me
para fora. Isso foi do que me lembrei.
Botam-me para fora

O psicólogo, que tem acompanhado Francisco ao longo destes três meses, relata que tem sido um período de adaptação difícil, porque, apesar de Francisco saber que estava “numa situação má”, apesar de ter noção de que era vítima de escravatura, sente falta de algumas coisas — e a terra, o campo, é uma delas. Francisco tem as capacidades cognitivas intactas e se, para todos há dificuldade nas adaptações a mudanças, imagine-se para quem passou por uma mudança radical, lembra. “Esteve tanto tempo numa situação de maus tratos… Sempre lhe foi confirmada a ideia de que ele não podia sair dali, que tinha de se resignar. Agora temos de ir devagarinho, porque tem de integrar as mudanças aos poucos.”
Um dos trabalhos a desenvolver é à volta das expectativas em relação ao futuro de um homem com 63 anos, para quem não será fácil a integração no mercado de trabalho e muito menos na formação. “É uma pessoa com capacidades e muitas competências na área que ele gosta. Já conseguiu fazer crescer uma série de plantas, de ervas e de flores” no sítio em que está a viver.
Das saudades da terra fala-nos Francisco várias vezes. O que é que ele desejaria que acontecesse aos patrões? “Pagarem-me o que não me pagaram.” Deviam ser julgados e condenados? Sim. Se lhes pudesse dizer agora alguma coisa, seria isto: “Não dizia nada.”

O que é que ele desejaria que acontecesse aos patrões? “Pagarem-me o que não me pagaram.” Deviam ser julgados e condenados? Sim. Se lhes pudesse dizer agora alguma coisa, seria isto: “Não dizia nada.”

JOANA GORJÃO HENRIQUES

15 de Dezembro de 2013

Crónica: Provocação a um benfiquista e o exótico discurso sexual dos patos bravos


Caro Bruno:
Agora não vou falar-lhe do Benfica, para não o atormentar mais. Já basta o que basta.
Hoje, quero felicitá-lo por ter escolhido, para um dos momentos do seu lazer, o maravilhoso parque da Quinta das Conchas e da Quinta dos Lilases, ao Lumiar. É um local paradisíaco. Ali, na parte mais elevada, revestida por uma abundante vegetação selvagem, ainda se podem ver algumas pequenas aves que escolheram aquele espaço para nidificação, o que é um autêntico milagre numa cidade, onde impera a ditadura do cimento e do automóvel. Lembro-me de ter feito algumas reportagens para o nosso saudoso jornal, na altura em que aquele espaço verde esteve ameaçado pela gula dos patos bravos, que andaram a construir, a norte, a urbanização da Alta de Lisboa. Ainda conseguiram destruir o muro da cerca original, para derrubar algumas árvores centenárias e proceder ao esbulho de uma franja de terreno, pertencente ao parque, um crime que ficou impune.
Esses patos bravos e esses promotores imobiliários também tentaram abrir uma rua, para fazer a ligação directa da urbanização à avenida das Linhas de Torres, intento que foi travado, devido à corajosa luta da comissão de  moradores do Lumiar. Evitou-se assim o esquartejamento das duas quintas e, consequentemente, a destruição daquele espaço verde, pois, a partir dali, ficaria aberto o caminho para as árvores serem substituídas pelo tijolo e pelo cimento.
Estes patos bravos são assim. Não podem ver na cidade uma nesga de terreno, que não pensem logo em construir condomínios. Há quem diga até que os patos bravos têm potentes orgasmos quando olham para um arranha-céus, coisa que não lhes acontece quando fodem com as suas mulheres, o que os leva, em desespero de causa, a procurarem as putas nos bares de alterne da Duque de Loulé e da Luciano Cordeiro, o único sítio onde podem fazer crer que a sua potência sexual é equivalente à da potência dos motores dos seus automóveis topo de gama, invariavelmente da marca Mercedes e Audi, e que ficam caoticamente estacionados nos passeios daquelas artérias, numa manifestação pirosa de ostentação.
Só naqueles espaços obscuros da noite de Lisboa é que conseguem satisfazer as suas bizarras fantasias, e não só as de âmbito sexual, constando até, por aí, que, a mais bizarra, é aquela em que um famoso empreiteiro exige das meninas, a troco de uma nota de cem euros por cabeça, que o considerem presidente do glorioso, encenação esta que apenas ocorre, já perto da madrugada, quando ele já está encharcado em whisky.
Um abraço

