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domingo, 27 de abril de 2014

25 DE ABRIL - 40 ANOS- por Diamantino Gertrudes da Silva (capitão de Abril)


Mais que para celebrar, será de aproveitar esta efeméride para reflectir sobre os caminhos que até aqui nos trouxeram. Caminhos onde inegavelmente não será difícil identificar alguns progressos e alguns sucessos, a par de erros, uns que nós próprios cometemos, outros que resultam do sistema global em que nos inserimos e no qual nos sujeitamos a um jogo de dados viciados, em mesas que nós não vemos, e onde se sentam jogadores sem rosto.
E, por muito que puxemos pelas ganas da alma, não descortinamos razões para grandes manifestações de optimismo. A não ser o que nos é permitido ler no fio do devir histórico, tanto da humanidade como da nação portuguesa: de que, pesem todas as vicissitudes, mais tarde ou mais cedo, havemos de reencontrar o nosso caminho, o qual nos levará, assim esperamos, a um mais elevado patamar de progresso material, social e humano. Porque o mundo não pára, bem sabemos.
O 25 de Abril, independentemente da opinião de cada um é, inegavelmente, pelo menos pelas suas consequências, um facto histórico de determinante dimensão, uma ruptura, um traço vertical na história nacional com direito ao estatuto de referencial de um antes e um depois.
Nós, os militares de Abril, cuidámos do trabalho de casa. Fizemos um correcto estudo da situação, planeámos e executámos com reconhecida eficácia, e alguma sorte, admitamos, um cuidadoso plano de operações. Podem negar-nos qualquer auréola de heroísmo; mas não nos podem negar uma boa dose de coragem e de entrega àquilo que, a partir dum momento crucial, tomámos como uma missão, quando tivemos que nos despedir das nossas mulheres e dos nossos filhos e rumámos a um destino prenhe de incertezas.
Derrubámos a ditadura; segurámos quase até ao limite a magna questão colonial com vista à sua posterior resolução; avançámos com as medidas mais prementes no sentido de atacar o atraso e o que na altura pareciam ser os bloqueios do desenvolvimento do país. Apresentámos então um programa mínimo que passou a ser conhecido como o “Programa dos 3D”. E, programa mínimo, diga-se, e de curta duração, porque ninguém, honestamente, nos poderá acusar de termos ficado agarrados ao poder.
Hoje é bem claro que a seguir à grande, à inolvidável Festa, todos nós, tanto civis como militares, cometemos erros; só não os comete quem fica parado e à espera do que vier a seguir. Só que a História não admite “ses” nem se ocupa de julgamentos e consequente atribuição de culpas. Os erros e os sucessos alcançados poderão servir-nos, isso sim, para melhor entendermos o presente e construir uma ideia, ou melhor, um projecto de futuro. Que é o que nos parece que hoje não temos, de todo, enquanto país e nação orgulhosa de cerca de 900 anos de história e do seu decisivo contributo para o progresso da humanidade.
Pois, se atentarmos novamente no tal programa mínimo dos 3D; se deixarmos de lado, como facto irremediável, a Descolonização; se pensarmos no Desenvolvimento como uma sucessão de altos e baixos, mas sempre – e até parece que endemicamente – abaixo da linha de água, então que dizer da Democratização, do nosso sistema democrático progressivamente desfigurado e descaracterizado por interesses que nada têm que ver com a democracia e com os valores que lhe dão forma. E assim, viemos dar a esta “encruzilhada sem caminhos”. Temos a liberdade, é certo, esse supremo bem. Mas “Só há liberdade a sério…” (Sérgio Godinho).
Bem cedo fomos sendo alertados, primeiro por Maria de Lurdes Pintassilgo e mais tarde pelo Prof. Boaventura Sousa Santos, entre outros, para alguns visíveis sinais de enfermidade, chegando ao ponto de nos aconselharem a “Reinventar a Democracia”.
Nós, enquanto cidadãos e Militares de Abril, qualificação de que muito nos orgulhamos, continuaremos afincadamente agarrados, agora já não aos 3D, que tiveram o seu legítimo lugar histórico e melhor ou pior se cumpriram, mas aos valores perenes que foram a bandeira da mãe de todas as revoluções da Época Moderna.
Utopia? Já houve quem decretasse a morte de Deus, quem declarasse o fim da História e quem anunciasse o enterro das Ideologias. Na impossibilidade de garantir a sua morte, houve ainda quem se apressasse a apontar a inutilidade ou os perigos das utopias, esquecendo-se de que é de sonhos e utopias que se alimenta a alma dos homens.
Penso que é possível e realizável um mundo bem melhor do que aquele que temos, e aí está, penso eu, uma legítima esperança, uma bela utopia. Um mundo estruturado nos sólidos pilares da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, caso para perguntar que mal farão utopias como esta. E, mais que de esperança, trata-se duma questão de fé. E dizem-nos que a fé pode mover montanhas.
O 25 de Abril ainda anda por aí. E tomamos como nossa a obrigação de mantê-lo vivo. Antes como hoje, nós fazemos questão de cuidar do trabalho de casa, usando os espaços de liberdade para denunciar e alertar, sempre que os valores de Abril estiverem em causa. E passar às camadas mais jovens os princípios enformadores de uma das revoluções mais lindas de todos os tempos. Olhe-se para o que vai por esse mundo fora…40 anos! Tanto e tão pouco tempo!...
Viva o 25 de Abril!                                                
Viseu, Abril 2014

