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domingo, 1 de janeiro de 2012

Carta de um amigo a propósito do texto "Um postal não ilustrado de votos para o Ano Novo" - Diamantino Silva*


Amigo Castro
Li com muita atenção o teu editorial de votos de Ano Novo e, no fim, o que me saiu de repelão foi uma coisa assim:            
“O nosso drama é que o povo é sempre o mesmo; a merda é que muda. O mesmo que foi atrás do Tanoeiro a cercar o Palácio Real perante os apelos insidiosos de que estavam a matar o Mestre de Avis. O mesmo que, perante o sufoco, a fome e muitas outras privações seguiu atrás dum sonho que nos levou aos quatro cantos do Mundo, ficando por saber, e nunca mais o saberemos, se era esse o caminho – o do mar – que devíamos seguir ou o do Continente onde, depois do último suspiro do Império, alguém tratou de lodo nos meter e acolher antes que viessem para aí outras desgraças maiores.           
O mesmo povo que, enquanto tal, nunca mais esteve verdadeiramente em nenhum dos nossos outros sobressaltos históricos, limitando-se a matar e a morrer sempre às ordens de alguém, excepção feita, na nossa História recente ao 25 de Abril em que, tal como em 1383, o seu contributo foi fundamental.            Povo com manhas e pecados, como qualquer outro. Que veio para a rua, e em força, no 25 de Abril, como ali ficou dito, mas que também enchia o Terreiro do Paço para aclamar Salazar.           
Povo que desgraçadamente, e um povo assim bem que deles precisava, há muitos, muito anos não conhece um líder à altura nem conseguiu segregar um projecto de futuro nacional. Porque não podemos esquecer-nos que mesmo quando nos agigantámos e enfrentámos pavores e adamastores, já nessa altura andávamos a mando de alguém e a perseguir quimeras, interesses e objectivos que não eram nossos.           
Povo que em mais este momento crucial que atravessamos faz o que sempre fez em semelhantes circunstâncias: submeter-se e emigrar até que o tumor volte a esvaziar.           
Eu sei que isto parece muito pesado e até excessivo como aperitivo para arrancar para um Novo Ano; mas também penso que povo somos nós, como se diz na peça, e que temos de deixar, nessa perspectiva, de pôr o povo sempre no lugar da vítima de opressores e de pagadores de promessas como aconteceu, até certo ponto, a seguir ao 25 de Abril. E penso que é tempo de todos nós, que do povo nos reclamamos, voltarmos a ler e a meditar no belíssimo e acutilante texto de Mia Couto, “Os sete sapatos sujos”. Um abraço e um Bom Ano
Diamantino*

2 comentários:

Alexandre de Castro disse...

O povo acaba por ser o fruto das circunstâncias e das lideranças.

João Afonso disse...

Tal como as crianças o povo gosta de "baloiços" e "escorregões", e adormeceu no vai vem de quem lhe deu os impulsos acabando por escorregar na indiferença. Agora não passa de um indiferente porque continua a ser igual a si próprio: Zé.