Alexandre de Castro

Lisboa, Setembro de 2011

domingo, 29 de dezembro de 2013

Conto: A Partida - por Franz Kafka

Franz kafka
(03/07/1883 - 03/06/1924)

A PARTIDA

Ordenei que tirassem meu cavalo da estrebaria. O criado não me entendeu. Fui pessoalmente à estrebaria, selei o cavalo e montei-o. Ouvi soar à distância uma trompa, perguntei-lhe o que aquilo significava. Ele não sabia de nada e não havia escutado nada. Perto do portão ele me deteve e perguntou:
- Para onde cavalga, senhor?
- Não sei direito - eu disse - só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar: só assim posso atingir meu objetivo.
- Conhece então seu objetivo? - perguntou ele.
- Sim - respondi -. Eu já disse: “fora-daqui", é esse o meu objetivo.
- O senhor não leva provisões - disse ele.
- Não preciso de nenhuma - disse eu -. A viagem é tão longa que tenho de morrer de fome se não receber nada no caminho. Nenhuma provisão me pode salvar. Por sorte esta viagem é realmente imensa.

 Franz Kafka

Poesia Declamada: Poemas de Maria do Rosário Pedreira

Hora da Poesia - MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA

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Ver aqui outro poema de Maria do Rosário Pedreira, publicado neste blogue.
Vídeo sugerido, através da página da "poeta" Maria Azenha.

Deus também decretou a austeridade: É necessário encerrar alguns lugares sagrados (apenas algumas gorduras)!...

**

Santuário espanhol
destruído por raio

No dia de Natal, um santuário em Muxia ficou destruído por um incêndio provocado por um raio.
O presidente da Câmara de Muxia, Feliz Porto, disse que o santuário A Virxe da Barca, construído em 1719, é “irrecuperável” e que ficou “completamente destruído”. Ardeu o tecto e o interior onde estão as pedras base em que assenta o edifício.
O combate às chamas foi dificultado pelo vento.

***«»***
Já nem sequer os lugares sagrados se salvam! E o Papa que se cuide, pois ainda pode vir a ser um sem abrigo, se a austeridade chegar ao Vaticano!... Basta que Deus acorde mal disposto e resolva querer acabar com aquela escandaleira!...

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

FNAM recorda o médico e o cidadão, Albino Aroso, falecido ontem.


O médico Albino Aroso, conhecido
como o "pai"  do planeamento familiar
e eleito um dos 65 clínicos "mais
dedicados a causas  públicas no
campo da saúde", morreu hoje [ontem]
no Porto, segundo fonte do Ministério 
da Saúde. 

Federação Nacional dos Médicos

O Dr. Albino Aroso deixou-nos. Mais sós e com responsabilidades acrescidas.
Perdemos o colega de sorriso franco e disponível, solidário e sempre motivador para novos projectos em prol da saúde de todos e para todos. Perdemos o colega que ousou pensar e tomar partido mesmo quando isso poderia ser incómodo. Tomou partido pelas Carreiras Médicas, pelo SNS, pelo Direito das Mulheres.
Tomou sempre o partido da cidadania e dos valores humanistas mais profundos e assim exerceu Medicina. Com o saber e os afectos.
Portugal perdeu o cidadão, o profissional mas também o político e governante que soube colocar os princípios e valores maiores ao serviço dos seus semelhantes.
Fomos testemunhas e parceiros de alguns episódios relacionados com a sua acção governativa enquanto Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde entre 1987 e 1991. Com ele negociamos com êxito o DL 73/90 que viria a consolidar as Carreiras Médicas enquanto base fundamental para o reforço e
aprofundamento do nosso Serviço Nacional de Saúde, ideia e projecto em que sempre militou. A sua acção nas áreas do Planeamento Familiar e, mais genericamente na Saúde Materno Infantil e Direitos da Mulher, contribuiria como poucas para projectar Portugal para resultados verdadeiramente notáveis realizados nos últimos 30 anos.
Neste momento de consternação a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) mais não pode fazer do que recordar tão extraordinária existência assumindo as suas responsabilidades, enquanto estrutura sindical médica, no prosseguimento dum conceito partilhado que entende o exercício da medicina indissociável do
direito universal do acesso a serviços de saúde de qualidade sem distinção de raça, género, idade ou condição social e económica.
À família do Dr. Albino Aroso endereçamos as nossas condolências sem deixar de realçar o enorme privilégio de com ele termos cruzado e partilhado uma parte inesquecível das nossas histórias.

