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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Federação Nacional dos Médicos (FNAM) - COMUNICADO


Federação Nacional dos Médicos

O decreto-lei de transferência de competências para os Municípios a nível da educação, saúde, segurança social e cultura: um novo instrumento governamental para a destruição do SNS.

O governo aprovou no passado dia 15 um decreto-lei visando a transferência de competências para os municípios e “entidades intermunicipais” a nível de quatro sectores, nomeadamente a Saúde. Nesse sentido, e face às delicadas implicações que a implementação de um processo deste tipo teria para o SNS e para a salvaguarda do direito constitucional à saúde, a FNAM considera indispensável transmitir as seguintes questões:

1. A abordagem efectuada, desde logo, no preâmbulo do citado decreto-lei constitui um amontoado de referências à legislação que menciona aspectos relativos à descentralização, deixando bem explícito que todas as transferências têm de se processar “sem aumento da despesa pública”.
É curioso verificar que a apologia da descentralização administrativa e da proximidade dos recursos disponíveis contida no preâmbulo é da autoria do mesmo governo que tem vindo a adoptar medidas sistemáticas de encerramento de unidades de saúde e alargamentos de horários nas USF, de criação de mega agrupamentos de centros de saúde (ACES) cada vez mais distantes das populações e de encerramento de múltiplos serviços hospitalares de proximidade a pretexto de fusões e de concentrações em centros hospitalares. O atendimento da doença aguda, exceptuando nas USF que este governo insiste em limitar novas aberturas e prejudicar as existentes, é uma área cada vez mais reveladora da negligência, incompetência e insensibilidade deste governo.

2. O artigo 2º, no seu ponto nº 2, estabelece que “a contratualização da delegação de competências pode ser implementada de forma gradual e faseada, através de projectos-piloto, iniciando-se com um número limitado de municípios ou entidades intermunicipais…”. 
No entanto, este decreto-lei estabelece a aplicação geral da referida delegação de
competências e nem sequer prevê qualquer projecto-piloto ou um faseamento da sua implementação.

3. O artigo 4º, no seu ponto nº 1, estabelece que o exercício das competências transferidas não pode aumentar a despesa pública do Estado.
O artigo 5º, que refere a possibilidade da transferência da titularidade e da gestão do património e dos equipamentos poderá constituir a única medida com interesse para uma discussão construtiva a desenvolver entre os múltiplos parceiros Por outro lado o artigo 10º, que define um conjunto de vastas competências delegáveis na Saúde, mostra algumas das actividades que este Governo não tem assegurado e quer agora impô-las aos municípios.
E se o chamado “envelope financeiro” não pode representar qualquer aumento da despesa pública do Estado é inevitável concluir que o financiamento de todas essas actividades sairá dos já debilitados orçamentos municipais.

4. Outro aspecto que importa abordar é que esse artigo 10º determina o recrutamento, alocação, gestão, formação e avaliação do desempenho do conjunto dos profissionais que exercem funções nos serviços de saúde, embora não refira expressamente os médicos e enfermeiros mas genericamente “técnicos superiores de saúde”.
Posteriormente, surgiram referências na imprensa que afirmaram não estarem estes dois grupos de profissionais de saúde abrangidos pelos contratos de delegação de competências.
Ora, como é possível acreditar que estes dois grupos profissionais não estão abrangidos quando algumas das competências a transferir incluem “ definição dos períodos de funcionamento e cobertura assistencial, incluindo alargamento dos horários de funcionamento,” e “ iniciativas de prevenção da doença e promoção da saúde”?
Então, nos centros de saúde, por exemplo, a definição dos períodos de funcionamento e cobertura assistencial , bem como as iniciativas de prevenção da doença e de promoção da saúde servem que objectivos se estes grupos profissionais não estiverem a trabalhar?
É urgente denunciar estes aspectos “escuros” que só revelam propósitos políticos pouco sérios e sem quaisquer preocupações em resolver algum dos problemas existentes.

5. É verdadeiramente chocante a forma como este governo decide sobre matérias sensíveis como esta. Sem qualquer sustentação em estudos técnicos credíveis e sem, muito menos, ter operacionalizado o cumprimento de importantes medidas inseridas na legislação em vigor. Este governo até agora sempre ignorou a participação dos municípios nos Conselhos Executivos dos ACeS , o funcionamento efectivo da maioria dos seus conselhos consultivos e nunca se preocupou com a ausência de articulação entre a maioria dos planos municipais dedicados ao bem estar dos cidadãos com os planos locais de saúde.

6. É forçoso concluir que este decreto-lei tem como objectivos fundamentais, numa clara perspectiva político-ideológica, mistificar conceitos de descentralização da Administração Pública com reais objectivos de desmembramento e pulverização o SNS, desenvolver lógicas meramente locais desinseridas de uma política de saúde nacional, de proceder a uma enorme sobrecarga logística e financeira dos municípios com os serviços de saúde que os negócios privados não consideram apetecíveis, e ainda criar um novo expediente para mascarar a despesa pública perante as entidades europeias, à semelhança de outros esquemas conhecidos com os hospitais SA, EPE e PPP, transferindo para os municípios importante “fatia” das despesas em Saúde.
A FNAM considera imperioso denunciar mais este projecto governamental de ataque violento aos pilares essenciais do Estado Social e desenvolverá todos os esforços para contrariar esta política insaciável na sua obsessão de desagregação do SNS.

Coimbra, 23 de Janeiro de 2015

A Comissão Executiva da FNAM

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