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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Notas do meu rodapé: A Alemanha emitiu “moeda falsa"


Amabilidade do João Grazina, (vídeo publicado no ARROIOS).
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A Alemanha emitiu “moeda falsa”
Faltava esta informação crucial, a da emissão de moeda falsa por parte da Alemanha e a sua posterior utilização em empréstimos internacionais, bem focalizados e bem calculados, em relação à garantia da sua rápida rentabilização, para compreender, na sua totalidade, o puzzle da armadilha da dívida, montada aos países periféricos da Europa, o que justificaria, só por si, como resposta, o seu não pagamento.
Com este hábil e manhoso estratagema, a Alemanha não cumpriu as normas estabelecidas no Tratado de Maastricht, que impedia os países signatários da adesão à moeda única de emitir mais moeda nacional, obrigando as respetivas economias a funcionar apenas com a massa monetária que já estava em circulação. O controlo destas normas, a cargo das instituições europeias, seria feito através do indicador da taxa de inflação, que aumentaria, caso houvesse emissão de mais moeda. Para esconder a fraude, e para evitar o efeito inflacionário induzido pela emissão de mais moeda, o banco central alemão fazia seguir diretamente o dinheiro da rotativa para os bancos comerciais, onde ficava sob a forma de depósitos, em nome do Estado, não o libertando para a economia real. Tratava-se, pois, de dinheiro falso, feito do nada, sem ter o seu valor facial ligado ao valor da economia, e que iria ser utilizado posteriormente na especulação monetária e imobiliária, através da formação das dívidas soberanas e das dívidas dos bancos dos países do sul da Europa.
Nunca foi tão fácil obter tanto dinheiro a tão baixo preço. Prometia-se o eldorado, à medida que os cogumelos imobiliários iam crescendo a granel, por toda a parte. A União Europeia, dominada pela Alemanha, fazia o seu papel, concebendo projetos nos seus programas de financiamento, o que obrigava os estados a recorrer aos empréstimos internacionais, para poderem suportar a comparticipação financeira, que lhes competia, das obras realizadas, umas úteis e necessárias, outra faraónicas e inúteis. É certo que as diferentes atividades ligadas à construção geraram a montante muitas indústrias e muitos postos de trabalho. Mas também é certo que, com a crise, todas essas atividades faliram, provocando desemprego e contribuindo para a diminuição do consumo interno, que por sua vez, em ondas sistémicas, foram contaminar outras atividades, o que prova que as políticas de crescimento têm de apostar em várias frentes da economia, o que não foi o caso. E a contaminação galgou fronteiras, com os países fornecedores de bens e serviços a Portugal a ressentirem-se, embora em pequena escala, com a diminuição das compras das empresas portuguesas.
Esse dinheiro, o dos empréstimos, que não teve suporte na economia real, gerou lucros fabulosos, em forma de juros, em toda a cadeia operacional por onde passava, enriquecendo, em primeiro lugar, a economia alemã, à custa da dívida dos países do sul.
A falta de prudência, nuns casos, e uma estreita conivência, noutros, levou os governos desses países a uma estreita cumplicidade colaboracionista com o capital financeiro, a fim de facilitar, ao nível das opções políticas, a aplicação desses empréstimos no setor produtivo de mais rápida reprodução do capital – a construção civil, que apenas gera bens finais não transacionáveis (*) (casas, obras públicas, etc.). Paralelamente, os bancos nacionais promoviam agressivamente o crédito às famílias, que se endividaram para a compra de casa própria para habitação. Em Portugal, os sucessivos governos, pressionados pelo capital financeiro, atuaram em consonância, aumentado a legião de devedores, ao não tomarem medidas de estímulo ao mercado de arrendamento, que só agora, esgotadas as fontes de crédito, irá ser implementado, com a aprovação da lei das rendas, lei esta que, injustamente, vai agravar dramaticamente, no que concerne às rendas antigas, a situação de milhares inquilinos idosos, a maioria deles a receber pensões inferiores ao salário mínimo nacional.
Com tal política e com tal negócio, montaram-se verdadeiros clusters financeiros, cuja matéria-prima foi a dívida, e que segue uma rota descendente, na escala de valor acrescentado, a começar no Estado alemão e a acabar no cliente final, que é quem acaba por pagar a fatura toda com os rendimentos do seu trabalho. Os bancos alemães, os governos e os bancos nacionais, as câmaras municipais, os donos dos terrenos urbanizáveis, as empresas imobiliárias e de construção civil e as empresas de bens intermédios obtiveram rendimentos desproporcionados com dinheiro artificial, obrigando agora as famílias a pagar esse desvario financeiro com dinheiro obtido na economia real, com o dinheiro proveniente dos salários, ou seja, o resultante do trabalho produtivo, que não é especulativo.
Como todos estes significativos recursos foram principalmente canalizados para estes setores, faltaram em muitos outros, nomeadamente no setor exportador de bens e serviços, desequilibrando assim a estrutura do produto (PIB) das economias dos países do sul, em que o consumo interno, intencionalmente induzido, se valorizou em relação aos outros fatores.
Durante uma dezena anos, o capitalismo financeiro alemão, com o dinheiro da rotativa, enriquecia à custa da bolha imobiliária que se foi formando em Portugal, na Grécia, na Irlanda e, principalmente, em Espanha. O esgotamento da capacidade de endividamento e o aumento do crédito mal parado ditou o fim do sistema baseado na dívida, com pesados custos para os devedores, que assim estão a pagar o risco que pertenceria aos credores, política esta só possível de executar com a cumplicidade existente entre os governos e o capital financeiro.

(*) Bens transaccionáveis são os bens e serviços que são passíveis de ser vendidos economicamente nos mercados internacionais.
Alexandre de Castro
2013 01 16