Porto, 27 de Dezembro de 2013
P’la Federação Nacional dos Médicos

Merlinde Madureira

domingo, 22 de dezembro de 2013

Notas do meu rodapé: Portugal é isto!... Um país imperfeito, mal acabado, falhado e permanentemente adiado.


Oito milhões gastos pela Parque Escolar deixaram escola de Alverca pior do que estava

Edifícios e equipamentos a 
degradarem-se, um processo 
em tribunal por incumprimento 
de contrato, alertas da Protecção
Civil por falta de segurança. 
A ampliação da Escola Secundária 
Gago Coutinho está parada por 
"razões orçamentais" e não tem 
data para recomeçar.

A empresa pública Parque Escolar gastou cerca de oito milhões de euros num projecto de modernização e ampliação da Escola Secundária Gago Coutinho de Alverca, mas a obra parou em 2011, quando ainda estava a meio e, desde então, nunca mais recomeçou, deixando o espaço escolar reduzido a pouco mais de metade.
Alunos e professores nunca tiveram acesso a parte das novas instalações (já concluídas) e o Ministério da Educação, por “razões orçamentais”, não prevê qualquer data para retomar os trabalhos – estimados num total de 14 milhões de euros. O empreiteiro da obra, a firma Alves Ribeiro, colocou a Parque Escolar em tribunal por incumprimento do contrato. E uma avaliação da Protecção Civil local já alertou para a falta de saídas de emergência em dois dos antigos blocos de salas em funcionamento, porque as que existiam estão tapadas por taipais colocados pela Parque Escolar.
Jorge Talixa
PÚBLICO, 21.12.2013

***«»***
Portugal é isto!... Um país imperfeito, mal acabado, falhado e permanentemente adiado. E eu não entendo porquê!...
Dizem-me que é do clima.
Dizem-me que é da sua situação periférica, com grandes dificuldades de acessibilidade ao centro da Europa, o que, secularmente, lhe ditou um crónico atraso, no âmbito do livre trânsito das ideias, na aceleração do progresso e também no desencadeamento das revoluções, que, quando as fez, já estavam ultrapassadas no seu tempo histórico de vida útil.
Dizem-me que é um problema socialmente genético, que a História foi moldando, numa lenta e silenciosa gestação.
Dizem-me que ainda não nos libertámos totalmente de uma certa mentalidade feudal, a assomar antigos vínculos entre os senhores e os servos da gleba e que foi incutida subliminarmente pelos sucessivos herdeiros da bárbara e ignorante aristocracia visigótica e por um astuto e dominante clero, que continua ativo e vigilante.
Dizem-me que é da alma sebastianista, que anda à solta por aí, alojada no subconsciente de cada português, e que o leva a acreditar no milagre das manhãs de nevoeiro.
Dizem-me que é por os portugueses terem apenas uma altura média de um metro e sessenta e oito centímetros e por gostarem de fado e de pataniscas de bacalhau com arroz de feijão.
Dizem-me que estamos condenados a ser pobres, por nunca termos sabido gerir a riqueza, ao mesmo tempo que, dos ricos, apenas lhes imitávamos os seus vícios e a sua ostentação.
Dizem-me, por fim, que somos ignorantes, corruptos, permissivos e oportunistas, incluindo os letrados, por causa de um défice cognitivo, herdado dos Neandertais. 
Eu não sei qual destas razões devo aceitar, se todas elas ou apenas algumas. O que eu sei é que a roda não anda, e que agora até começa a desandar.
AC 

Conto: Notícia de Última Hora...


Notícia de Última Hora

O problema é que estavam a pedir-lhe muito. E tudo ao mesmo tempo!...
Cada vez com mais insistência, pediam-lhe que atingisse os objetivos; que fosse desmesuradamente ambicioso; que ultrapassasse os obstáculos; que aumentasse a autoestima e atingisse o sucesso, exercitando o seu talento; que controlasse e exercesse uma influência decisiva sobre os outros, excitando e surpreendendo, fascinando, chocando, intrigando e divertindo.
Tinha de ser o melhor para ser feliz e sentir-se realizado, diziam-lhe em tom imperativo, e ele, intimamente, punha-se a tentar adivinhar como seria o mundo, se todos começassem a cumprir, ao mesmo tempo, todas aquelas exigências, de que ele começava a ter medo.
Aqui é proibido fracassar, continuavam a dizer-lhe. É obrigatório desafiar a convenção, evitar a dor e a vergonha, reprimir o medo. É necessário dominar tudo e todos, sem qualquer espécie de escrúpulos.
Foi neste momento que resolveu sair da sala e fechar a porta. Uma vez na rua, começou a ver tudo nublado e cinzento.
No dia seguinte, os jornais davam a notícia de que um jovem tinha sido encontrado morto, no quarto onde vivia, no meio de um charco de sangue, com a pistola ainda agarrada à mão direita.

