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domingo, 8 de janeiro de 2012

Notas do meu rodapé: A roda da História e a perdição de Portugal...


A roda da História e a perdição de Portugal...

A roda da História é imparável. Existe uma corrente sequencial do nascimento e da queda dos impérios, que, por curioso que pareça, caminhou do Oriente para o Ocidente, acompanhando o movimento aparente do Sol: China, India, Mesopatâmia, Egipto, Finícia, colónias jónicas do mar Egeu, onde nasceu a moeda, Atenas e o império de Alexande, Roma, império árabe, Portugal e Espanha, Países- Baixos e Inglaterra e a França. e, por fim, os EUA. Já deu uma volta à Terra e, agora, vai regressar ao princípio. Novamente à China e à India.

O declínio da civilização ocidental é evidente. Como aconteceu a todas elas, a sua morte vai ser lenta, enquanto a sua sucessora vai crescendo e consolidando a sua posição. Os ciclos desta mudanças históricas não se medem pela tempo de vida médio de um homem. No início dos tempos da História, normalmente, a transição durava séculos. Mas a sua velocidade tem vindo a aumentar ao longo do tempo, e, por isso, os historiadores e os economistas prevêm que em 2050 a China dominará o Mundo. E nada se pode fazer para mudar o curso desta evolução, tal como nada se pode fazer para operar o rejuvenescimento de um idoso, devolvendo-o à sua adolescência. As sociedades têm uma vitalidade endémica limitada, tal com a vida humana. É um paralelismo curioso entre o fenómeno social e  o fenómeno biológico. Já na Pré-História aconteceu o mesmo. o Homem Sapiens, de onde o homem da actualidade descende em linha recta, "engoliu" o Homem de Neeanthartal, de uma forma pacífica, através da misceginação, segundo alguns autores, ou de uma forma violenta, através do extermínio, segundo outros. Nesses tempos pré-históricos, ainda não tinha surgido o fenómeno da escravatura, que só aparecerá mais tarde, acompanhando o lento enquadramento da noção primitiva de Estado soberano, a estruturação rígida da divisão da sociedade em classes e, no processo económico, um aparelho produtivo a gerar excedentes. Descrevendo a situação com os conceitos actuais da ciência económica, poder-se-ia dizer que a civilização dos faraós criou uma vantagem competitiva, em relação aos seus vizinhos, institucionalizando a escravatura em larga escala. A sua outra vantagem teve origem num fenómeno natural. Vinha-lhe das cheias do Nilo. Mas os faraós  repousaram nessas duas mais valias, que eles julgavam eternas, e que lhes garantiriam riqueza e poder. Deixaram que fossem os finícios e os gregos a descobrir que a política do transporte (termo que António Sérgio introduziu no discurso histórico, referindo-se a Portugal) ainda era mais rentável. Mas são os romanos, séculos depois, que, copiando as concepções de Alexandre, descobriram que o império marítimo tinha de ter uma sustenção de base territorial, o que os levou a cercar o mar Mediterrâneo com as suas legiões, com os seus cônsules e a sua cultura. Roma foi o império mais estruturado da antiguidade. A estratégia militar, o Direito e a Engenharia foram as alavancas competitivas da sua superioridade. Mas também não atingiu a eternidade, como os centuriões julgavam. O trabalho escravo, base da sua produção de bens e serviços, acabou por se revelar pouco rentável em valor acrescentado (a taxa de produtividade começou a diminuir, dir-se ia hoje). E, pela primeira vez, nos tempos históricos, uma civilização requintada cai nas mãos de povos primitivos, ainda a viver no regime tribal, os bárbaros (os ascendentes ancestrais da senhora Angela Merkel), que na sua embriaguês da vitória destruiram tudo aquilo a que não sabiam dar uso e entregaram aos clérigos cristãos tudo aquilo que não sabiam fazer, incluindo algumas parcelas da soberania e do governo das gentes. Como eram incultos e alarves, reduziram os povos autóctones à servidão. Encontrava-se a História no início de uma longa noite escura, que só dez séculos depois assistiu ao raiar da manhã, com a luz a aparecer com os iluministas e os revolucionários franceses. Os árabes, não conseguiram ultrapassar os Perinéus e ficaram-se pela Península Ibérica, onde desenvolveram uma civilização de sucesso, nas artes, nas letras, na filosofia, no comércio e na agricultura. Foram prudentes e inteligentes. Não impuseram à força a sua nova religião (apenas exigindo um imposto a quem  a não a abraçasse) e libertaram os produtores da servidão, deixando-os à vontade para produzir nas suas terras e vender os seus produtos nos mercados (medidas estas que aumentaram a taxa de produtividade). Por isso foram recebidos como libertadores.

