Nesta pintura/desenho, de traços firmes e determinantes, o autor afirma, de uma forma original, o seu "modernismo", através de uma conseguida estilização das figuras e recorrendo a uma grande economia de elementos pictóricos, ao mesmo tempo que se inspira, e isto é uma outra originalidade, no figurino genérico da pintura da arte sacra dos finais da Idade Média e à do princípio do Renascimento, das cidades-estado italianas. O efeito da sobreposição de dois rostos da mesma personagem, de tamanhos diferentes, e com um olho comum a ambos, possibilita múltiplas interpretações sobre o(s) conceito(s) da maternidade, que o autor quer explorar nesta obra. Aqui, talvez ele pretendesse focalizar-se na recorrência da memória da mãe à sua própria infância, num dilatado recuo temporal, que a presença da sua filha, ainda criança, lhe sugere, ficando assim definido, em linguagem pictórica, o fenómeno da sucessão geracional. A ternura, outro elemento que imediatamente salta à vista, concentra-de na mão da criança e na expressão do olhar da mãe.
E a arte é isto. Além do efeito estético, que é importante, a arte tem a função de questionar-se, questionando quem a usufrui. E isto é válido para todas as manifestações artísticas, o que me leva a dizer que a arte não é um fim em si mesmo, mas é, definitivamente, o princípio de tudo.
A imagem foi roubada à Maria João Correia.
A imagem foi roubada à Maria João Correia.
Adenda: Acrescento ao meu apontamento sobre a pintura/desenho de Stefano Vitale o comentário que deixei na página do Facebook da Maria João Correia, de onde retirei a imagem e onde esbocei, também na forma de um comentário, aquele apontamento. Uma posterior observação acertada da Maria João, sobre o significado dos dois planos da narrativa da imagem, obrigou a que aprofundasse a análise crítica.
Maria João: tem toda a razão. A linha que atravessa o rosto é a linha limite do horizonte visível, a linha onde se encontra a casa. E o rosto mais pequeno, que o autor intencionalmente encaixou no rosto da mãe, pertence a esse plano recuado, que poderá ser, para o autor, o passado – ou o da avó, como a Maria João sugere, ou o da própria mãe, quando criança, como eu inicialmente pensei. Em qualquer dos casos, pode interpretar-se que o autor pretendeu figurar e homenagear a maternidade, como matriz da sucessão geracional e como origem da nossa própria existência. É um hino à maternidade e à mulher, enquanto mãe.
Maria João, a arte está a operar, neste seu espaço e no meu, o milagre maravilhoso da descoberta, essa descoberta que nos aproxima tendencialmente do enigma da nossa própria existência, que, sabemos, nunca poderemos decifrar. É o que temos estado a fazer aqui, hoje. Ganhámos alguma coisa, pois embebedámos o espírito.
E só agora reparo que o autor marcou os dois planos da sua abordagem com diferentes cores, e que o rosto da mãe se reparte, conforme a cor, pelos dois planos, o do passado e o do presente, num aviso importante de que tudo o que façamos no presente e a olhar para o futuro (os filhos), não nos pode distrair nem desligar da origem de onde viemos.
A Arte continua a falar, Maria João, e agora a bebedeira já é azul, verde e castanha, tal como são as cores utilizadas pelo autor. E aqui está um caso exemplar de como, em Pintura, a forma se deve conjugar com a cor, numa unidade contextual perfeita, aqui em equilíbrio, mas que também pode ser em desequilíbrio, quando a genialidade de cada autor assim a conceber, já que se sabe que qualquer revolução na Arte é provocar um desequilíbrio violento contra o que já estabelecido (o caso de Picasso é paradigmático).
E agora, sim. A bebedeira é de tal tamanho, que já não me aguento de pé!...