Alexandre de Castro

Lisboa, 22 de Dezembro de 2013

sábado, 21 de dezembro de 2013

FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS: MINISTÉRIO DA SAÚDE ENSAIA O FIM DAS USF


FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS


COMISSÃO EXECUTIVA
COMUNICADO 19. DEZEMBRO.2013

MINISTÉRIO DA SAÚDE ENSAIA O FIM DAS USF

Ministério da Saúde não 
honra compromissos,
coloca-se à margem da lei 
e tenta fragilizar o SNS,
atacando justamente 
uma componente decisiva
da sua base – as Unidades 
de Saúde Familiar.

Desde Setembro de 2005 que a FNAM, através dos seus 3 sindicatos regionais, se envolveu empenhada, crítica e construtivamente no apoio à profunda e meritória reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), cuja componente mais expressiva resultou na criação das Unidades de Saúde Familiar (USF).

Milhares de profissionais (médicos, enfermeiros e secretários clínicos) responderam positivamente ao desafio, lançado em 2006 pelo Ministério da Saúde, constituindo por todo o país unidades que, pelos resultados obtidos e validados, são alvo de atenções e reconhecimento como caso de sucesso obtido no quadro do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

As USF constituem hoje um raro ponto de consenso. Cidadãos, associações profissionais e todos os partidos políticos com assento parlamentar convergem na avaliação positiva do modelo.

A própria Troika, através dos sucessivos memorandos de entendimento, não tem dúvidas de explicitamente recomendar que se continue a aumentar o número destas unidades, com um sistema retributivo que, ao reconhecer e ser sensível ao desempenho, contribui para a redução de custos e a uma prestação mais eficaz.
Ao mesmo tempo são alvo de interesse e estudo da parte do mundo académico e de vários organismos internacionais, independentes e governamentais.

As regras foram estabelecidas através de leis negociadas e publicadas em Diário da República.

Anualmente as USF assinam com as respetivas administrações regionais de saúde (ARS) cartas de compromisso com objetivos, regras e metas explícitas acessíveis a qualquer cidadão nas páginas web das ARS. Do cumprimento ou não desses acordos resultam consequências que, entre vários aspetos, se refletem na remuneração dos profissionais das USF Modelo B. Mais trabalho e melhor trabalho originam remunerações mensais e anuais com discriminação proporcionalmente positiva.

Para surpresa de todos, mesmo após ter chegado recentemente a um acordo com os sindicatos médicos na revisão da Portaria n.º 301/2008 que incluiu a temática dos incentivos financeiros aos enfermeiros e secretários clínicos das USF, surge a notícia de que o Ministério da Saúde decidiu, justificando-se com suposições e “estados de alma” mal disfarçados de eventuais conflitos jurídicos, suspender uma das componentes salariais devidas aos enfermeiros e secretários clínicos.

Mas pelo que se tem vindo a comprovar, para o Ministério da Saúde de pouco valem princípios, acordos e o cumprimento das próprias leis.

Todavia, liquidar as USF num só tempo para mais facilmente entregar os Cuidados de Saúde Primários ao mundo dos negócios privados, traria custos políticos incomportáveis para o Governo.

O objetivo é claro. Numa primeira fase, tentar desmotivar, dividir, abalar a coesão das equipas e assim promover a sua fragmentação. Dirão depois, lavando as mãos, que os responsáveis foram os próprios profissionais. A segunda fase será fácil de adivinhar.

Resumindo:

Através desta comunicação o Ministério da Saúde:

    - Coloca-se fora da Lei (DL 298/2007 de 22 de Agosto);

    - Não honra os compromissos que anualmente assina com grande parte das USF (Mod B);

    - Promove a destabilização dos seus próprios serviços, paradoxalmente daqueles que exibem valor acrescido de custo-efetividade;

    - Fragiliza a base do SNS favorecendo progressivamente a entrega das suas unidades ao mundo dos negócios privados.

