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quarta-feira, 14 de julho de 2010

A canga continua!...


Circula na net um mail com um texto de Guerra Junqueiro, de uma virulência inaudita contra a situação política que o país vivia nos finais do século XIX e início do seguinte, e, por paradoxal que pareça, e para grande escândalo dos portugueses, esse texto ainda hoje mantém toda a sua actualidade. O autor do mail junta-lhe um comentário da sua lavra.
Vale a pena ler.
“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.
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O comentário do autor anónimo do mail:
”Por momentos, o texto reproduzido acima parece saído da actualidade social e política nacional, visando descrever a desgraçada situação em que estão mergulhados o país e o povo. Mas não é. Se o fosse, teria que espelhar também as lutas que vêm sendo travadas pelos trabalhadores, em oposição consciente e firme às políticas que vão encaminhando o país para o completo desastre, económico, social, político, civilizacional.
Uma leitura mais atenta, logo no primeiro parágrafo, pelo estilo e pela descrição figurativa das duras penas suportadas pelo povo, revela que se trata de um texto de outra época, datado de um período (segunda metade do século XIX) no qual era comum, para certos autores, identificar o povo português com um jumento. Aliás, nesta concepção se revelava a origem burguesa – pequena ou grande – destes autores.
No caso presente, trata-se de parte de um escrito de Guerra Junqueiro, “Pátria”, de 1896. Para além da avaliação surpreendentemente actual de vários traços da vida colectiva dos portugueses, pela minha parte valorizo muito a afirmação do escritor quanto ao amor que tem pelo seu povo, não obstante parecer acompanhar a resignação deste perante as adversidades (“porque sofre e é bom”) como se isto fosse uma qualidade, avaliação errada para caracterizar os dias de hoje e razão pela qual não pudemos/devemos acompanhá-lo.
Quanto ao mais, está tudo certo: um povo explorado e humilhado e ainda incapacitado de se revoltar contra o actual estado de coisas; uma burguesia venial, corrupta e corruptora, criminosamente predadora das riquezas nacionais e vendilhona da dignidade nacional dos portugueses; um parlamento capacho para todas as diatríbes do governo; um governo lacaio dos grandes grupos económicos e dos banqueiros e pau-mandado do absolutismo do 1°. ministro; uma justiça burguesa, sem venda nos olhos e com uma balança para medir o peso do dinheiro dos litigantes, traindo o exercício dos direitos elementares de quem trabalha, tudo isto para servir os poderosos e o poder; dois partidos (na verdade, são três), iguais como duas gotas – de fel! -, quais “Dupond & Dupond” que só não se fundem num só pela necessidade de continuarem a fingirem-se diferentes partilhando a mesmíssima política, exercendo ambos o governo há 34 anos, anos integralmente passados a recuperar os ilegítimos interesses e benesses daqueles contra os quais se fez Abril, sem uma única ideia ou medida – uma única! – que pudesse destinar-se a assegurar o desenvolvimento do país e o bem-estar dos portugueses.
Enfim, um retrato a sépia de um regime actual dito “democrático” mas gritantemente autoritário, com traços crescentes de uma pulsão neofascista, corrupto, ilegítimo, esgotado, a exigir aos trabalhadores e aos democratas portugueses um vigoroso esforço de saneamento político e moral do país, com a recuperação dos luminosos caminhos abertos em 25 de Abril de 1974.

1 comentário:

Maria José Meireles disse...

Anónimo é povo!
"Quando o padeiro diz mal do pão, quem lho há-de comer?"