A SOLIDARIEDADE DO UNIVERSO
Escrevo a
tua história bem sei num terraço de moléculas
sobre o
teu corpo resistindo mal a grandes temperaturas
a efémera
bioquímica da vida
os
hieróglifos da antiga ciência
a
solidariedade das suas pedras
a
espantosa interconexão de tudo quanto existe
o
universo compõe-se de algum modo
de sóis
extintos e de supernovas do teu sagrado sexo
que vibra
o teu corpo
procura a verdade
a verdade
da Grande Matéria entre aminoácidos
e o meio
ambiente uma verdade atómica
como se a
evolução fosse guiada por Alguém
e
procurasse um pequeno caminho na Terra
escrevo a
tua história bem sei
entre
minúsculos átomos de carbono e versos
vozes da
matéria alguns sóis
o ferro
do teu sangue continua regressando
ao
coração do mundo
as
distâncias dos objectos vão aumentando
daqui a
biliões de anos onde estarão estes versos?
insisto que
existe uma infinidade de mundos
e a
gravidade não é senão a curvatura do universo
este
mundo é uma estrela a Terra
(nem toda
a luz a vemos)
Caminhamos
para a grande névoa
Alexandra Kraft (heterónimo de maria azenha)
In CONCERTO PARA O FIM DO FUTURO – 1999
***«»***
Na
resposta de agradecimento à amabilidade de Maria Azenha, que me enviou este
poema, acrescentei a seguinte nota:
“A
linguagem das ciências exatas e experimentais também constitui um valioso
recurso para o edifício metafórico da Poesia. E nem a Maria Azenha, vinda da
área das Matemáticas, poderia resistir à invocação dos fenómenos e das
realidades da Física, da Astronomia e da Bioquímica, para escrever um belo
poema de amor. Os versos acabam por se confundir com a matéria (na
incandescência dos corpos), na sua transmutação através do tempo “sideral” (cuja
contabilidade nos escapa), e seguir a “curvatura do universo” e da luz cósmica.
E o instante sublime do amor, que incendeia os corpos e cega a alma, projeta-se
assim, nessa “grande névoa”, nessa incomensurável infinitude temporal e
espacial daquele primeiro instante em que a energia, explodindo, libertou a luz
e os átomos.
Aqui
também encontrei a tal empolgante “densidade poética”, que já tinha
identificado anteriormente, noutros poemas de Maria Azenha.
Parabéns, Maria Azenha. Nos seus poemas, em cada esquina de cada verso aparece sempre uma metáfora surpreendente e desconcertante. Ao ler a sua poesia experimentam-se sensações gratificantes e compensadoras. Mas é também um exercício difícil, pois não basta ler os seus versos. É necessário soletrá-los.
Parabéns, Maria Azenha. Nos seus poemas, em cada esquina de cada verso aparece sempre uma metáfora surpreendente e desconcertante. Ao ler a sua poesia experimentam-se sensações gratificantes e compensadoras. Mas é também um exercício difícil, pois não basta ler os seus versos. É necessário soletrá-los.
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