O Ministério da Saúde não é pessoa de bem.

A FNAM reafirma o seu completo comprometimento na defesa duma reforma que ajudou a conceptualizar e que considera um modelo a preservar, desenvolver e seguir.

Como tal, apoiaremos ativamente e desde já o estabelecimento de contactos entre todas as organizações da área da saúde para que, em conjunto, sejam adotadas enérgicas formas de luta contra esta nova ofensiva do Governo e do seu Ministério da Saúde dirigida ao SNS e ao direito constitucional à saúde.

Cai definitivamente a máscara a esta equipa ministerial na sua ação dissimulada e silenciosa para desarticular e desmoronar o SNS.

Coimbra, 19 de Dezembro de 2013

A Comissão Executiva da FNAM

O Tribunal Constitucional chumbou diploma da convergência das pensões


O Tribunal Constitucional chumbou todas as normas que previam cortes nas pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA) por violação do princípio da confiança e a decisão foi "unânime".
Jornal de Negócios

***«»***
Uma decisão jurisdicional a derrotar uma proposta política. A unanimidade na votação do acórdão, que declarou a inconstitucionalidade do diploma da convergência das pensões dos funcionários públicos, deu mais força e prestígio ao Tribunal Constitucional, cujos juízes, das diversas sensibilidades políticas, apenas se fundamentaram em critérios jurídico-constitucionais. Por culpa própria, o governo, que desencadeou uma vergonhosa ofensiva chantagista sobre aquele órgão de soberania, perdeu o resto da credibilidade que lhe restava, se é que ainda tinha alguma, o que o coloca numa posição insustentável, a exigir a sua demissão, voluntária ou forçada.
AC

Agradecimento


Agradeço ao António Dias da Costa a amabilidade de ter aderido ao Alpendre da Lua, como amigo/seguidor.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

FNAM denuncia despedimento de dirigente sindical


MOÇÃO APROVADA PELO CONSELHO NACIONAL
 EM 14 DE DEZEMBRO

O Conselho Nacional da FNAM recentemente eleito no VIII Congresso, na sua primeira reunião efectuada em Coimbra, em 14.12.2013, tendo em conta
as perseguições que estão a ser alvo vários dirigentes e delegados sindicais em diversas instituições, que culminaram com o recente despedimento de uma dirigente do Sindicato dos Médicos da Zona Centro que, não obstante o Senhor Ministro da Saúde ter sido já pessoalmente alertado para as ilegalidades que estão a ser cometidas pelas diversas direcções por si nomeadas, continuam os processos disciplinares e a dirigente do SMZC mantém-se arbitrariamente afastada do seu local de trabalho, a que tinha acedido por concurso público,
o Conselho Nacional da FNAM decide:
Manifestar a sua total solidariedade para com os colegas alvo destas inaceitáveis perseguições de natureza político-sindical;
Encetar de imediato contacto com as administrações envolvidas em tão lamentáveis acontecimentos, que julgávamos pertencerem a um passado já longínquo, no sentido da sua resolução condigna com o Estado de Direito;
Solicitar desde já e com carácter de urgência uma audiência ao senhor Ministro da Saúde para a solução definitiva deste assunto.

Coimbra, 14.12.2013
O Conselho Nacional da FNAM

***«»***
A Federação Nacional dos Médicos e os seus três sindicatos regionais, que federa, são instituições malquistas para o Ministério da Saúde e para o seu atual titular. E isto, porque estas organizações sindicais, a par da sua vocação central, a da defesa dos interesses profissionais da classe médica, se apresentam publicamente como indefetíveis defensoras do Serviço Nacional de Saúde, que este governo pretende desmantelar, para abrir espaços de negócio ao setor privado da Saúde.
Tal como está a proceder com as organizações sindicais dos professores, este governo começa paulatinamente a mostrar as garras, que tinha escondidas, e a ensaiar a manobra repressiva e intimidatória, no sentido de instalar o medo e o desânimo neste importante setor profissional.
Ao solidarizarem-se com os médicos, os portugueses também estão a defender o Serviço Nacional de Saúde, cujas vantagens e benefícios nem os seus detratores conseguem negar em público.
AC

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Pintura: Almada Negreiros [2]

Clicar na imagem para a ampliar








O engenho faz a Arte...

