Totalmente de acordo com esta
lúcida análise, que nada tem de ideológica, pois assenta em pressupostos da
realidade objectiva.
Entre outros, O FMI é um
instrumento tenebroso do capitalismo financeiro internacional, que procura, de
forma progressiva, assegurar o seu domínio, fomentando políticas agressivas,
que promovam a transferência da riqueza dos países pobres e menos ricos, para
os países mais ricos, e que, dentro de cada país, operem a transferência dos
rendimentos do trabalho para os rendimentos do capital. E este mesmo postulado
está a ser aplicado, de forma drástica, pelos países ricos da UE, liderados
pela toda a poderosa Alemanha, agora a recuperar, do seu velho baú, os tiques imperiais.
Durante a vigência dos governos
constitucionais, Portugal cometeu cinco grandes erros estratégicos, que agora
está a pagar caro. O primeiro foi a precipitada negociação da adesão à então
CEE, muito marcada, para consumo interno, por motivações políticas, o que levou
a que tivessem sido ignorados alguns aspectos económicos do desenvolvimento
sustentado do país. Na altura, as pessoas interrogavam-se, com um certo alarme
e espanto, como era possível receber-se compensações financeiras para abater
barcos de pesca e arrancar videiras e oliveiras. Ao aceitar-se a exclusão de
Portugal da PAC (Política Agrícola Comum) estava a condenar-se à morte o sector
primário da economia portuguesa, ao mesmo tempo que se avançava com o falacioso
argumento de que seria mais rentável importar alimentos, do que produzi-los. De
uma penada, a Espanha, a França e a Itália, os países com maiores
potencialidades agrícolas no espaço europeu, conquistaram dez milhões de
consumidores.
O segundo erro, que remonta à
era cavaquista, assenta primordialmente na ausência de um Plano Geral de
Desenvolvimento Estratégico, que privilegiasse o crescimento na base do aumento
da produtividade (a taxa de produtividade cresceu, mas não acompanhou o ritmo
de crescimento da dos principais parceiros comerciais) e que se centrasse, de
uma forma planeada e rigorosamente controlada na aplicação dos Fundos Europeus.
Foi uma década de regabofe e de desperdício. A economia cresceu, mas foi, essencialmente
à custa de factores exógenos.
O terceiro erro, que remonta à
era guterrista, diz respeito à entrada do euro. No dia em que a nova moeda
começou a circular, o sector exportador da economia portuguesa, de repente,
perdeu em competitividade um valor percentual idêntico ao valor percentual
acrescentado à nova moeda adoptada. Portugal fez a figura daquela criança que
veste o casaco do pai. O euro era uma moeda demasiado grande, em valor, em
relação ao nível da produtividade da sua economia. Também aquele slogan, a querer sobrevalorizar as
vantagens de pertencer ao “pelotão da frente”, veio a revelar-se falacioso e
enganador, pois todos os indicadores macroeconómicos (défice, dívida,
exportações) começaram a degradar-se, após a adesão à moeda única. Portugal
pensou como aquele ciclista, que, não tendo treinado regular e eficientemente,
inicia a corrida, colando-se ao pelotão da frente, julgando assim, ingenuamente,
que esse pelotão, através de um efeito sinérgico, iria puxar por ele. É claro
que o ciclista acaba por descolar, porque as pernas não aguentaram. E Portugal
não aguentou a pedalada da moeda única, como agora amargamente está a ser
demonstrado.
O quarto erro reporta à era
socrática, a que alguns, em tom pejorativo, chamam sócretina. Se Portugal, em
2008, tivesse moeda própria, a desvalorização da moeda teria evitado grande parte
do endividamento e a subsequente campanha especulativa, desencadeada pelo
capital financeiro internacional, através das agências de rating. O aumento das exportações, por esta via, permitiria saldos
positivos na balança comercial e na balança de pagamentos, que sustentariam a
dívida pública e o seu serviço.
Se não tivesse faltado visão na
análise e rapidez na tomada de decisões, quando, em 2008, o mundo acordou para
a derrocada dos bancos dos EUA, Portugal teria sido subtraído aos enormes e
humilhantes sacrifícios, que estão, hoje, a ser-lhe impostos. Foi esse o
momento em que se deveria ter questionado a nossa presença no selecto clube do
euro e de ter feito uma reforma profunda do Estado, no sentido de aumentar a
sua eficácia e de lhe reduzir os custos, e isto sem pôr em risco a qualidade do
nível de serviços que presta ao cidadão, principalmente nos pilares sociais.
Compreende-se que era uma tarefa difícil, e que só uma liderança forte e
prestigiada poderia encetar, o que não era o caso.
Toda a gente pensava que a
crise era passageira. O pensamento dominante, inquinado por preconceitos
ideológicos, dizia que a crise era conjuntural, quando já se percebia que ela
era estrutural, sistémica, endémica, contagiosa e duradoura. Em 2008 e 2009,
ninguém pensou que Portugal iria chegar a 2012 à beira de um grande precipício.
Jean Monnet, um dos fundadores da CEE, disse que as pessoas só compreendem a
crise, quando levam com ela na cabeça. E quando se chega a esse ponto, já é
tarde demais, digo eu.
O quinto erro, o da assinatura
do Memorando da Troika, que a União
Europeia insistentemente sugeria (impunha) e a direita indígena desejava, foi
uma autêntica tragédia. O acordo foi imposto sem qualquer contraproposta. De
joelhos, assumindo o papel de mendigo, quatro figurantes da alta política, com
o beneplácito de um quinto figurante, o Presidente da República, assinaram o
Tratado da Traição ou o Tratado da Vergonha. Um governo patriótico teria
exigido um prazo muito mais alargado para reduzir o défice orçamental, sob a
ameaça de que, em alternativa, se declararia o não pagamento da dívida e a
saída do euro, ameaça esta que provocaria um ataque de pânico a Angela Merkel,
ao ponto de a levar a urinar-se pelas pernas abaixo. Ainda hoje, se Portugal,
Espanha, Itália e a Grécia se concertassem neste propósito, a Kaiser, também
conhecida pela Hitler de saias, teria uma descomunal diarreia durante mais de um
ano. E o motivo não seria para menos. É que a saída destes países da zona euro
acarretaria, até 2020, perdas para a economia mundial no valor de 17 biliões de
euros. Só a Alemanha, em relação a um colapso da Grécia e de Portugal,
perderia, durante aquele mesmo período, 225 mil milhões de euros. E é esta
fragilidade dos países credores, que deve ser explorada com inteligência e
sentido de oportunidade pelos países do sul da Europa, o que exigiria governos
patrióticos, não submetidos aos interesses do capitalismo financeiro.
Alexandre
de Castro
2012 11 04