Federação Nacional dos Médicos
O
decreto-lei de transferência de competências para os Municípios a nível da
educação, saúde, segurança social e cultura: um novo instrumento governamental
para a destruição do SNS.
O governo aprovou no passado dia 15 um
decreto-lei visando a transferência de competências para os municípios e
“entidades intermunicipais” a nível de quatro sectores, nomeadamente a Saúde. Nesse
sentido, e face às delicadas implicações que a implementação de um processo
deste tipo teria para o SNS e para a salvaguarda do direito constitucional à
saúde, a FNAM considera indispensável transmitir as seguintes questões:
1. A abordagem efectuada, desde logo, no
preâmbulo do citado decreto-lei constitui um amontoado de referências à
legislação que menciona aspectos relativos à descentralização, deixando bem
explícito que todas as transferências têm de se processar “sem aumento da despesa
pública”.
É curioso verificar que a apologia da
descentralização administrativa e da proximidade dos recursos disponíveis
contida no preâmbulo é da autoria do mesmo governo que tem vindo a adoptar
medidas sistemáticas de encerramento de unidades de saúde e alargamentos de horários
nas USF, de criação de mega agrupamentos de centros de saúde (ACES) cada vez mais
distantes das populações e de encerramento de múltiplos serviços hospitalares
de proximidade a pretexto de fusões e de concentrações em centros hospitalares.
O atendimento da doença aguda, exceptuando nas USF que este governo insiste em
limitar novas aberturas e prejudicar as existentes, é uma área cada vez mais reveladora
da negligência, incompetência e insensibilidade deste governo.
2. O artigo 2º, no seu ponto nº 2, estabelece
que “a contratualização da delegação de competências pode ser implementada de
forma gradual e faseada, através de projectos-piloto, iniciando-se com um
número limitado de municípios ou entidades intermunicipais…”.
No entanto, este decreto-lei estabelece a
aplicação geral da referida delegação de
competências e nem sequer prevê qualquer
projecto-piloto ou um faseamento da sua implementação.
3. O artigo 4º, no seu ponto nº 1, estabelece
que o exercício das competências transferidas não pode aumentar a despesa
pública do Estado.
O artigo 5º, que refere a possibilidade da
transferência da titularidade e da gestão do património e dos equipamentos
poderá constituir a única medida com interesse para uma discussão construtiva a
desenvolver entre os múltiplos parceiros Por outro lado o artigo 10º, que
define um conjunto de vastas competências delegáveis na Saúde, mostra algumas das
actividades que este Governo não tem assegurado e quer agora impô-las aos municípios.
E se o chamado “envelope financeiro” não pode
representar qualquer aumento da despesa pública do Estado é inevitável concluir
que o financiamento de todas essas actividades sairá dos já debilitados
orçamentos municipais.
4. Outro aspecto que importa abordar é que esse
artigo 10º determina o recrutamento, alocação, gestão, formação e avaliação do
desempenho do conjunto dos profissionais que exercem funções nos serviços de
saúde, embora não refira expressamente os médicos e enfermeiros mas
genericamente “técnicos superiores de saúde”.
Posteriormente, surgiram referências na imprensa
que afirmaram não estarem estes dois grupos de profissionais de saúde
abrangidos pelos contratos de delegação de competências.
Ora, como é possível acreditar que estes dois
grupos profissionais não estão abrangidos quando algumas das competências a transferir
incluem “ definição dos períodos de funcionamento e cobertura assistencial,
incluindo alargamento dos horários de funcionamento,” e “ iniciativas de
prevenção da doença e promoção da saúde”?
Então, nos centros de saúde, por exemplo, a
definição dos períodos de funcionamento e cobertura assistencial , bem como as
iniciativas de prevenção da doença e de promoção da saúde servem que objectivos
se estes grupos profissionais não estiverem a trabalhar?
É urgente denunciar estes aspectos “escuros” que
só revelam propósitos políticos pouco sérios e sem quaisquer preocupações em
resolver algum dos problemas existentes.
5. É verdadeiramente chocante a forma como este
governo decide sobre matérias sensíveis como esta. Sem qualquer sustentação em
estudos técnicos credíveis e sem, muito menos, ter operacionalizado o
cumprimento de importantes medidas inseridas na legislação em vigor. Este
governo até agora sempre ignorou a participação dos municípios nos Conselhos Executivos
dos ACeS , o funcionamento efectivo da maioria dos seus conselhos consultivos e
nunca se preocupou com a ausência de articulação entre a maioria dos planos
municipais dedicados ao bem estar dos cidadãos com os planos locais de saúde.
6. É forçoso concluir que este decreto-lei tem
como objectivos fundamentais, numa clara perspectiva político-ideológica,
mistificar conceitos de descentralização da Administração Pública com reais
objectivos de desmembramento e pulverização o SNS, desenvolver lógicas
meramente locais desinseridas de uma política de saúde nacional, de proceder a uma
enorme sobrecarga logística e financeira dos municípios com os serviços de
saúde que os negócios privados não consideram apetecíveis, e ainda criar um
novo expediente para mascarar a despesa pública perante as entidades europeias,
à semelhança de outros esquemas conhecidos com os hospitais SA, EPE e PPP,
transferindo para os municípios importante “fatia” das despesas em Saúde.
A FNAM considera imperioso denunciar mais este
projecto governamental de ataque violento aos pilares essenciais do Estado
Social e desenvolverá todos os esforços para contrariar esta política
insaciável na sua obsessão de desagregação do SNS.
Coimbra, 23 de Janeiro de 2015
A Comissão
Executiva da FNAM
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