Leda atomica- Salvador Dali
PRELÚDIO
num sapato de Dante
( a Rui V.A.)
Deram as onze badaladas.
deram as onze
no meu quarto.
e espero por ti, Líli,toda a noite
para que me venhas ver.
mas, ai!,
todos os ponteiros dos relógios voaram pela sala!
todos os livros das estantes caíram como um grito!
o meu coração soltou-se aos bocados
para de ti me esconder...
ai,Líli,
vem depressa,
queimei-me com versos
quando por ti esperava!
olha
como todos os crisântemos carbonizaram
pelas árvores, fora, a arder!...
ouves, Líli? sentes?…
vê os séculos distantes quando passam
por mim!
repara como os nossos beijos vão em cavalgada,
cambaleando como um Baco,
numa gotinha incendiada
da chuva!...
clamarei por ti
mais uma vez,
até que um verso meu se solte pela janela fora!...
ai,Líli!
todo o meu corpo pegou fogo
ao riso abalado de Van Gogh!
as minhas orelhas fugiram
através da minha carne fogosa!
soltou-se-me um braço!,
uma perna minha foi parar à Malásia !
e deram doze badaladas.
deram mais doze badaladas no meu quarto.
e, Líli ,ainda não veio!
ah! como um brutamontes
arrancarei todas as fechaduras à dentada!
tomarei todos os livros de assalto
das estantes!,
entre nuvens sonharei versos gigantes!...
ouves, Líli?
sentes?
olha como apunhalei a Terra
só com um verso de Nietzche !
todos os loucos e enfermos dos hospícios
me vieram ver!
todos os mendigos me trouxeram uma trincheira
de beijos,
para de ti me esconder!
ah!, não me ralo,
tenho comigo a orelha cortada
de Van Gogh ,
e o ouro todo que corre agora
pelas vossas salas!...
sou o maior dos amantes,
a teu lado, a arder...
mostrarei então a Deus todos os meus versos feitos,
que não trocarei por nada !
e quando tu vieres, disfarçada de Goethe,
porei o meu monóculo bem aberto
numa garrafa ébria de gin!
tocarei para ti, Líli, a flauta dos milagres
com Deus em todo o meu quarto
a arder...
o meu coração viaja agora pela europa fora!
que inferno,Líli!
o meu choro copioso
caiu na última lágrima de Dante,
derramada às seis em ponto!
peguei fogo às janelas!
ardo pelas chaminés fora
pelas paredes da casa incendiadas em Kant!
ai,Líli,
não tenho para onde fugir!
o meu corpo
mudou-se todo para o teto,
voa para cima, num sapato de Dante!
e rubra,
como um diamante, soltarei então o meu último grito
pela Via-Láctea dentro,
dentro de ti,
com um verso a arder...
ai,Líli , brilharei como um rubi para sempre
no último dos amantes...
brilharei eternamente
quando
passar
por
ti!
maria azenha
Deram as onze badaladas.
deram as onze
no meu quarto.
e espero por ti, Líli,toda a noite
para que me venhas ver.
mas, ai!,
todos os ponteiros dos relógios voaram pela sala!
todos os livros das estantes caíram como um grito!
o meu coração soltou-se aos bocados
para de ti me esconder...
ai,Líli,
vem depressa,
queimei-me com versos
quando por ti esperava!
olha
como todos os crisântemos carbonizaram
pelas árvores, fora, a arder!...
ouves, Líli? sentes?…
vê os séculos distantes quando passam
por mim!
repara como os nossos beijos vão em cavalgada,
cambaleando como um Baco,
numa gotinha incendiada
da chuva!...
clamarei por ti
mais uma vez,
até que um verso meu se solte pela janela fora!...
ai,Líli!
todo o meu corpo pegou fogo
ao riso abalado de Van Gogh!
as minhas orelhas fugiram
através da minha carne fogosa!
soltou-se-me um braço!,
uma perna minha foi parar à Malásia !
e deram doze badaladas.
deram mais doze badaladas no meu quarto.
e, Líli ,ainda não veio!
ah! como um brutamontes
arrancarei todas as fechaduras à dentada!
tomarei todos os livros de assalto
das estantes!,
entre nuvens sonharei versos gigantes!...
ouves, Líli?
sentes?
olha como apunhalei a Terra
só com um verso de Nietzche !
todos os loucos e enfermos dos hospícios
me vieram ver!
todos os mendigos me trouxeram uma trincheira
de beijos,
para de ti me esconder!
ah!, não me ralo,
tenho comigo a orelha cortada
de Van Gogh ,
e o ouro todo que corre agora
pelas vossas salas!...
sou o maior dos amantes,
a teu lado, a arder...