Amabilidade do João Fráguas, que enviou este vídeo.
**
O árbitro nem sequer tinha um apito!...
Extraordinária peça cinematográfica, contada apenas por imagens, que é o que marca a originalidade da forma de expressão da Sétima Arte.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Poema: Marlene Antes de se deitar - por Maria Azenha

NATAL..sem fronteiras - Pintura em acrilico s/tela

Marlene Antes de se deitar

Marlene Antes de se deitar
beija de pé trinta santinhos
que estão na cómoda do quarto

encostados uns aos outros
lado a lado
e a uma boneca de pano
não podem olhar para o espelho

há uma cama muito estreita
e uma mesa de cabeceira
com um candeeiro a fingir de estrela
por cima Do presépio

os livros de Marlene muito magrinhos
vão fazer quase cem anos
estão montados numa estante feita de madeira
com os pãezinhos de Santo António e resmas
de papéis torcidos


o meu pai que já morreu
diz-me que isto é um perfeito Disparate
que um dia vou ser castigada
e obrigada a ler romances de cavalaria


Disparate ou não acredito obviamente
na Ressurreição dos políticos
a confirmar
a televisão de Marlene está sempre no mesmo sítio


Marlene Nunca escreveu uma carta à júlia pinheiro
nem à fátima lopes nem ao sr. aníbal não é o da mercearia
porque em pequena foi obrigada
a fazer cópias e camisolas e outros trabalhos forçados


hoje em dia olha para as pessoas
aos encontrões de santinhos
ela faz muitos cachecóis para o frio
e eu penso que estou a abraçar Marlene
na rua do Crucifixo


depois disto é preciso muito cuidado
passei a usar uma pala lateral nos olhos
faz-me falta esta prótese


Marlene com quem algumas vezes falo
disse-me que as baratas este natal andam muito 
[cabisbaixas
as lojas estão cheias de cócó de pombos
e que nunca mais tinha visto a Branca de neve
só depois percebi a quem se referia


mas para manter o sigilo
- antes ir para a cadeia do que ser reles -
só me vem à memória a assunção esteves
se calhar é uma encarnação do Esteves da Tabacaria
do Álvaro de Campos


Marlene anda muito triste e aborrecida
porque ninguém lhe liga e a santa casa da Misericórdia
manda-lhe comida a mais
a irmã que se chama Carminho
tem muitas vertigens e a mania de partir a cabeça
está quase sempre na prisão do sofá
com o saco de água quente nas mãos
debruado a ponto cruz
vai fazer noventa e nove anos
está cheia de pressa para conhecer s.josé
é por isso que Abel mata Caim que por sua vez ressuscita
[Abel
tenho muita pena de Marlene e do menino Jesus
porque não têm nenhuma doença mental
às vezes penso que devia ter conhecido o Edward Hopper


***«»***
Nota: A “poeta” estilhaçou o Natal, partindo todos espelhos seculares, onde nos mirávamos uma vez por ano, vestidos a preceito, para figurarmos nos presépios de plasticina e olhando para aquela noite, julgando-a diferente das outras, só porque no céu havia um candeeiro a fingir de estrela. A partir deste momento, o melhor será deitar para os caixotes do lixo da Marlene, da irmã da Marlene, que se chama Caminho, da assunção esteves, que não é uma encarnação do Esteves da Tabacaria do Álvaro de Campos, e para a latrina do cavaco as lantejoulas, as luzinhas a piscar e todos os livros com mais de cem anos, que nunca foram lidos.
Aguardemos que a Marlene escreva uma carta à júlia pinheiro e à fátima lopes e que Caim ressuscite Abel, para que as baratas, nos próximos natais, não andem cabisbaixas.

...
Quem foi que disse que a Poesia não era subversão? É na subversão dos temas e das formas que a Poesia se reinventa. Foi o que fez Maria Azenha neste poema, ao desmistificar a festa natalícia e deixando o Natal pelas ruas da amargura, algures, na cidade de Lisboa, num esgoto, entre a Rua da Madalena e a Rua do Crucifixo.
Maria Azenha tem sempre uma forma superior de encher o Verbo, estilhaçando a realidade e encontrando uma nova ordem para os cacos.
Atenção, guardiães da Ordem Pública: a Poesia está viva, porque ela é eminentemente subversiva!...
AC

A "poeta" maria azenha colabora regularmente no Alpendre da Lua.