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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Poema A SOLIDARIEDADE DO UNIVERSO - por Alexandra Kraft (heterónimo de Maria Azenha)


A SOLIDARIEDADE DO UNIVERSO

Escrevo a tua história bem sei num terraço de moléculas
sobre o teu corpo resistindo mal a grandes temperaturas
a efémera bioquímica da vida
os hieróglifos da antiga ciência
a solidariedade das suas pedras
a espantosa interconexão de tudo quanto existe
o universo compõe-se de algum modo
de sóis extintos e de supernovas do teu sagrado sexo
que vibra

o teu corpo procura a verdade
a verdade da Grande Matéria entre aminoácidos
e o meio ambiente uma verdade atómica
como se a evolução fosse guiada por Alguém
e procurasse um pequeno caminho na Terra
escrevo a tua história bem sei
entre minúsculos átomos de carbono e versos
vozes da matéria alguns sóis
o ferro do teu sangue continua regressando
ao coração do mundo
as distâncias dos objectos vão aumentando
daqui a biliões de anos onde estarão estes versos?
insisto que existe uma infinidade de mundos
e a gravidade não é senão a curvatura do universo
este mundo é uma estrela a Terra
(nem toda a luz a vemos)
Caminhamos para a grande névoa

Alexandra Kraft (heterónimo de maria azenha)

In CONCERTO PARA O FIM DO FUTURO – 1999

***«»***

Na resposta de agradecimento à amabilidade de Maria Azenha, que me enviou este poema, acrescentei a seguinte nota:
“A linguagem das ciências exatas e experimentais também constitui um valioso recurso para o edifício metafórico da Poesia. E nem a Maria Azenha, vinda da área das Matemáticas, poderia resistir à invocação dos fenómenos e das realidades da Física, da Astronomia e da Bioquímica, para escrever um belo poema de amor. Os versos acabam por se confundir com a matéria (na incandescência dos corpos), na sua transmutação através do tempo “sideral” (cuja contabilidade nos escapa), e seguir a “curvatura do universo” e da luz cósmica. E o instante sublime do amor, que incendeia os corpos e cega a alma, projeta-se assim, nessa “grande névoa”, nessa incomensurável infinitude temporal e espacial daquele primeiro instante em que a energia, explodindo, libertou a luz e os átomos.
Aqui também encontrei a tal empolgante “densidade poética”, que já tinha identificado anteriormente, noutros poemas de Maria Azenha.
 Parabéns, Maria Azenha. Nos seus poemas, em cada esquina de cada verso aparece sempre uma metáfora surpreendente e desconcertante. Ao ler a sua poesia experimentam-se sensações gratificantes e compensadoras. Mas é também um exercício difícil, pois não basta ler os seus versos. É necessário soletrá-los.

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