D. Luís da Cunha
(Busto em mármore
deJan Baptist Xavery)
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O testamento político de D. Luís da Cunha é um
dos textos políticos doutrinários mais importantes da História de Portugal.
Nele, o aristocrata e diplomata, o homem culto e com uma clara visão
estratégica, define a nova concepção do poder político para Portugal,
importando e adaptando sabiamente as ideias que já estavam a ser implementadas
na Europa no século XVIII: um poder autoritário, centrado na figura do monarca,
mas que, ao assumir-se como agente conciliador dos interesses contraditórios
das várias classes sociais, promovesse o avanço económico, fomentasse a
formação de elites esclarecidas e melhorasse o bem-estar geral da população (de
acordo com o contexto dominante e a escala de valores da época).
Foi neste caldo político e cultural da Europa de
setecentos que ocorreu o advento da primeira revolução industrial e se fomentou
o aparecimento de novas concepções do comércio nacional e internacional (a
globalização daquele tempo). Foi também durante a época do Iluminismo que
começaram a surgir, com os enciclopedistas, as novas ideias liberais,
abrindo-se assim o caminho para a grande Revolução Francesa.
D. Luís da Cunha, ao propôr o nome do futuro
Marquês do Pombal ao príncipe herdeiro, D. José, para ministro do Reino, e
aconselhando uma investidura com ampla delegação de poderes, estava a sugerir a
assumpção da figura do “déspota esclarecido”, que, com a razão da Luzes e uma
vontade política assente numa férrea autoridade, conduzisse o atrasado e empobrecido
Reino pela senda do progresso. E Pombal desempenhou bem esse papel, apesar de
ter recorrido a métodos brutais para impor a sua vontade. Mas, com a morte do
Rei e com a subida ao trono da beata D. Maria I, o clero e a nobreza –
portadores de um atavismo secular, de que ainda hoje sobram resquícios na
sociedade portuguesa, impenitentemente avessos ao progresso económico e social,
curtos de vista e de inteligência, e avaramente instaladas no cómodo e
favorável sistema de rendas, que extorquiam às classes laboriosas – depressa
derrubaram Sebastião José de Mello, humilhando-o publicamente, através da sua
grotesca exposição aos insultos de uma populaça enfurecida, devidamente açulada
dos púlpitos, para o efeito, e acabando por o desterrar para as suas terras de
Pombal, onde viria a falecer.
Portugal regrediu novamente, afundando-se no seu
endémico e secular marasmo e ostracismo.
O importante texto de D. Luís da Cunha também
permite compreender a história política, económica e diplomática do século
XVIII, a do Reino e a da Europa. É um documento longo, que se aconselha a ler
faseadamente, para, ao mesmo tempo, se poder saborear o magnífico manejo da
língua portuguesa por parte do autor, digno herdeiro de Vieira, na elegância e
rigor das frases, na lógica discursiva e na profundidade e amplitude das ideias
expressas.
Como diplomata, registe-se a sua astúcia e
determinação, bem ilustrada no episódio em que o cardeal-ministro Alberoni, de
Espanha, lhe voltou ostensivamente as costas durante uma audiência. D. Luís da Cunha
não desarmou. Avaliando a fragilidade do governo de Madrid, a braços com um uma
guerra com a França, exigiu vigorosamente públicas desculpas pela ofensa feita,
na sua pessoa, ao governo de Portugal, e ameaçou com o corte de relações
diplomáricas, o que logo foi entendido, pelos espanhóis, como uma ameaça velada
ao estabelecimento de uma aliança de Portugal com a inimiga França. D. Luís da
Cunha acabou por obter a rectificação do incidente, assim vergando a espinha do
cardeal-ministro e domesticando a arrogância da orgulhosa Espanha.
Verney, Ribeiro Sanches, Luís da Cunha e o
Marquês do Pombal foram, em Portugal, as figuras marcantes do século das Luzes,
figuras estas que, depois, tiveram o seu contrapeso, já no final do século, no
sinistro Pina Manique, o célebre Intendente-Geral, que via pedreiros-livres por
baixo de todas as pedras das calçadas.
Ocorreu-me esta ideia, a de ressuscitar o
documento de D. Luís da Cunha (documento e personalidade, ambos mal conhecidos
pela opinião pública) e de tecer breves considerações sobre o Portugal do
século XVIII, no momento em que decorre a farsa televisiva da eleição do melhor
português de sempre, e onde se assistiu à glorificação de mafiosos célebres, de futebolistas e fadistas analfabetos e de antigos governantes bolorentos, de má
memória, e ignorando-se muitas personalidades ilustres que, no passado, dignificaram o País.
Eu, por mim, votei no Zé do Telhado, lendário
salteador de Entre-Douro e Minho, cuja imagem melhor retrata este país. Para
mais, este bandoleiro simpático tinha por hábito redistribuir uma parte do
pecúlio dos seus saques pela gente pobre e necessitada. Também Camilo
Castelo-Branco, que o conheceu, e sobre ele escreveu, não foi insensível à sua
aura.
Alexandre de Castro
Fevereiro
de 2007
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