***«»***
Não resisto à indiscrição de reproduzir aqui a mensagem que acompanhou este texto do meu amigo e antigo colega do liceu, Diamantino, porque não posso perder a oportunidade de deixar registado o testemunho direto sobre as operações militares daquela madrugada redentora, de um dos capitães de Abril, que nelas participou.
Verdadeiros «obreiros» da Liberdade, os capitães de Abril já conquistaram, pela sua coragem, determinação, abnegação e desprendimento, o lugar no “panteão” da nossa memória coletiva. E o povo português não pode perder, pela traição de alguns, aquilo que ganhou com a generosa revolução dos cravos.

"Amigo Alexandre

Admitindo que te possa interessar, junto envio, em anexo, o texto que preparei e li no final do Almoço-Comemorativo dos 40 Anos do 25 de Abril perante um auditório que teria para cima de 400 pessoas, realizado no Quartel do RI 14, de Viseu, unidade que tomámos no princípio da Madrugada de 25 de Abril de 1974 e donde parti com a força que depois se veio a juntar com outras de Aveiro e Figueira da Foz e que, uma vez juntas, constituíram o Agrupamento “November", cujo comando me tinha sido confiado e que tinha como objectivos, primeiro o forte-prisão de Peniche e depois Lisboa.
Nas circunstâncias locais, estavam ali militares, ex-militares, Deficientes das Forças Armadas, Órgãos do Poder Local e outros elementos de todas as cores partidárias locais, assim, num ambiente de "grande unidade", a que não podíamos nem devíamos, penso eu, dizer que não, face ao argumento de que o 25 de Abril não é propriedade de ninguém, se estivermos a falar de forças que, pelo menos formalmente sejam consideradas democráticas.
Durante o almoço houve animação musical, da nossa, da boa, e acabámos todos a cantar, com evidente entusiasmo, o "Grândola, Vila Morena". Não. Não estava lá o Relvas.
25 de Abril sempre!
Um abração
Diamantino" 

2 comentários:

Anónimo disse...

Graças a Deus que ainda há mtª malta que se lembra e orgulha deste dia que deverá perpetuar para sempre, nos nossos corações e dos nossos filhos e netos. Acompanhei com entusiasmo de sempre este dia que para mim trouxe a liberdade e o acabar com a guerra colonial. Bem hajam militares de Abril e ao nosso querido povo que os ajudou, participando em força e entusiasmo
Dália

Alexandre de Castro disse...

Sem dúvida, Dália. A Revolução dos Cravos consolidou-se com a espontânea participação popular, que foi de uma importância fundamental.Tudo se traduziu na aliança vitoriosa do Povo com o MFA.
Obrigado, pelo comentário.