A roda da
História e a perdição de Portugal...
A roda da História é imparável. Existe uma
corrente sequencial do nascimento e da queda dos impérios, que, por curioso que
pareça, caminhou do Oriente para o Ocidente, acompanhando o movimento aparente
do Sol: China, India, Mesopatâmia, Egipto, Finícia, colónias jónicas do mar
Egeu, onde nasceu a moeda, Atenas e o império de Alexande, Roma, império árabe,
Portugal e Espanha, Países- Baixos e Inglaterra e a França. e, por fim, os EUA.
Já deu uma volta à Terra e, agora, vai regressar ao princípio. Novamente à
China e à India.
O declínio da civilização ocidental é evidente.
Como aconteceu a todas elas, a sua morte vai ser lenta, enquanto a sua
sucessora vai crescendo e consolidando a sua posição. Os ciclos desta mudanças
históricas não se medem pela tempo de vida médio de um homem. No início dos
tempos da História, normalmente, a transição durava séculos. Mas a sua
velocidade tem vindo a aumentar ao longo do tempo, e, por isso, os
historiadores e os economistas prevêm que em 2050 a China dominará o Mundo. E nada
se pode fazer para mudar o curso desta evolução, tal como nada se pode fazer
para operar o rejuvenescimento de um idoso, devolvendo-o à sua adolescência. As
sociedades têm uma vitalidade endémica limitada, tal com a vida humana. É um
paralelismo curioso entre o fenómeno social e
o fenómeno biológico. Já na Pré-História aconteceu o mesmo. o Homem
Sapiens, de onde o homem da actualidade descende em linha recta,
"engoliu" o Homem de Neeanthartal, de uma forma pacífica, através da
misceginação, segundo alguns autores, ou de uma forma violenta, através do
extermínio, segundo outros. Nesses tempos pré-históricos, ainda não tinha
surgido o fenómeno da escravatura, que só aparecerá mais tarde, acompanhando o
lento enquadramento da noção primitiva de Estado soberano, a estruturação
rígida da divisão da sociedade em classes e, no processo económico, um aparelho
produtivo a gerar excedentes. Descrevendo a situação com os conceitos actuais
da ciência económica, poder-se-ia dizer que a civilização dos faraós criou uma vantagem
competitiva, em relação aos seus vizinhos, institucionalizando a escravatura em
larga escala. A sua outra vantagem teve origem num fenómeno natural. Vinha-lhe
das cheias do Nilo. Mas os faraós
repousaram nessas duas mais valias, que eles julgavam eternas, e que
lhes garantiriam riqueza e poder. Deixaram que fossem os finícios e os gregos a
descobrir que a política do transporte (termo que António Sérgio introduziu no
discurso histórico, referindo-se a Portugal) ainda era mais rentável. Mas são os
romanos, séculos depois, que, copiando as concepções de Alexandre, descobriram
que o império marítimo tinha de ter uma sustenção de base territorial, o que os
levou a cercar o mar Mediterrâneo com as suas legiões, com os seus cônsules e a
sua cultura. Roma foi o império mais estruturado da antiguidade. A estratégia
militar, o Direito e a Engenharia foram as alavancas competitivas da sua
superioridade. Mas também não atingiu a eternidade, como os centuriões
julgavam. O trabalho escravo, base da sua produção de bens e serviços, acabou
por se revelar pouco rentável em valor acrescentado (a taxa de produtividade
começou a diminuir, dir-se ia hoje). E, pela primeira vez, nos tempos
históricos, uma civilização requintada cai nas mãos de povos primitivos, ainda
a viver no regime tribal, os bárbaros (os ascendentes ancestrais da senhora
Angela Merkel), que na sua embriaguês da vitória destruiram tudo aquilo a que
não sabiam dar uso e entregaram aos clérigos cristãos tudo aquilo que não
sabiam fazer, incluindo algumas parcelas da soberania e do governo das gentes.
Como eram incultos e alarves, reduziram os povos autóctones à servidão.
