"...Eu, de facto, gostava de querer,
simplesmente, não interessa o quê, gostava de ter vontade de algo, mas nada.
Entende?
- Entendo, sim senhor.
- Diante do mundo frio ou quente, encolho os
ombros. Diante dos baixos e dos altos encolho os ombros, diante dos convites e
dos ataques encolho os ombros. Enfim, começo a ter dores musculares.
- Onde?
- Nos ombros.
- Entendo. Mas sabe, o meu problema é diferente
do problema de Vossa Excelência. Vossa Excelência, diante de um caminho que
vira para a direita e um caminho que vira para a esquerda... não vira para lado
nenhum. É isso? Senta-se, por assim dizer, a meio do cruzamento. É assim?
- Mais ou menos.
- Pois, comigo é o inverso: quero ir ao mesmo
tempo para os dois lados; tenho duas vontades exactamente opostas exactamente
ao mesmo tempo.
- Como? Como?
- Vou repetir: tenho duas vontades exactamente
opostas exactamente ao mesmo tempo.
- Agora entendi. Vossa Excelência fala muito
rápido.
- Mas é isso. Bem que facilitaria ter agora uma
vontade e dois minutos depois a vontade oposta. Se fosse assim, apesar de tudo,
resolver-se-ia. Mas assim: ter duas vontades exactamente opostas exactamente ao
mesmo tempo... assim, é impossível viver.
- Impossível.
- É que eu viro os meus olhos para um lado e os
meus pés para o outro. Tropeço, claro, e acabo por não ir para lado nenhum. No
fundo, acabo como Vossa Excelência: no meio do cruzamento, imóvel.
- Eu diria que ter duas vontades opostas ao
mesmo tempo é o mesmo que não ter vontade nenhuma. Acaba sempre na imobilidade.
- É isso, excelência. É uma questão de
matemática: duas acções com sinal contrário igual a... zero. Mais sete menos
sete igual a zero.
- Portanto, como o final é o mesmo eu diria que
a minha não acção é mais sensata: não faço força nem para um lado nem para
outro, deixo-me estar.
- E está bem assim."
Gonçalo M. Tavares
* Texto e imagem do blogue CONVERSA AVINAGRADA.
* Texto e imagem do blogue CONVERSA AVINAGRADA.
2 comentários:
Muito interessante o texto.
A conclusão é show!
Um beijo
Obrigado pelo comentário, Elzinha Coelho.
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