mostrarei então a Deus todos os meus versos feitos,
que não trocarei por nada !
e quando tu vieres, disfarçada de Goethe,
porei o meu monóculo bem aberto
numa garrafa ébria de gin!
tocarei para ti, Líli, a flauta dos milagres
com Deus em todo o meu quarto
a arder...
o meu coração viaja agora pela europa fora!
que inferno,Líli!
o meu choro copioso
caiu na última lágrima de Dante,
derramada às seis em ponto!
peguei fogo às janelas!
ardo pelas chaminés fora
pelas paredes da casa incendiadas em Kant!
ai,Líli,
não tenho para onde fugir!
o meu corpo
mudou-se todo para o teto,
voa para cima, num sapato de Dante!
e rubra,
como um diamante, soltarei então o meu último grito
pela Via-Láctea dentro,
dentro de ti,
com um verso a arder...
ai,Líli , brilharei como um rubi para sempre
no último dos amantes...
brilharei eternamente
quando
passar
por
ti!
maria azenha
Obs. (1)-Líli (ou Lília)- representa a Poesia , figura feminina, por excelência.
***«»***
QUE
OS LIVROS DE POESIA NÃO DEVERIAM TER PREFÁCIO
Com Maria Azenha a palavra transforma-se em algoritmo, numa fórmula
possível para o encantamento do ínfimo. Captura do excedente. É uma matemática
feita de objetos fractais, roturas para com a normalidade. Um testemunho sobre
o que vagueia sem limite ou função. Um voo rasante nos abismos dos céus. A
palavra «mudou-se para o teto», como o corpo, «num sapato de Dante». Na
companhia de Líli (ou Lília), figura que representa a poesia, a emancipação do
futuro. Guia que nos leva, a salvo, para além do purgatório dos dias. Líli ou
Lídia, em Fernando Pessoa. Beatriz, em Dante. Mensageira portadora de um
destino maior que o remorso de existir.
Assim é a poesia.
Viagem íntima sobre a
condição humana.
Como na poesia de Dante, a
viagem realizada é contada de forma rigorosa, embora transbordante de imagens,
poema narrativo com detalhes visuais. A obra em três andamentos não segue, no
entanto, um caminho de perfetibilidade. Vagueia com os objetos e os sentidos
sem rumo certo. Fórmula onde o resultado se mantém indecifrável.
A poesia de Maria Azenha é um algoritmo onde as
incógnitas conspiram, e tornam-se cúmplices do silêncio e do infinito. Equação
de difícil resolução, diria. Assim como a fraternidade perdida na grande
cidade. «A
boca de neve das bonecas grita com vestidos de lagartas mortas, encostadas à
parede das palavras». (Que gritam agora? Pergunta a autora). O infinito faz
muito ruído. E enquanto na rua os cães dormem com os seus mendigos, «alguns
verbos desalojados acionam granadas». É, assim, a poesia. A violência e o amor
que as palavras melhor sabem reproduzir.
Avisa a autora que o
poema também é feito de palavras por inventar, servindo-se das coisas do mundo:
solidão, noite, folhas, lâminas. Facas, lábios. Aranhas. O cansaço que se
esconde nas dobras de todas as alvoradas. Trocando as voltas às palavras de Maria Azenha: O poema é um louco que
queima os pensamentos. O que é um poema?
O poema é uma criança que atravessa a rua
«com uma flor de cinzas
na boca».
João Lutas Craveiro
Sociólogo e Investigador do Laboratório
Nacional de Engenharia Civil – LNEC
Docente da Universidade Nova de Lisboa
- UNL
***«»***
Na
resposta de agradecimento à amável oferta de Maria Azenha, de dois livros de
poesia de sua autoria, "Num sapato de Dante" e "A Sombra
da Romã", escrevi à "poeta" o seguinte:
"...
imediatamente, fui ler o primeiro poema, "num sapato de Dante", um
título surpreendente. Quero dizer-lhe, e utilizando uma expressão da linguagem
comum, que, após a sua leitura, "fiquei agarrado à cadeira". Depois,
percorri transversalmente as páginas dos dois livros, detendo-me num ou noutro
poema, e, lendo-os aligeiradamente, descobri metáforas
"desconcertantes". Se me pedissem uma palavra, apenas, para
caracterizar a sua poesia, eu avançaria com a palavra "densidade".
Uma enorme "densidade poética", que obriga o leitor a parar em cada
verso, para lhe abarcar todo o seu sentido. E é isso que vou fazer nos próximos
dias: ler lentamente os seus lindos poemas, para descobrir a tal
"matemática feita de objetos fractais."
1 comentário:
Majestoso poema!
José Carvalho
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