Entretanto a Europa medieval, dominada pelo braço vigoroso (por vezes cruel) do papado e por uma aristocracia parasita, evolui muito lentamente e, com o progresso do comércio marítimo, criou uma classe social, a burguesia, que se revelou muito dinâmica. A Renascença, esse período que rasgou as trevas da ignorância da Idade Média, é um produto dessa nova classe social. As repúblicas das cidades do norte da penísula itálica eram então o centro da Europa, já que não podiam ser o centro do mundo, porque os árabes faziam a leste e a sul da Europa uma extensa e segura barreira, que impedia o acesso ao mítico Oriente. Foram os portugueses que furaram esse cerco, descobrindo a rota do Cabo. Para a Europa, iniciava-se o caminho da dominação do mundo. Portugueses, espanhós e holandeses globalizaram, à medida da época, a economia. Veio o colonialismo, que estruturou o saque. Mas, em contrapartida, nasceram as ideias iluministas, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, que mudaram a face da Europa. A burguesia começou a ganhar terreno perante a aristocracia parasitária. É a Inglaterra e o seu vastíssimo império que caracterizam esse tempo de progresso intelectual, cultural e tecnológico, e  que constituem as marcas identitárias da civilização europeia, que também legitima a herança greco-romana da Antiguidade Clássica. A Inglaterra, embora hegemónica, depois da queda de Napoleão, não evita a afirmação da França, nem a da Alemanha, que acaba por nascer como estado na segunda metade do séc, XIX, e que tantas dores de cabeça viria a dar no século seguinte (e no actual também). As duas guerras mundiais e o esgotamento do modelo colonial (entretanto substituído pelo difuso modelo neocolonial), já muito dispendioso, deram o golpe mortal ao domínio mundial exercido pelas potências coloniais da Europa. É certo que não morreu, mas ficou muito combalida. A nova potência emergente, os EUA, que lhe herdou a cultura e as gentes, ajudaram-na a recuperar. Mas nunca mais brilhou como no passado. E isto, apesar de ter colocado de pé um projecto político, social e económico original e único, que suscitou muitas expectativas: a construção da União Europeia e a criação da moeda única, cuja viabilidade está actualmente a ser posta em causa.

O aliado do outro lado do mundo, e que ainda detém um poder hegemónico ao nível político, militar e económico, também já não goza de boa saúde. A sua grande preocupação, nunca declarada, é preparar o terreno para poder enfrentar militarmente o avanço imparável do colosso chinês. É que a roda da História não deixa de rodar, e aproxima-se o momento em que essa roda vai iniciar a seguna volta ao planeta Terra.

No meio deste gigantesco movimento de mudança, Portugal parece perdido. Perdeu a África, perdeu a Europa, que também está perdida. e, agora, parece que vai perder-se a si próprio, vítima dos seus erros e dos seus pecados. Não soube aproveitar as vantagens da globalização. Ficou apenas com as respectivas desvantagens. A sua sobrevivência como país independente está em perigo. Portugal foi um país de oportunidades perdidas. E as perspectivas são tão negras, que até o actual primeiro-ministro e o seu ministro da Presidência já pedem aos jovens portugueses, principalmente aos mais qualificados, para emigrarem.

Alexandre de Castro

Janeiro de 2012