Encontrava-se a História no início de uma longa noite escura, que só dez
séculos depois assistiu ao raiar da manhã, com a luz a aparecer com os
iluministas e os revolucionários franceses. Os árabes, não conseguiram
ultrapassar os Perinéus e ficaram-se pela Península Ibérica, onde desenvolveram
uma civilização de sucesso, nas artes, nas letras, na filosofia, no comércio e
na agricultura. Foram prudentes e inteligentes. Não impuseram à força a sua
nova religião (apenas exigindo um imposto a quem a não a abraçasse) e libertaram os produtores
da servidão, deixando-os à vontade para produzir nas suas terras e vender os
seus produtos nos mercados (medidas estas que aumentaram a taxa de
produtividade). Por isso foram recebidos como libertadores.
Entretanto a Europa medieval, dominada pelo
braço vigoroso (por vezes cruel) do papado e por uma aristocracia parasita,
evolui muito lentamente e, com o progresso do comércio marítimo, criou uma
classe social, a burguesia, que se revelou muito dinâmica. A Renascença, esse
período que rasgou as trevas da ignorância da Idade Média, é um produto dessa
nova classe social. As repúblicas das cidades do norte da penísula itálica eram
então o centro da Europa, já que não podiam ser o centro do mundo, porque os
árabes faziam a leste e a sul da Europa uma extensa e segura barreira, que
impedia o acesso ao mítico Oriente. Foram os portugueses que furaram esse cerco,
descobrindo a rota do Cabo. Para a Europa, iniciava-se o caminho da dominação
do mundo. Portugueses, espanhós e holandeses globalizaram, à medida da época, a
economia. Veio o colonialismo, que estruturou o saque. Mas, em contrapartida,
nasceram as ideias iluministas, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial,
que mudaram a face da Europa. A burguesia começou a ganhar terreno perante a
aristocracia parasitária. É a Inglaterra e o seu vastíssimo império que
caracterizam esse tempo de progresso intelectual, cultural e tecnológico,
e que constituem as marcas identitárias
da civilização europeia, que também legitima a herança greco-romana da
Antiguidade Clássica. A Inglaterra, embora hegemónica, depois da queda de Napoleão,
não evita a afirmação da França, nem a da Alemanha, que acaba por nascer como
estado na segunda metade do séc, XIX, e que tantas dores de cabeça viria a dar
no século seguinte (e no actual também). As duas guerras mundiais e o
esgotamento do modelo colonial (entretanto substituído pelo difuso modelo
neocolonial), já muito dispendioso, deram o golpe mortal ao domínio mundial
exercido pelas potências coloniais da Europa. É certo que não morreu, mas ficou
muito combalida. A nova potência emergente, os EUA, que lhe herdou a cultura e
as gentes, ajudaram-na a recuperar. Mas nunca mais brilhou como no passado. E
isto, apesar de ter colocado de pé um projecto político, social e económico
original e único, que suscitou muitas expectativas: a construção da União
Europeia e a criação da moeda única, cuja viabilidade está actualmente a ser
posta em causa.
O aliado do outro lado do mundo, e que ainda
detém um poder hegemónico ao nível político, militar e económico, também já não
goza de boa saúde. A sua grande preocupação, nunca declarada, é preparar o terreno
para poder enfrentar militarmente o avanço imparável do colosso chinês. É que a
roda da História não deixa de rodar, e aproxima-se o momento em que essa roda
vai iniciar a seguna volta ao planeta Terra.
No meio deste gigantesco movimento de mudança,
Portugal parece perdido. Perdeu a África, perdeu a Europa, que também está
perdida. e, agora, parece que vai perder-se a si próprio, vítima dos seus erros
e dos seus pecados. Não soube aproveitar as vantagens da globalização. Ficou
apenas com as respectivas desvantagens. A sua sobrevivência como país
independente está em perigo. Portugal foi um país de oportunidades perdidas. E
as perspectivas são tão negras, que até o actual primeiro-ministro e o seu
ministro da Presidência já pedem aos jovens portugueses, principalmente aos
mais qualificados, para emigrarem.
Alexandre
de Castro
Janeiro de 2012