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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Notas do meu rodapé: O embuste da crise.



Os agentes do capitalismo neoliberal, principalmente os do sector financeiro, que, com as suas actividades especulativas (geradoras de lucros sem criação de riqueza), desencadearam a actual crise económica e financeira, comandam agora, através das suas agências internacionais e dos governos que controlam, um ataque cerrado aos rendimentos do trabalho e à qualidade de vida das populações, procurando desmantelar os pilares das políticas sociais, que foram implementadas na segunda metade do século passado.
Actualmente, esta ofensiva agressiva centra-se principalmente na Europa. Comandada por uma mão invisível, todos os governos encetaram, com o pretexto dos défices orçamentais e das dívidas soberanas, a aplicação de políticas restritivas, coincidentes e simultâneas, depois de terem preparado a opinião pública para a sua inevitabilidade. O argumento base concentra-se no argumento falso e falacioso de que os países estão a viver acima das suas possibilidades, quer no que respeita aos rendimentos individuais, quer no que respeita aos bens sociais suportados directamente pelo Estado (com o dinheiro dos contribuintes). A Segurança Social está agora no centro do debate, mas, logo que se consiga atingir o objectivo do seu desmantelamento parcial, a ofensiva passará para a Saúde e para a Educação. A palavra chave do discurso neoliberal é a competitividade, que, na sua lógica, deve ser aumentada à custa da diminuição dos salários e do peso da despesa social nos orçamentos de cada Estado. Embora o não confessem, a última etapa deste diabólico plano, superiormente coordenado, consistiria na descida dos impostos sobre o capital, com o argumento de que será necessário dinamizar a economia.
À primeira vista, e para as pessoas menos familiarizadas com a economia, o plano e os seus objectivos até parecem obedecer à mais pura racionalidade da teoria económica. Só que os arautos do neoliberalismo ocultam as verdadeiras causas do desencadeamento da crise, e quando a ela se referem, apresentam-na como uma identidade abstracta, sem rosto e sem culpados, elevando-a à categoria de desastre natural imprevisível, tal como se classificam os terramotos e as tempestades.
Em relação à redução dos salários, já aqui foi referida a sua inconsequência na resolução da crise, uma vez que a sua concretização vai ter efeitos devastadores na procura interna e no emprego, principalmente nos países com estruturas económicas mais débeis, como é o caso de Portugal. Menos poder de compra vai induzir mais falências, mais desemprego, mais despesa social, factores estes que, por sua vez deprimem ainda mais a procura interna e, logicamente, o desejável crescimento económico.
Em relação à ofensiva concertada para proceder ao desmantelamento das políticas sociais, suportadas pelo Estado, é imprescindível desmontar o mito da sustentabilidade, que é apresentado sempre pelo lado da despesa, esquecendo-se a componente da receita, através dos impostos, que têm vindo a baixar para os altos rendimentos e para os rendimentos do capital, enquanto se mantiveram estáveis para os rendimentos do trabalho. Se a tributação dos rendimentos do capital fosse justa e equitativa, os problemas de financiamento público do sector social não seriam tão agudos e tão aflitivos. E o mais escandaloso é que a aplicação de uma política fiscal regressiva sobre os altos rendimentos e sobre os rendimentos de capital teve lugar durante um período em que a economia cresceu, promovendo-se assim o aumento dos lucros.
Lancemos mão de um excerto do texto do economista Vicenç Navarro, que caracteriza bem este verdadeiro embuste:
"... o sistema tributário regressivo em muitos países da UE -15 tem vindo a crescer desde o início da era neoliberal. Abordemos os componentes deste regressividade, começando com os impostos (a maioria dos dados aqui apresentados são provenientes do livro Europa Global Finance e Social, Colecção dirigida por John Grahl e publicado pela Edward Elgar . 2009).
As receitas do Estado, através de impostos, têm vindo a diminuir na UE -15 , passando de 39,8% do PIB em 1996 para 39,3% em 2004. Nos E.U.A , as receitas fiscais também caíram, passando, em relação ao PIB, de 27,3% para 25,4% , tal como no Japão , que caíram de 27,3% para 25,4 %, durante o período de 1995-2004.
Mas, além de menor receita para o Estado (apesar do aumento do nível de riqueza), vemos que a tributação dos rendimentos de capital ( muito menores do que os provenientes da renda do trabalho) caiu ainda mais. A taxa de tributação dos rendimentos de capitais nos países da zona do euro caiu de 17,0% em 1995 para 14,0% em 2003, o maior declínio entre o grupo dos países da OCDE (o clube dos países ricos ), enquanto os rendimentos do trabalho continuaram a ser tributados em 35%. A taxa de tributação do consumo permaneceu no mesmo nível , com um ligeiro aumento de 20,5 % em 1995 para 20,8% em 2003. Estes dados mostram que os ganhos de capital foram os que mais beneficiaram, como resultado das políticas fiscais, aplicadas durante esse período.
Os detentores dos rendimentos mais elevados também foram muito beneficiados, pois viram a taxa de imposto cair de 51,52 % do seu rendimento para 49,20 %. Para entender esses números , sabemos que cada diminuição de 0,1% na taxa de tributação representa biliões de euros que os estados perdem em receita".

2 comentários:

Maria José Meireles disse...

O pior cego é o que não quer ver-se!...

João Mota disse...

O capitalismo está a entrar em contradição outra vez. Se, no sistema actual, o nível de empregabilidade de uma nação é uma medida do bem-estar da população, há um factor, muitas vezes ignorado, que destrói o bem-estar das populações: a mecanização do trabalho. A mecanização do trabalho, não só vai tirando o emprego a muitas pessoas, como também torna os processos de produção mais eficientes e mais lucrativos (as máquinas não precisam de férias, seguros, subsídios,...). É portanto evidente que a mecanização conduz a uma maior desigualdade de rendimentos. Os empresários, ignorando os efeitos das suas acções a nível global, avançam para a mecanização, e depois surpreendem-se que os seus produtos, produzidos super-eficientemente, não têm escoamento nos mercados, já que o poder de compra dos trabalhadores é reduzido à medida que a mecanização avança. O primeiro alvo da mecanização foi a agricultura, o que levou os trabalhadores para a manufactura. Depois foi a manufactura, transportando a mão-de-obra para o sector dos serviços. Neste momento o alvo da mecanização são os serviços. Resta saber se desta vez vai ser inventado algum novo sector para colocar as pessoas que estão e vão ficar desempregadas com a mecanização dos serviços. Para deixar claro, eu não sou contra a mecanização do trabalho, muito pelo contrário. Sou é contra o sistema actual, onde a inovação e o avanço das tecnologias, em vez de criar prosperidade, cria crises e sofrimento.